A BESTA — CLTS 14

by: Johnathan King

Província de Queensberry, Inglaterra

1865

(...)

A lua brilhava clara acima das estrelas no céu noturno de verão, enquanto Alicia Sharpei corria desesperada por um emaranhado de árvores, cujos galhos baixos pareciam querer agarra-la num abraço sufocado. Ela era uma jovem morena de beleza extraordinária. Rosto felino, sensual. Corpo cheio, seios firmes. No fim da casa dos vinte anos. Estava usando um vestido de noiva rasgado e sujo de sangue e lama, ela apavorada. Em seu encalço vinha Victor Neville montando em um cavalo negro como a noite, o seu semblante era perturbador e os seus olhos irr

adiavam um brilho aterrador e fantasmagórico, ele gritava alto e desferia palavrões terríveis, que deixavam a mulher logo a sua frente de cabelos arrepiados. Junto com ele seguia uma matilha de cães raivosos que latiam e adiavamam seus caninos. O homem era muito mais velho que a mulher, tinha uma longa barba prateada cabelos desgrenhados caindo por cima da gola da camisa, e um rosto aristocrático, quase imperioso, e parecia estar em um estado de embriaguez.

Atrás deles, por entre as árvores, corria em silêncio um cão do inferno.

Próximos dali, cinco caçadores armados com rifles ouviam a movimentação frenética que vinha de algum ponto dentro da floresta, e se agitaram. Não demorou muito para que eles vissem os cães antes valentes passarem por eles aterrorizados e ganindo com os seus rabos entre as pernas, e depois o cavalo que carregava Victor, com as rédeas soltas e sem cavaleiro. Seguido de um grito aterrorizado de mulher. O sangue gelou em suas veias e os homens se encolheram, amedrontados, mas continuaram caminhando pela floresta, embora preferissem estarem em suas casas guardados e seguros juntos de suas famílias.

A lua iluminava uma clareira onde estava a infeliz mulher, morta de medo e cansaço. Ela soltou o ar, suas costas e pernas doíam, e ainda assim a dor nada significava diante da angústia que estava vivendo naquele instante. Victor estava parado na sua frente, parecendo estar possuído por um espírito demoníaco. As lembranças dos momentos de terror vividos nas mãos daquele terrível homem que a sequestrou da casa dos seus pais no dia de se casamento, a violentou e a manteve prisioneira por horas intermináveis em um pequeno cômodo escuro e fedido, até sua fuga, ainda a perseguiam e perturbavam. O medo e o ódio afloravam dentro dela como um monstro vindo das profundezas. A fuga havia sido planejada num momento de desespero, o pavor que sentia fez com que ela ousasse algo que intimidaria o mais valente dos homens. Foi durante mais uma violência sexual. A mulher aproveitou o estado de embriaguez do seu agressor para agir, ela pegou uma garrafa de bebida jogada no chão e quebrou. Como se alguma espécie de demônio estivesse lhe controlando, Alicia enfiou o casco de vidro nas costas de Victor. Ele berrou de dor e tentou dar uma bofetada na mulher, mas ela tornou a feri-lo e o empurrou para longe. Alicia fugiu da casa, mas descobriu que lá fora tudo era igualmente hostil.

Então, parecendo estar possuído pelo diabo, o homem desceu as escadas até o salão e pulou na mesa de jantar, fazendo voar travessas e jarros. Assim, Victor se pôs a correr, saindo da casa enquanto gritava que selassem seu cavalo e soltassem a matilha. O homem fez com que os cães cheirassem um pedaço do vestido de Alicia e os atiçou, saindo em desenfreada carreira ao luar e através da floresta.

Os caçadores chegaram ao final de uma trilha, e lá deram de cara com um vale. Esse se abria para um campo mais largo, onde o capim era rasteiro e o vento parecia uivar entre encostas e montanhas. O terror se apresentou diante dos olhos de todos com grande impacto. Victor estava morto, assassinado por uma criatura monstruosa, que deixou os caçadores de cabelos em pé. Uma besta negra rasgava a garganta do homem. Era uma criatura grande, nojenta, e, ainda que tivesse a forma de um cachorro, era maior do que qualquer cão jamais visto.

