O Castelo de Vdro_ Parte_ XIII_
O infarto fulminante que vitimou a Senhora, Matilde de Almeida Lemos, deu fim ao evento, e, mais uma vez, diante de uma plateia alucinada gritando:" ASSASSINO!" Vincent foi conduzido para o presídio. Um cordão de isolamento logo foi providenciado e com o auxílio de um guarda, a cadeira de rodas passou lentamente entre os manifestantes.
Vincent estava cansado, e, em meio a todo aquele alvoroço, adormeceu. Foi então que a multidão enfurecida rompeu o cordão de isolamento. O monstrengo urrou quando mãos ávidas por vingança o arrancaram da cadeira que ficou girando sobre o assoalho. Não teve dúvida de que morreria e, impotente, viu seus frágeis membros serem arrancados com violência do corpinho minguado.
O delegado e todos aqueles que assistiam a cena começaram a rir quando o tronco, desprovido das pernas e dos braços, começou a se debater feito lagarta em uma generosa poça de sangue.
Vincent Já estava perdendo os sentidos quando um lenhador trajando camisa xadrez surgiu gritando: "DESGRAÇADO! VOCÊ DESTRUIU A MINHA FAMÍLIA."
Furioso, bastou um único golpe com o machado para abriu a cabeça do assassino da filha. O brutamontes se agachou e fazendo cara de nojo enfiou as mãos na cavidade óssea trazendo o miolo inteiro ainda pulsando entre os dedos frenéticos.
A sensação era inebriante quando Vincent percebeu que levitava à medida em que o homem se levantava segurando firme a massa gelatinosa. Entretanto, achou estranho que o órgão, mesmo fora do corpo, ainda mantinha a consciência enquanto era suspenso.
Acordou assustado quando dois policiais soltaram a cadeira de rodas fazendo com que batesse forte no patamar da escada que dava acesso a uma área restrita.
***
O Delegado Kitamura, passou o resto do dia e toda a noite pensando. Porém, chegou à conclusão de que as alucinações que sofreu poderia ser efeito dos medicamentos que passou a usar para tratar a ansiedade. Decidiu que teria uma conversa séria com o marginal e dar fim às suas exigências.
Vincent, apesar de despertado, recebeu o delegado com um sorriso e após bocejar, disse:
_ Delegado, como se sente depois de ver todos aqueles demônios enrabando aquela plateia de imbecis? E aquela dentada que o capeta deu no coração da "véia" que me esbofeteou, foi foda né?
Desconcertado com o bafo que o monstrengo exalava o delegado disse:
_ Que espécie de ser maligno é você, que conseguiu me hipnotizar? Jamais poderá provar que aquilo não foi coisa da minha cabeça.
Vincent, estreitou os olhos antes de falar:
_ Viu quando o demônio enfiou a mão entre as pernas daquela velhota e a fez parir o coração? Viu quando ele mordeu e o sangue jorrou espumoso pela boca da desgraçada? Se não acredita, procure o legista e pergunte como o músculo ficou depois do infarto.
_ Vamos esquecer essa palhaçada. Preciso ter uma conversa séria com você, depois do que aconteceu não há como prosseguir com o seu showzinho. Assim como os familiares das vítimas, também estou cansado. Tomei uma decisão e creio que seja a mais acertada.
Vincent passou os olhos pela cela com o interesse de quem visita uma galeria de artes, até tentou falar o que pensava sobre alguns desenhos quase devorados pelas paredes sujas. Mas o delegado logo o interrompeu gritando:
_ NÃO ME INTERESSA O QUE OS MARGINAIS QUE ESTIVERAM NESTA CADEIA PENSAVAM ENQUANTO RABISCAVAM AS PAREDES. SÓ VEJO MANCHAS DE PORRA, FEZES E URINA; NÃO É PRECISO ENTENDER DE ARTE PARA IMAGINAR O QUE TENTAVAM EXPRESSAR COM ESSES DESENHOS NOJENTOS.
Vincent retirou com o dedo uma remela cristalizada que estava no canto do olho e de forma instintiva a levou à boca antes de falar:
_ Vejo que está muito nervoso, cuidado com o coração...
_ Por favor, me poupe de suas ironias, caso não queira cooperar, já sei o que fazer.
_ Posso saber o que?
_ Simples, pelos seus exames seu fim está próximo. Posso dar um jeito de adiantar sua ida para o inferno e convocar a imprensa para falar que antes de morrer, você confessou que os corpos foram jogados em alto mar. Você tem um iate, não é mesmo?
Vincent ergueu os bracinhos finos e agarrou a nuca antes de responder.
_ Delegado, mesmo tão debilitado, eu não sabia que estava condenado a morte...
_ Mas você ainda tem uns quatro meses de vida e, na melhor das hipóteses, seis: tempo suficiente para se arrepender e, quem sabe, ter a proteção de alguns anjinhos.
Vincent, por um momento ficou pensativo, e depois de estalar todos os ossos do pescoço disse entristecido:
_ Delegado, como sabe, não sinto dor. Será que o príncipe quando estiver queimando no inferno vai sentir...
_ Não sou a pessoa indicada para lhe dizer. Sou cético em relação a espíritos, anjos e demônios. Mas, já que você acredita, está chegada a hora de fazer alguma coisa pela sua alma.
_ Você deveria acreditar... Na verdade, todos deveriam acreditar no sobrenatural. Procure o legista, ele vai lhe falar sobre as marcas de dentes no coração daquela mulher. Coisas estranhas acontecem a todo momento. Estamos a mercê do mal, e o Deus que todos dizem ser do bem, assiste a tudo de camarote. Caso contrário, o mundo não seria essa merda, não é mesmo???
Vou lhe contar sobre o paradeiro das meninas, mas antes preciso que acredite em mim. Como disse, tenho a alma de um príncipe e posso lhe provar. Existe um espelho que reflete a minha real imagem. Está em nosso esconderijo,
_ Nosso?
_ Alvim ainda deve estar lá. "PODRE", mas, quem sabe? Ainda vivo.
Continua...