Quaresma - noite de lua cheia
Quaresma – noite de lua cheia (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)
Já se passavam das dez horas da noite, quando Carlos, finalmente, consegui sinal da operadora de celular e ligar para o mecânico de confiança sobre o defeito de seu veículo.
Era noite de lua cheia. Mês de março e aproximando a estação do outono. A brisa noturna soprava um pouco mais forte do que na época de verão. Galhos de árvores iam acompanhando gradativamente a direção da brisa. Alguns pássaros noturnos cantavam próximos a Carlos. Ele não estava muito acostumado com isso, pois é um jovem criado na cidade, um jovem urbano com pouca familiarização com o meio rural. Gostava muito de ler, mas tinha mais predileção por jogos eletrônicos. Formou-se em análise de sistema computacional e logo arrumou um emprego na companhia de internet, sua paixão. Naquele dia, exclusivamente, foi fazer um reparo no sistema de um cliente, na fazenda. Houve chuva na tarde e poças de água e barro se formaram na estrada. De tanto forçar o carro, houve quebra da barra da direção e fez com que Carlos parasse naquele local.
A lua brilhava muito. A luz refletida por ela era tão intensa, que podia ver e andar pela estrada sem o uso de lanternas. Alguns sapos e pererecas faziam uma pequena serenata logo abaixo da estrada, lá no fundo, pois um pequeno riacho e uma lagoa podiam ser vistos da estrada e luz lunar os iluminava.
Um pouco mais à frente, boi e vacas se amontoavam debaixo de uma árvore. Algumas vacas insistiam em comer o verde capim, pois já era época de pequenas cigarras irem devorando parte das pastagens. Uma ampla cerca de arame se estendia como se não tivesse fim. Carlos viu, também, um pouco mais atrás, próximo à lagoa, alguns cavalos que pastavam ou estavam descansando na noite. De vez em quando, algum andava de um lado para o outro. Este cavalo era bem branco e a cor dele era vista nitidamente, pois a lua brilhava muito.
Cansado de ficar ali, Carlos logo se comunica com o mecânico e diz que está parado naquele local e sem fazer nada. O defeito do veículo era a barra da direção quebrada. O mecânico, por sua vez, responde que já está providenciando o socorro. Irá demorar um pouco, pois terá que ir à casa do dono da casa de peças para pegar outra barra da direção. Vai demorar mais ou menos umas duas horas. O mecânico disse para Carlos ter cuidado, pois no local em que ele se encontrava, aconteciam algumas coisas anormais durante a noite. Ele mesmo disse ter visto uma grande luz que sobrevoava a região. Era grande e não tinha som.
Ouvindo as palavras do mecânico e muito enfurecido, Carlos não deu muita atenção. Aproveitou que o celular tinha sinal e foi logo olhando algo na internet. Foi por pouco tempo, pois a bateria do telefone estava com pouca carga e logo apagou. Então, na estrada, Carlos estava completamente desamparado: Sem celular e sem lanterna. Pensou que o melhor jeito era ir para o carro, pois lá ficaria e aguardaria pelo socorro.
Os segundos foram passando, os minutos também andavam. Já cansado de ficar dentro do veículo e sem celular, sem rádio do veículo, Carlos resolve abrir a porta e sair um pouco.
Estava bravo, mas ao mesmo tempo estava feliz por ficar ali só. Há muito tempo ou talvez nunca tinha parado para ver e sentir o quanto a noite é bela. Elevando-se a cabeça, viu a forte luz refletida pela lua. Esquivando-se um pouco mais o olhar, viu que algumas estrelas ainda eram visíveis. Pensou filosoficamente que mais estrelas não brilhavam ali. Lembrou do ex-professor de Física que sempre falava na constelação de Orion, vulgarmente conhecida pelas “Três Marias”. O professor era um grande pesquisador de discos voadores e sempre falava que a vida na terra foi trazida por alienígenas vindos daquela constelação. Viu algumas luzes de aviões que percorriam o céu noturno e desapareciam no horizonte. Acompanhava lentamente até não ver mais os gases soltos pelos motores no espaço. De vez em quando, ouvia, bem distante, alguns latidos de cães.
Com tudo isto, Carlos se distraia ao máximo. Não tinha celular para olhar as horas, nem mesmo algo para mexer. Lembrou do computador portátil, mas logo o descartou porque a bateria também estava quase no final. Não deu muita importância, pois queria ter um pouco de paz, ter um pouco de sossego para terminar a semana. O próximo dia seria o sábado, dia de folga e dia para visitar a namorada. Lembrou que teria que comprar um presente, pois era aniversário do pequeno cunhado. Faria cinco anos e gostava muito de carrinho.
A distração foi tanta, que em determinado momento Carlos entrou no veículo. Fechou a porta, suspendeu os vidro e cerrou os olhos. Ouvia os sons dos sapos. Tudo isso ia ficando longe e aos poucos o sono lhe furtou. Cochilou por cerca de meia hora mais ou menos.
Repentinamente, acordou com algo forçando a porta do carro. Abrindo os olhos instantaneamente, Carlos viu uma figura meia estranha. Olhos grandes e vermelhos, uma enorme cabeça, com orelhas grandes e caídas pelo rosto, vários dentes grandes, rosto coberto por pelos longos, na cor preta. Tórax grande e largo e uma enorme calda.
Assustado com aquilo que estava a seu lado, Carlos começou a gritar. Seus gritos se misturavam com um enorme som vindo da criatura estranha, que chegou a pular no capô do veículo e subia pelo teto, na intenção de tentar agarrar Carlos de qualquer maneira. Carlos não tinha força para gritar mais. Já estava rouco. Lembrou, que debaixo do banco, em que sentava, tinha um facão. Tentou pegá-lo, mas os gritos da criatura eram tão fortes que os ouvidos doíam e mal tinha raciocínio para pensar no que fazer. A criatura pulava de um lado para o outro, fazendo com que o veículo, em que Carlos se encontrava, fosse uma pequena pedra. Pulava de um lado e de outro. De vez em quando, pulava sobre o capô e o teto.
Já cansado com aquela cena, Carlos pensou em abrir a porta e sair com o facão nas mãos, mas não tinha forças suficientes para enfrentar a fúria daquilo que lhe atormentava. Rezou e pediu proteção a Deus para que aquilo fosse embora. O medo lhe tomou conta, fazendo com que Carlos desmaiasse por alguns minutos.
Com fortes impactos no vidro e na porta, alguém gritava por Carlos. O mecânico e seu ajudante conseguiram refazer os sentidos em Carlos, que aos poucos se animava.
Já refeito do susto, Carlos ouviu do mecânico que se aproximava com o caminhão reboque. Ele viu uma forte luz que sobrevoava por sobre o automóvel em que o jovem se encontrava. A forte buzina do caminhão reboque foi disparada e espantou uma criatura muito estranha, que saiu correndo em direção a uma árvore bem no alto da montanha. Lá, algumas luzes em várias cores foram vistas e desapareceram rapidamente.
O susto deles foi maior, porque o capô e o teto do veículo que estava para ser socorrido estavam todos amaçados e o vidro da janela direita havia quebrado.