A casa macabra que tornou-se um túmulo

A casa que se tornou um túmulo.

Éramos uma família pobre do interior que decidiu tentar a sorte em uma cidade maior. Infelizmente a sorte não sorrira para nós e acabamos passando por muitos apertos. Desde novo, meu pai sempre trabalhou em todas as coisas que conseguia, e logo cedo já tinha profissão. Se não fosse o infernal vício da bebida, poderíamos quem sabe até ter tido um estilo de vida ao mínimo decente. Por razões do destino, conheceu minha mãe quando ela morava nas ruas, e juntos decidiram que deveriam morar juntos.

Antes do nascimento de minha irmã, ele jurou por si mesmo que faria uma casa para Viviane (minha mãe), e então conseguiu comprar um terreno na mão de um homem misterioso que indicou um local onde antes era um centro de bruxaria, ele não se importou pois não acreditava naquelas besteiras. Em 4 meses, o casebre já estava pronto para morar, embora defeituoso de muitas coisas, ainda assim era habitável.

Por causa do temperamento difícil de minha mãe, as brigas eram constantes dentro de nossa casa. Ela havia perdido um filho por conta da meningite e culpava nosso pai. Ele por sua vez, afogava suas desgraças na maldita bebida, e frequentemente deixava faltar algumas coisas em casa. Os vizinhos comentavam que a história se repetiria novamente, de todas as pessoas que moraram naquele local, como se estivéssemos amaldiçoados, não pelo local que já fora um lugar para rituais satânicos, ou pela cidade, ou até mesmo pela bebida, mas sim, pela casa...

Casa essa que se assemelhava esteticamente com as duas casas anteriores que haviam sido construídas ali, naquele mesmo lote, mas por razões "acidentais" foram desconstruídas em um incêndio...

Então tudo começou a desandar após a morte de minha mãe. Infelizmente, ela sucumbira a loucura depois da morte de outro filho, e enfermada, amaldiçoou aquela casa até o último segundo.

Depois que a enterramos, comecei a ver o vulto dela passeando entre os cômodos de barro batido e madeira, as vezes ela me chamava do lado de fora da casa, mas essas aparições foram se tornando mais intensas. Uma vez, vi uma cena aterrorizante: ela andava até a cozinha, batia os pratos e panelas e ficava batendo com a vassoura no chão, isso trajando um longo vestido branco. Logo após ela foi para o quarto de meu pai e se deitou na mesma cama que ele. Eu sempre me perguntei se ele nunca percebera isso, ou se sempre estava bêbado demais para perceber algo.

Eu dormia com minha irmã que era uma menina gordinha e sempre me empurrava para fora do pequeno colchão de solteiro (dormíamos no chão). Então era normal eu ser a telespectadora daquelas aparições macabras.

Não demorou para que meu pai começasse a apresentar os mesmos sintomas da loucura. Matou três gatos dizendo que eram eles os culpados pelos talheres e louças que encontrou no chão pela manhã, e os comeu. Eu fui a única que não aceitou participar daquela refeição. Um tempo depois, ele começou a trazer frangos depois do trabalho e dizia que era do buteco, mas tinham uma aparência estranha demais, sem falar da pinga que nunca faltava no jantar. A única que tinha coragem de comer, como sempre, era minha irmã.

Se não fosse pelos vultos de minha mãe, a casa por si só aparentava realmente estar amaldiçoada, e junto com ela, minha família.

Aquela sensação infernal de estar sendo observada o tempo todo. Os gritos de pavor doentios que se confundiam com o ranger das portas velhas, o tilintar das telhas podres que durante as ventanias soavam como cavalos trotando em angustiante agonia, as janelas deformes que com o passar de tantos anos começaram a tomar a aparência de rostos tristes. Lá dentro, o escuro tomava seu lugar, não como ausência de luz, mas sim como uma entidade viva. Pois não bastava o número de lâmpadas que ascendíamos, sempre parecíamos estar em profunda escuridão, nada conseguia realmente iluminar lá dentro!

Para piorar, tivemos uma infestação de percevejos, e era uma completa tristeza. Se enfiavam na mobília e em cada espaço vazio de madeira. Minha irmã começou a ficar neurótica, e um dia pôs fogo em nosso único colchão dizendo haver um homem percevejo dentro dele. De tão neurótica, reclamava com meu pai que havia alguém dentro do sofá. Ela reclamou tanto que ele abriu o sofá com um facão, e para o nosso espanto, ela estava certa. Havia dentro da estrutura do sofá, o cadáver de alguém carbonizado, com seus restos mortais colonizados pelos percevejos...

Meu pai adoeceu com cirrose, e eu comecei a trabalhar de empregada para comprar comida. Não tínhamos muito mas dávamos nosso jeito. Ele amaldiçoava a casa e dizia ser ela a culpada pelo seus vícios, enlouqueceu e morreu amaldiçoando a casa, assim como também fez minha mãe.

Também não demorou muito para que eu começasse a ver o vulto dele. Gradualmente sua voz ia se aproximando da casa, de madrugada, gritando pelos nomes de suas filhas. Eu me tremia muito ao olhar para a janela e ver exatamente, uma nítida imagem dele se esgueirando na porta tentando abrir. Um dia, depois de madrugadas tentando, ele conseguiu entrar na casa, ou seja lá o que era aquilo, e começou a nos assombrar.

Um dia acordei com uns barulhos estranhos, abri meus olhos e vi o vulto dele, com aquelas mesmas roupas brancas, dando cerveja na boca de minha irmã sonolenta. Ele me percebeu olhando, e assustado, começou a gofar e a cuspir muito no chão. Logo começou a vomitar restos mortais do que pareciam ser nossos antigos gatos de estimação, e instantaneamente ficou com uma aparência pálida e magra, e se agachou e tornou a comer o próprio vômito...

Minha irmã logo adoeceu, e ficou com os mesmos sintomas de loucura.

Obsessiva sobre pessoas que a observavam, ou que se escondiam dentro das paredes, móveis, armários e do velho fogão. Também praguejava a casa, e sua própria vida. Um dia tomou coragem e decidiu por fogo no barracão. Colocou álcool em toda a casa, foi para o lado de fora e ateou um fósforo. Viu um homem percevejo do lado de dentro, que entrava dentro do fogão, acabou entrando na casa em chamas querendo espantar a alucinação, mas, quando se deu conta, estava trancada do lado de dentro com as chamas rapidamente consumindo seu corpo e o que sobrou da casa.

Quando cheguei do serviço, pude ir até a porta mas não conseguia abrir ela, nem com ajuda de vizinhos. Mas no último momento, ouvi gritos desesperados lá de dentro, era minha mãe, pai e irmã gritando e pedindo para sair. Mas no fundo, pude ouvir uma risada, uma risada infernal que ecoa na minha mente até os dias de hoje...