Terrores noturnos: A Bruxa

Nos idos de 1990 tive muitas experiências um tanto quanto estranhas, delírios individuais, às vezes coletivos, que sempre evidenciaram a tênue linha entre o real e o imaginário, o natural e o sobrenatural.

Sempre ouvi muitas histórias e elas, por certo, me aproximaram desse mundo fantástico, ou fizeram que ele fosse criado de acordo com minha inconsciência. Um fato inegável é que de tudo que conheci nada me aterrorizou mais que as terríveis bruxas. Sempre temi as bruxas! No início aquelas clássicas com chapéu pontudo, roupas pretas, vassoura, nariz pontiagudo adornado por uma verruga na ponta, sonhava com elas, temia que surgissem na noite rodeando minha casa e chegassem sorrateiramente até meu quarto.

Mas nada me causou mais temor que a bruxa, dita verdadeira, apresentada a mim, por minha avó em suas histórias, um ser muito imprevisível e poderoso, pois diferente dos vampiros que eu adorava, não precisava de convite para adentrar em sua casa na calada da noite e lhe sugar a força vital, às vezes até o sangue, ou mesmo só por maldade, colocar em seu pescoço as mãos pequenas e sufocá-lo enquanto você dormia.

Anos a frente já era homem feito descobri que as lendas envolvendo esses seres fantásticos eram muito comuns na Ilha de Florianópolis, ou ilha da Magia, que abriga a capital do estado catarinense. Fiquei surpreso quando passei lá cerca de nove meses e descobri muitas pessoas que acreditavam nessa figura tenebrosa.

Como na maioria das vezes, me assentava na cozinha da casa de minha querida avó e enquanto ela tomava seu costumeiro chimarrão, conversávamos e sempre em meio a essas conversas, densas em seus significados, surgiam grandes histórias. Uma dessas diz respeito a essa importante figura do imaginário popular, ou para alguns nem tão imaginária assim, a nossa misteriosa bruxa.

Contou-me minha avó que nas proximidades da casa dela, quando ainda era mocinha e solteira, morava uma família que possuía um filho, não determinou a idade, mas era já um moço feito. Como não era casado morava com seus pais e trabalhava na roça, como todos naquele lugar e tempo. Um rapaz bonito que despertava o interesse das moças daquela localidade. Nunca tive audácia de perguntar a ela se havia se interessado pelo dito cujo.

Porém todo o sossego da família acabou, quando o rapaz forte e cheio de vida, começou a acordar durante a noite muito assustado, aos gritos, começou a perder peso, ficando com a aparência abatida, não conseguia mais dormir no próprio quarto.

Seus pais se preocuparam com aquela situação, não sabiam mais o que fazer, procuraram o padre do povoado, fizeram promessas, simpatias, mas nada dava jeito, o rapaz parecia estar definhando. Cada dia mais fraco, sem ânimo, não conseguia mais trabalhar e todas as noites acordava aos gritos, o terror estava estampado no rosto daquele pobre moço.

Lembro-me que perguntei a minha avó o que teria acontecido com o rapaz, pois sempre fui meio ansioso e não aguentava o suspense, antes não tivesse perguntado, nem mesmo sabido, pois minha vida mudaria naquele dia, os sonhos que tinha com as bruxas clássicas dariam lugar a bruxa temerária que minha avó me apresentaria e que povoaria meu sono durante muito tempo.

Ainda me lembro como se fosse hoje das palavras de minha avó:

- Sabe quando você sai à noite, ou está fora de casa e ouve um risinho estridente voando no ar, passando por sobre o telhado da casa?

Acenei com a cabeça negativamente e depois disse:

- Não! Nunca ouvi.

Ela me respondeu:

- Pois então quando ouvir saiba que é a bruxa passando pelos telhados das casas, ela e seu riso fininho voam com o vento, mas a gente só ouve não consegue vê-la!

Nesse ponto estava e agora que descrevo estou, com os cabelos arrepiados, escutando barulhos. A ideia de alguém ter tanto poder e uma disposição para fazer o mal me incomodava, sentia-me em risco, impotente, ameaçado.

- Nesse caso então todo o mal que acontecerá com aquele moço era obra nefasta de uma bruxa, o pior é que elas não fazem por maldade pura, são empurradas a fazer suas estripulias e maldades pelo seu encantamento, pela sua sina.

- Em uma família com sete filhas mulheres a sétima terá a sina de bruxa, uma mulher normal durante o dia, mas durante a noite se transforma, com um vestido longo, preto ou vermelho e com uma pequena boina vermelha na cabeça, ganha poderes, sai voando com o vento da noite. Faz tranças nas crinas dos cavalos, azeda o leite das vacas, suga o sangue de crianças recém-nascidas, que ainda não foram batizadas, ou às vezes daquelas que já foram, faz isso por dois pequenos buraquinhos que abre na sola do pé de sua vítima.

- Mas nesse caso ela não queria nada disso, toda a noite entrava pela fechadura da porta e se dirigia ao quarto do moço. Ficava sempre voando nos pés da cama e quando percebia que não havia perigo colocava suas mãozinhas, parecidas com as patinha de um gato, nos pés do rapaz e subia rapidamente por suas pernas até alcançar seu pescoço, onde segurava com força até o rapaz quase sufocar, depois de quase matá-lo saía. Tudo isso ocorria sem ele poder se mexer, ficava paralisado e não podia enxergar a maldosa, tudo parecia um sonho e seu corpo ficava em um estado de formigamento.

- Meu tio que era um benzedor muito procurado e respeitado naquelas bandas, foi requisitado pela família e depois de ouvir o relato, logo disse:

-É obra de uma bruxa!

