Viagem Maldita
Samuel acorda assustado sem saber onde estava. O medo e a incerteza o invadem, fazendo-o sentir calafrios; "onde estou eu?" se pergunta.
Olha ao seu redor, vê paredes bolorentas, maculadas por fungos que há muito, se passaram dela. Não há janelas, reflete. Os poucos móveis presentes estão deteriorados e puídos, e a única luz no local provém da estranha porta retorcida entreaberta, iluminando um velho quadro, com um demônio pintado. A odiosa criatura o encarava; quanto pavor trasmitia!
Flashes vão lhe acometendo: a viagem de última hora, os preparativos, sua mulher, que sem saber de sua motivação, o aconselhou a não ir. Como não iria? Seu pai que há muito não via, estava à beira da morte. "velho ordinário ", diz consigo. Nunca tiveram boa relação. Sua mente segue clareando aos poucos, e ele lembra, com pavor, do acidente que o tirou da estrada. Não podia ser humano aquele vulto que atravessou a rodovia correndo, fazendo-o perder o controle. Não tem mais lembranças, pensa, desolado. Como chegou ali? Do lado de fora, um relógio badala; cada batida faz seu sangue gelar. Com medo, ele sai do cômodo; não há ninguém no corredor - ou o que sobrou de um corredor - e seu corpo treme sem motivo aparente. "Virgem Maria, protege-me", suplica. Passos se ouvem então, e guinchos como de porcos se ouve. Ele chora, não sabe a razão. Corre para o centro do cômodo, encosta com cuidado a porta, e se esconde atrás do destruído piano. Ele grita, quando a porta se arromba em um estouro. Ele suplica por socorro, embora saiba que ninguém o escutará. "Viagem maldita ", ele lamenta, entredentes.
Samuel olha para a porta, e não vê ninguém; pensa em sair correndo, mas as pernas falham. "Não posso morrer", grita por dentro. Imóvel, ele sente mãos fortes agarrando-o por trás. Ele grita por socorro, procura pelo responsável e nada vê. Olha ao seu redor, procurando algo para se armar, e seus músculos se tornam como água quando nota o quadro, anteriormente com o demônio a observá-lo, vazio. "Santa Maria mãe de deus.." reza. Do escuro, vê os olhos demoníacos que fixamente o olha; tenta gritar, mas a voz não lhe vem. Não consegue correr, sua força se foi. Os olhos se aproximam, ele chora de horror e angústia.
"Não me deixe morrer, Deus, não me deixe morrer !".
Os policiais entram na casa. A denúncia de um carro capotado foi a motivação, e não achando o condutor, procuraram, até achar a retorcida e negra moradia no meio da Mata. Vasculham, até um deles gritar. Todos correm até lá, e vêem o corpo. Seus braços haviam sido arrancados, e seus olhos, sumido. Seu corpo, dilacerado, causava ânsias de vômito em todos. As órbitas vazias estavam sem brilho, encarando o quadro com o demônio pintado, que o encarava de volta, com um sorriso.