UM VAMPIRO NA PANDEMIA.
O jovem loiro, de olhos de esmeraldas, colocou o passaporte no balcão. Trinta de janeiro de 2020. Uma tarde quente.
-"Brasil. Rio de Janeiro!" Disse em perfeito português, sorrindo para a moça da American Airlines. Faltavam quarenta minutos para a partida do seu vôo. Ele economizou durante três anos para aquela viagem. Uma parada na livraria. Um capuccino iria bem. Desistiu ao ver o preço. -"Vampiros milionários é coisa inventada por Hollywood!" Uma dezena de livros sobre zumbis, monstros e coisas do gênero. As notícias na tevê. As pessoas comentando sobre o novo vírus chinês. -"Vai ficar lá. Jamais chegará até o Tio Sam." Disse uma senhora, devorando um donuts com copo enorme de refrigerante. Stephen morava em Nova Orleans, numa república de estudantes de economia. O Brasil e sua economia extravagante e única o cativava. -"Tem coisas que só acontecem no Brasil. Se puderem, visitem o Brasil." Dizia o seu professor de faculdade, Eribert Waumann, um homem doente de amores pelo carnaval e por pão de queijo. Stephen foi numa feira de ciências em Wuhan, na China, há três meses. -"Por Drácula. Estive nessa cidade!" A pele dele ficou mais pálida que o normal. A sensibilidade a flor da pele. Seu humor mudou. Um senhor colombiano esbarrou nele. -"Imbecil. Não enxerga?" O homem pediu desculpas. As imagens de pessoas agonizando nas ruas da cidade chinesa, epicentro do Coronavírus. As construções de hospitais em tempo recorde, uma habilidade oriental. Stephen sentiu sede. Olhou em volta. Viu um bebedouro a vinte metros, mesmo com uma multidão a sua frente. Sem copos, colou a boca na torneira do bebedouro. A primeira chamada para o embarque. Uma jovem com uma mala pesada. -"Eu ajudo!" A moça sorriu. -"Que gentileza! Nicole." Ele a cumprimentou. Ela tinha lindos olhos e uma covinha no queixo. Ele sorriu. -" Lucian. Tudo vai ficar bem. É só uma febre." Ela pensou no filho de oito anos. Ele captou o pensamento dela. -"Eu vou para a Costa Rica. Já fiz o check in. Vôo das sete!" Ele pousou a mão no ombro dela. -" Vai ficar tudo bem, moça. Ele é forte!" Ela arregalou os olhos. -"Obrigada por carregar minha mala. Bonitas palavras. Eu estava precisando ouvir isso!" Ele mostrou o relógio do aeroporto. -"Stephen! Tenha uma boa viagem." Ela o beijou no rosto. -"Tomara que a gente se encontre novamente!" Ela corou. -"Talvez. Se você for a Nova Orleans!" Ele acenou. A chamada do seu vôo. A tevê. Uma dor de cabeça. As lembranças na sua mente. Sua visão embaçada. Ele abriu a mochila e pegou um óculos. Ninguém podia ver que seus olhos mudaram de cor. Aquilo acontecia quando as reminiscências surgiam. Ele apoiou-se no corrimão. Seis lobos perseguindo um homem na floresta. Ele não tinha mais balas no revólver. Uma cabana a frente. A neve caindo. Uma porta aberta com violência. Ele estava ferido. Fechou a porta com agilidade mas um dos lobos conseguiu entrar. Frente a frente com a fera. Uma mulher surgiu com uma criança no colo. -"Catherine. Leve Stephen para o sótão!" A mulher obedeceu. O lobo pulou sobre o homem e o matou. A imagem do homem morrendo. As presas de um vampiro. O olhar vermelho. O lobo se transformou num homem e saiu da cabana. Desde criança ele tinha essa cena na cabeça. Stephen não conheceu seu pai. A mãe o abandonou, com sete anos de idade, num orfanato de Massachusetts. Ele sempre acreditou que era diferente das outras crianças. Era mais forte que todas elas. Foi adotado por uma família de Nova Orleans, aos doze anos. Na faculdade soube de uma sociedade secreta de vampiros. Passou a ingerir sangue humano frequentemente, de alguns voluntários. Stephen engoliu uma pastilha. Chacoalhou a cabeça e respirou fundo. Estava se sentindo melhor. A fila de passageiros. A música no fone de ouvido. O embarque. A escada de acesso ao avião. As aeromoças. A sua poltrona. Um senhor ao seu lado. Um falante cowboy do Arkansas. Stephen gostou do homem com chapéu, parecido com Tex Willer, dos quadrinhos de faroeste. Conversaram por um bom tempo. -"Passei por Roma, quando vim de Wuhan! A cidade eterna!" Disse ao homem, um viúvo e filhos que também ia se esbaldar no carnaval. -" Meu hotel? Tijucas, não. Tijuca Hotel. Vou beber muito, meu caro cowboy!" Disse Stephen. O jovem deu um cochilo. As pernas doíam. Ele andou pelo avião, conversando animadamente com algumas pessoas. A aeromoça pediu para ele sentar. Ele foi diversas vezes ao banheiro. O Brasil, finalmente. O Rio de Janeiro apareceu majestoso. O Cristo Redentor. Copacabana. Botafogo. Ipanema. Stephen tomou um táxi, do aeroporto ao hotel. A cidade exalando carnaval, magia e alegria. Os blocos carnavalescos. Stephen saiu em três deles. -"Caraca! Brasileiras gostam de beijar americanos!" Aprendeu algumas palavras nativas, entre um beijo e outro nas foliãs. Ficou encantado no sambódromo. Conseguiu ingressos apenas para o desfile das escolas de samba do grupo dois. Encontrou um americano de Denver. Foram