Os caçadores assistiam à besta dilacerar a garganta de Victor quando ela, vertendo fogo pelos olhos e pingando sangue por entre os dentes, olhou para eles, que trataram de correr dali, aos gritos, procurando salvar suas vidas. Com grandes saltos, a enorme criatura negra adentrou a floresta, seguindo os passos dos caçadores. Ela era terrível em tamanho e força. Um dos caçadores soltou um grito de terror e se jogou no chão. Um som fraco de patas vinha de algum lugar na floresta.

O caçador sacou seu rifle e apontou para um ponto específico, suas mãos tremiam e sua mente estava paralisada pela forma hedionda que se encontrava parada diante dele e saltara sobre o mesmo, rasgando sua garganta. Os outros caçadores sacaram suas armas e dispararam, fazendo a criatura soltar um grito terrível, pelo menos um dos tiros a acertara. Mas a besta não parou, continuou a correr atrás dos homens. Estes, adiante na trilha, corriam olhando para trás, com seus rostos pálidos iluminados pelo luar e as mãos erguidas em horror, observando impotentes a coisa assustadora que os perseguia. Mas o uivo de dor que a besta soltara após levar o tiro havia dado esperança aos caçadores. Ela era vulnerável, havia sido ferida, então podia ser morta. Mesmo assim, os homens sentiam uma repentina e inesperada apreensão. Os caçadores se separaram. A besta parou. Um tiro ecoou, vindo de trás, e o grande cão negro sentiu uma dor dilacerante abaixo das costelas. Enfurecido, partiu para cima do caçador, matado-o.

Os outros caçadores atiraram, protegidos atrás de árvores. Os tiros acertaram a criatura. Uma sombra escura assomou por trás dela, saindo do nada. As mãos erguidas para o alto agarraram os pelos escuros e grossos da besta parecendo impregnadas com uma força sobrenatural. Uma voz de mulher bradou no seu ouvido: — JOSEPH, NÃO!

O monstro se virou e atacou. Os olhos de ambos se encontraram. A besta começou a uivar horrorizada antes mesmo de Alicia Sharpei cair. Naquele instante, uma profunda tristeza o invadiu.

A dor veio muito depois do tiro. A besta nem sempre foi um monstro. Foi há muito tempo o encontro. Joseph Mackenzie já quase perdendo os sentidos, viu o sol nascer em uma clareira, onde um riacho de águas cristalinas cortava a floresta. Ensanguentado e nu, Joseph, um homem pálido, bonito e de barba negra, e que carregava consigo um semblante pesado de mistério e tristeza, caminhava pelas cercanias de uma pequena aldeia, procurando comida, em vão. Finalmente, com o corpo fraco demais para dar mais um passo, ele se deitou na entrada de uma casa e desmaiou.

A luz veio devagar, e Joseph ficou se perguntando há quanto tempo já estava morto. Não importava. A dor nas suas entranhas estava cada vez mais forte. Tornou a adormecer. Dessa vez, acordou com alguém limpando as suas feridas. Sua cama era macia como uma nuvem, e o ar em torno dele tinha o cheio de rosas do campo. Joseph tornou a dormir.

Quando Joseph despertou pela manhã, seu mundo parecia mais nítido. Ergueu os olhos para o telhado de palha e depois para a porta simples do quarto, quando essa se abriu de repente. Joseph pulou da cama, temeroso. Uma garota de rosto felino estava sorrindo ao entrar. Ela estendia uma bandeja com uma xícara de chá e biscoitos de mel para o estranho de pé ao lado da cama. Hesitante, o homem pegou a bandeja e olhou para o banquete simples. Se sentou e comeu. A garota lhe dirigiu um olhar afetuoso.

Joseph Mackenzie era bem mais velho que Alicia Sharpei naquela época. Ele estava na casa dos vinte e cinco anos e ela era uma garota de apenas quinze anos. Mas isso não impediu que os dois se apaixonassem perdidamente um pelo outro e ficassem noivos.

Era um dia perfeito. O sol tingia de rosa as nuvens no horizonte, e rios dourados corriam pelos campos verdes. O casamento havia sido belíssimo e os recém-casados se amaram. Joseph era um amante versátil, ardente e hábil. Orquestrava o ato de amor numa sintonia sensual, que projetava a sua amada ao ápice do prazer nunca imaginado. Passaram a tarde juntos, e Alicia estava exausta quando acabaram de fazer amor.

