A vila solitária cap 1
A vila solitária
Capítulo 1
Caía uma garoa fina e gelada naquela tarde de Sexta Feira. Cavaleiro e montaria atravessavam uma região de árvores ressequidas e tristes. A tarde findava e o homem, tremendo de frio apesar do sobretudo que usava, temia não encontrar um lugar para passar a noite. Foi quando os últimos raios de sol começaram a desaparecer que ele viu a vila. Parado a beira de um ingreme barranco ele ficou a observar as construções de madeira e pedra, principalmente a torre de uma igrejinha. Não era grande coisa, na verdade transmitia uma impressão de tristeza e desolação tão grande quanto a mata de árvores secas que acabara de atravessar, mas ele pensou que seria melhor passar a noite ali do que nos ermos enfrentando o frio e a chuva e o que mais se esgueirasse pelas sombras. Quem sabe houvesse ali até mesmo um lugar decente para tomar uma cerveja e comer um bom bife mau passado.
O homem guiou o alazão a procura de uma trilha que o conduzisse em segurança até a vila, e quando a achou adentrou o lugarejo onde não se via nenhum sinal de vida. Avançando lentamente pela única rua o cavaleiro fitava apreensivo as casas. Eram casas simples, aqui e ali com uma janela aberta que o vento fazia bater. Havia também um pequeno armazém, de portas abertas mas com o interior mergulhado nas sombras, uma delegacia que parecia abandonada e um salão. Mas nem sinal de vida humana. Tudo parecia abandonado. Algo na aparente falta de vida daquele lugar o perturbava. A ele e a sua montaria pois o animal demonstrava-se visivelmente nervoso. Instintivamente a mão do cavaleiro afastou o casaco para o lado revelando a cartucheira com o colt.
Estava escuro quando ele parou defronte a igrejinha, de onde provinha o som de vozes. Apeou do cavalo e andou devagar até a porta do templo. Esticou a mão calejada e experimentou empurrar. E nada. Nem se mexeu. Então fechou a mão e bateu com força.
"Padre?" - chamou ele. "Tem alguém aí?"
Ouviu-se passos no interior da igreja e depois uma voz grave fes-se ouvir.
" Quem é você? O que faz aqui?"
"Sou Thomas Scott. Pensava encontrar um lugar para passar a noite mas tudo parece deserto e sem vida. Quem sabe o sr não me deixaria dormir ai dentro?"
"Afaste-se um pouco " - pediu o velho padre enquanto abria a pesada porta cujas dobradiças emitiram um rangido tétrico. E o homem chamado Thomas Scott viu-se iluminado pela luz de um lampião que pendia das mãos do padre e deu um passo para dentro da casa do Senhor. Feito esse que arrancou um suspiro do sacerdote baixinho e careca e de rosto completamente enrugado. Então, virando-se o homem santo berrou para o interior da igreja: "Podem vir. Está tudo bem, não é um deles." E de repente Thomas Scott e o velho padre viram-se cercados por mulheres e crianças das mais variadas idades, todas olhando com um misto de medo e curiosidade para o recém chegado na igreja repleta de sombras bruxuleantes.
"Seja bem vindo filho. Chegou na hora exata. Não é seguro permanecer fora destas portas depois que anoitece por estas paragens. A propósito, meu nome é Alberto Sioli. Sou o pároco aqui."
Thomas Scott estendeu a mão e apertou a do padre e estava prestes a perguntar qual o motivo para a vila estar deserta e a igreja lotada de gente assustada quando sua atenção foi atraída para o cavalo lá fora na rua. O animal estava nervoso, esforçando-se para escapar de onde estava preso. Percebendo uma súbita debandada das mulheres e crianças para o fundo da igreja Thomas sacou o revólver e aproximou-se da porta. E o que viu foi uma figura nua, esguia e de cabelos negros desgrenhados parecendo farejar o pescoço do animal enquanto segurava as rédeas com força suficiente para o animal não escapar.
De arma em punho o pistoleiro saiu pela porta a fora e começou a descer a escadaria na direção daquela figura estranha. "Ei você, afaste-se do meu cavalo" - ordenou ele enquanto descia os degraus. Porém, antes que chegasse na rua sentiu várias mãos a segura-lo. Olhando por sobre o ombro viu o padre e duas das mulheres olhando-o assustados.
"Fique onde está" - ordenou o homem santo. "A escadaria ainda é solo sagrado. Nenhum mau pode nos alcançar aqui." Depois, levantando uma das mãos ele apontou e disse: "Olhe. Olhe e compreenda o mau que aflige essa cidade."
Thomas virou-se e viu seu cavalo cair no chão enlameado, parecendo indefeso sob a pequena figura de menina que abraçou-lhe o pescoço e encostou nele os lábios.
"Mas que merda é essa?" - perguntou ele. "O que tá acontecendo aqui?"
Como se para responder a essa pergunta a menina levantou a cabeça e olhou em sua direção. E Thomas viu a face desfigurada e o sangue que escorria-lhe da boca infantil. E compreendeu o horror.
"Vampiro" - sussurrou ele enquanto retrocedia de volta para a porta da igreja.