A vila solitária cap 2 O velho
As dobradiças rangeram quando a pesada porta foi fechada, deixando do lado de fora a chuva gelada e a criatura assustadora. Os passos de ambos, padre e pistoleiro, ecoaram pelo salão deserto até que ambos sentaran-se em um dos bancos.
"Como que isso começou?" - perguntou Thomas.
O velho padre depositou o lampião a seu lado sobre o banco e fitou demoradamente a porta. Permaneceu assim por um longo tempo, parecendo ponderar sobre o que dizer. Então por fim falou.
"Que eu me lembre foi a uns sessenta dias que tudo começou. Foi quando a primeira de nossas crianças morreu. Foi quando ele chegou."
"Ele quem?" - perguntou Thomas fitando o padre nos olhos.
"O velho." - respondeu o padre.
O pistoleiro olhou sério para o homem de Deus, e este entendeu perfeitamente a indagação silenciosa. "Ele vinha a noite, e cada vez que vinha, uma de nossas crianças desaparecia. Foi visto duas ou três vezes. Um homem idoso, coberto de trapos. Então os homens prepararam uma armadilha para ele. Creio que não preciso dizer que nenhum deles foi visto novamente."
"E as crianças desaparecidas?" - indagou o pistoleiro.
"Essa que matou seu cavalo agora a pouco era uma delas. Não demoramos a entender o que esse velho era e no que havia transformado as crianças.Então eu fiz a única coisa que me ocorreu. Recolhi todos que podia aqui na igreja, que tem se mostrado o único local protegido contra esse demônio."
Thomas Scott levantou-se do banco e retirou o sobretudo encharcado e o chapéu de onde pingava água em abundância e depositou tudo sobre o encosto de um dos bancos.
"Desculpe essa minha falta de modos. Você deve estar com fome." - disse o velho. "Espere-me aqui. Vou trazer um pouco de comida e você poderá dormir aqui encima. Não se preocupe. Aquelas coisas lá fora não podem entrar."
O pistoleiro acompanhou com os olhos o padre enquanto ele desaparecia por uma porta na parede atrás do altar. Então, uma vez sozinho no salão, ele levantou-se e caminhou de volta até a porta do templo e a abriu sentindo a chuva gelada fustigar-lhe o rosto. E o que viu fez seu coração gelar. No terreno enlameado, ao pé da escadaria, um velho o observava. Um velho alto e magro, de cabelos ralos, rosto encovado e sinistros olhos cor de carvão. E que segurava em sua mão direita uma sacola de couro, uma sacola pela qual o pistoleiro ansiava. O velho ergueu a mão com a sacola, como que a oferecendo.
Com o coração disparado o pistoleiro fechou a porta e voltou para o banco. E enquanto ele servia-se da sopa e do pão que o padre acabara de lhe servir, lá fora, na chuva, o vampiro sorriu seu sorriso de presas afiadas como navalhas. Porque sentiu que em breve mais sangue inocente escorreria pela sua garganta, aplacando-lhe a sede eterna.