A noite, um grupo de homens parados do outro lado da estrada observavam as luzes na casa serem apagadas, uma a uma, até que a escuridão fosse total. Foi um grito de angústia que assustou Joseph e Alicia, despertando os dois do sono. Cambaleando por um corredor escuro iluminado por velas na direção dos sons de gritos, os recém-casados chegaram ao quarto dos pais de Alicia e encontraram um grupo de homens espancando o casal, junto deles estava o terrível Victor Neville.

Um barulho no corredor atrás de Joseph o fez se virar. Do nada, um golpe esmagador na cabeça o fez cair de joelhos. Ao olhar para cima para ver de onde tinha vindo a pancada, enxergou um buraco na parede que tremia e, além dele, algo que já não via fazia muitos dias. A lua.

Então tudo ficou preto.

De repente, Victor e seus capangas ouviram, claro, ressonante e inconfundível, um rosnado profundo, animal, e também ameaçador, que subia e descia como o murmurar constante do mar. Um som abafado, engasgado. O barulho não vinha de longe.

Agulhadas de dor dilaceravam o corpo de Joseph, que jazia no chão, e passava por uma transformação bizarra, deixando a forma humana e se transformando em uma espécie de cachorro super-crescido. A agonia de seus membros se retorcendo causou espanto nos presentes. Os capangas de Victor saíram correndo velozmente do lugar, abandonando o mesmo "a" própria sorte. O coração de Victor praticamente parou ao se ver literalmente entregue para ser devorado por um monstro. Enquanto Alicia parecia momentaneamente paralisada. Ela lembrou das muitas vezes que o marido saía a noite e só retornava no dia seguinte, sempre sujo e rasgado, alegando que havia saído para caçar nas matas e florestas.

Segurando Alicia com firmeza, Victor saiu arrastando a mulher para fora da casa, sentindo a fragrância suave dos cabelos dela através de seu próprio bafo alcoolizado.

A forma agachada de Joseph estava agora vertical, quase suspensa no ar. A besta saiu correndo nas quatro patas através dos arbustos, cortando o vento e fazendo às folhas no chão voarem. O ar noturno estava pesado, cheirando a umidade e mofo. De vez em quando a lua aparecia, mas as nuvens estavam cobrindo o céu.

Os homens de Victor corriam velozmente em seus cavalos, quando ouviram um uivo aterrador carregado pelo vento através do silêncio da noite. Para o horror deles, a grande besta negra vinha logo atrás. Durante um segundo, eles não conseguiam respirar. Um pânico desordenado tomou conta deles. Alguns soluçavam incontrolavelmente, enquanto a besta avançava.

O uivo sumiu, e um silêncio absoluto cercou o lugar. O sangue dos homens gelou em suas veias, pois havia uma insegurança no ar que denunciava o terror repentino se aproximando deles. A sombra de alguma monstruosa maldade, metade já vista, metade adivinhada, saiu das trevas e atacou.

Lá longe, num penhasco, Victor fazendo Alicia de prisioneira assistia o massacre, enquanto o sol rompia as nuvens e o dia começava a nascer. A besta mancou até um canto silencioso fora do alcance de olhos curiosos. Uma brisa passou por ela, farfalhante, trazendo consigo o perfume de terra molhada. A transformação de Joseph em fera por fim começou a desaparecer e ele voltou a forma humana.

O corpo de Alicia jazia aos pés da grande besta negra. O enorme cão parecia estar sofrendo. Os seus olhos vermelhos olhavam para baixo, o rosto contorcido de angústia. Aninhado nos braços da mulher que ele havia escolhido para amar tantos anos atrás, a besta se sentiu voltando no tempo.

O monstro ficou de pé, num pulo. Na alma de Joseph havia uma tempestade de remorso e fúria. Em um movimento ágil, o grande cão negro pulou, impulsionando as garras para a frente, e atacando. Os caçadores reagiram por instinto, e atiraram muitas vezes. A besta ergueu os olhos para o céu, para a lua.

O tempo pareceu parar, se transformando em um sonho em câmera lenta enquanto o corpo de Joseph estremecia e tombava para trás. Um dos caçadores se aproximou da besta e apontou seu rifle contra a cabeça do monstro, mas não foi necessário puxar o gatilho. A besta estava morta.

Tema: LICANTROPIA

Johnathan King
Enviado por Johnathan King em 30/01/2021
Reeditado em 30/01/2021
Código do texto: T7172331
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