juntos para o carnaval de Salvador. Stephen ficou dois dias na capital soteropolitana. -"O Galo é o ápice! Recife. Vamos pra lá." Disse o amigo de Denver. Stephen estava exausto. -" Não aguento mais pular e beber. Gastar e beijar." Stephen encarou o outro. -"Preciso de sangue." Eles se beijaram. O trio de Ivete Sangalo. Uma música alta. Eles foram até um beco. Stephen hipnotizou o rapaz. Ele mordeu a jugular do conterrâneo. Era a primeira vez que fazia isso. Eles dormiram ali mesmo. Stephen acordou dois dias depois, num leito hospitalar. O corpo dolorido. Uma febre que não passava. A boca seca. Tosse seca e intensa. O peito doendo. A visão embaçada. -"É uma gripe!" Disse o médico. Uma semana no hospital. Ele ligou, em vão, para o amigo de Denver. Alta médica. No hotel, descobriu que o amigo havia morrido. Era filho de um deputado. O corpo esperava autorização para sair do país. Stephen ficou triste. Decidiu, em memória do amigo, não ir a Recife. Partiu para os Estados Unidos dali a dois dias. Tinha saudades de Nova York. Era seu destino. Ligou para alguns amigos de lá. Ficou na casa de Brian, um rockeiro. O cara tinha uma bela esposa e cinco filhos. Tinha também um grupo de rock pesado. -"Stephen. Você não vai embora dessa vez!" O discurso de Trump na tevê. -"Esse ano começou bem. 2020 será maravilhoso, Brian!" Após um mês, ele resolveu voltar a Nova Orleans. Tinha saudades da cidade e da atomosfera de lá. A grana estava curta. Sentiu saudades da galera do hospital, onde trabalhou um tempo como enfermeiro. Uma viagem de trem. Seria bom olhar as paisagens. Uma parada em uma pequena cidade. Stephen lia um livro. A moça entrou no ônibus. Era Nicole e o filho. Stephen a reconheceu. -"Moça. Tem lugar aqui atrás!" Ela só o reconheceu após ele tirar o boné e o óculos. -"O bom moço do aeroporto?! Aqui?!!" Ela estava feliz. O filho, Lucian, estava bem de saúde. -"Vamos para o Colorado mas podemos parar em Nova Orleans pra conhecer a sua casa!" Disse ela. Stephen contou sobre sua viagem ao Brasil. -"Incrível, Nicole. Um país surpreendente e exótico. Me diverti tanto." Ele omitiu alguns fatos. Eles trocaram telefones. Nicole e Lucian ficaram três dias em Nova Orleans. Stephen foi acolhedor e gentil, mostrando a cidade a eles. Stephen e Nicole foram a algumas raves e festas. O surto de Covid chegou a Europa. Os primeiros casos nos Estados Unidos. Os hospitais de campanha sendo montados. Sem se dar conta, Stephen infectou centenas de pessoas no aeroporto, no carvanal brasileiro, em Nova York, no ônibus no qual reencontrou Nicole, em todos os locais em que passou. Ele visitou os pais adotivos na periferia. Estavam aposentados, cultivando maçãs na chácara. Stephen ficou uma semana com eles. Ficaram felizes pois o rapaz não os via há anos. Uma ligação, um mês depois. A foto de Nicole no celular. -"Stephen. Sou Joanne, prima de Nicole. Ela me pediu para te ligar." O rapaz ficou surpreso. -"Ela está bem?!" Um choro do outro lado da linha. Stephen captou os sentimentos da moça. -"Stephen se foi! Eu sinto muito." A moça confirmou. -"Sim. Deu positivo pra Covid. Ela morreu há dois dias." Algumas semanas depois. Uma ligação de Nova York. Brian tinha morrido. Stephen se revoltou, ao saber que fora de Coronavírus. Os pais adotivos dele foram internados. Eram idosos e cardíacos. Oito dias entubados. Stephen recebeu a triste notícia. Não pode se despedir deles. -"Abra a porta. É a polícia!" Stephen se assustou. Deixou o controle remoto de lado. Ainda estava de roupão. -"Senhor Stephen? O senhor deverá nos acompanhar." Disse o policial, de máscara e com uma foto dele nas mãos. O outro policial tinha a mão no cabo da arma, pronto a intervir. -"Eu nada diz." O policial foi categórico. -"Temos um mandado. O governo monitorou os vôos pra Wuhan, no início da pandemia. O senhor não só esteve lá, como também esteve em Roma, Brasil e Nova York. Seus pais adotivos morreram há pouco tempo." Stephen não disse nada. Se vestiu, pegou os documentos e os acompanhou. -"Coloque as luvas e a máscara, por favor." Pediu o policial. O jovem entrou numa ambulância. Exames e testes foram feitos. Stephen foi diagnosticado com o Covid-19. Ele preferiu se isolar na chácara onde viviam seus pais adotivos. Os remédios ficaram sobre a mesa. Ele não quis tomar nenhum remédio. Os amigos preocupados com ele. Ele falava com alguns pelo whatsapp. Os dias se passando. -"Tommy. Vampiros são mortais, sabia? Eu e você, somos mortais. Não sinto falta de ar nem tenho tosse. Sinto o remorso de ter passado o vírus a tanta gente!" O outro se preocupou.
-"Stephen! Você deve ser hospitalizado!" Ele estava pálido. Não respondeu as mensagens do amigo. Dias depois, Tommy foi até a chácara. Ele não consegui entrar. O moço ligou para a polícia. A porta foi arrombada. Não encontraram o rapaz. Tommy foi até o quintal. O corpo de Stephen estava suspenso numa árvore. Uma corda no pescoço e o salto pra morte. FIM