Ainda acrescentou, que se ela não queria se alimentar dele, existiam duas possibilidades: ou ela estava só fazendo maldade por não gostar dele, ou fazia isso por desejar muito ele.

-Aconselhou que colocassem nas fechaduras das portas cera de abelha benzida por ele, para obstruir a passagem da megera naquela noite, disse ainda, que eles ouviriam as batidas dela contra a porta na tentativa de entrar, mas que não conseguiria, pois essa era a única passagem, deixou acertado que se isso acontecesse, teriam então certeza se tratar de uma bruxa e tendo isso acontecido, deveriam voltar a procurá-lo para dar prosseguimento ao feito.

- Fizeram como meu tio ordenou, naquela noite não dormiram. Ficaram a espera da comprovação, lá por umas horas da madrugada ouviram um pequeno e estridente riso no telhado de sua casa, parecia que o vento ria, logo ouviram a primeira batida contra a porta. Insistiu muitas vezes e a cada vez parecia que um corpo se lançava furioso contra a porta fazendo um estrondo, estavam todos muito amedrontados, mas seguiram com o planejado, de acordo com o que lhes fora determinado. Ninguém dormiu naquela noite.

- No outro dia procuraram meu tio e contaram todo o acontecido. Ele disse a eles, que a bruaca tentaria entrar naquela noite novamente, pois não desistiria tão facilmente, mas que nessa noite deveriam tirar a cera benta das fechaduras e permitir a entrada da danada. Os pais e o rapaz se negaram, pois o medo tomara conta deles, mas foram aconselhados a serem fortes e a ter fé, pois era a única maneira de se livrar para sempre da bruxa.

- Embaixo da cama do rapaz foi colocada uma bacia com agua benta e dentro dela uma tesoura aberta em cruz, segundo a tradição isso faz com a bruxa perca seus poderes, fazendo com que sua vítima possa vê-la, consiga se mover e possa tocá-la, isso era o necessário para executar o plano do desencantamento da megera.

- Podendo vê-la e se mexer normalmente o rapaz deveria aproveitar o momento para agarrar a boina vermelha que ela usava em sua cabaça e rapidamente esconder embaixo do travesseiro, fazendo isso ela fugiria, mas no outro dia retornaria a casa, em forma de mulher, revelando sua identidade, para buscar sua boina e o seu encantamento estaria quebrado para sempre.

- No início o rapaz amedrontado disse que não, mas foi convencido pelo meu tio, pois era essa a única forma de se livrar daquela presença indesejada para todo o sempre.

- Foram para casa, prepararam a bacia com água benta e a tesoura aberta em Cruz debaixo da cama do moço. Chegando a noite foram todos se deitar, para não levantar suspeitas, porém ninguém dormiu. No meio da noite todos ouviram o riso que vinha com o vento, e logo o rapaz pode perceber um vulto negro passar pela porta do quarto e sumir aos pés de sua cama. O medo era paralisante, mas se manteve forte e aguardou, logo sentiu as pequenas mãos, como se fossem patas de gato em seus pés, subindo rapidamente por suas pernas e tronco, chegando ao pescoço e um rosto negro, como uma sombra lhe encarava, sentia a respiração quente em seu rosto e logo se destacou frente aos seus olhos a boina vermelha sobre a cabeça. Tão logo identificou a boina, de um só movimento rápido e brusco, apanhou-a com a mão direita, escondendo-a debaixo do travesseiro, com o antebraço esquerdo empurrou o espectro de cima de seu corpo e pode vê-lo sair flutuando pela porta de seu quarto.

-Seus pais levantaram-se com os gritos do filho, qual não foi à surpresa e terror quando viram a pequena boina vermelha em suas mãos, passaram a noite acordados, juntos, em estado de alerta e temor, com lampiões acessos, agarrados aos seus crucifixos, não havia quem conseguisse dormir depois de tudo aquilo.

- O dia demorou a chegar, foram horas intermináveis, mas chegou e trouxe com ele alento para a família que não conseguia esquecer o terror que viveram naquela noite peculiar e naquelas noites que se sucederam até aquele momento.

- Logo que raiou o sol meu tio rapidamente se dirigiu até a casa da família, para ficar a par dos acontecimentos da noite que se findará. Chegando a casa foi recebido pelos pais do jovem, que o recolheram para dentro. Deparou-se com o moço sentado à mesa da cozinha, segurando uma caneca de café fumegante e sobre a mesa, ao lado de sua mão direita, estava a pequena boina vermelha, que um dia pertenceu ao encantamento de uma danada de uma bruxa.

-Vó o que eles fizeram com a boina. Enterraram, jogaram em água corrente, ou levaram para o padre?

Minha avó me olhou fixamente, deu uma pausa em seus afazeres e respondeu-me:

- Esse foi o exato questionamento que eles fizeram ao meu tio, o que fazer com aquela boina encantada, ao que meu tio respondeu; vamos sentar e tomar um café, o que tem que acontecer logo acontecerá, o mal está desfeito e a boina já tem destino certo.

- Enquanto tomavam um café e meu tio ouvia o relato do jovem, que juntamente com seus pais não conseguia esconder o horror e abatimento, pela noite medonha que tinham acabado de viver, ouviram-se palmas na frente da casa, saíram até a porta da frente para ver quem era. A porta foi aberta e lá estava Maria, filha de Nhá Clarinda, madrinha do rapaz.

- Convidaram a moça à entrar, mas ela respondeu negativamente com um gesto de cabeça, todos estavam meio que congelados e surpresos, pois a jovem nada falava e fixava seu olhar no chão, como se estivesse envergonhada.

- Meu tio tomou a frente e entoou as seguintes palavras: Venha por bem, nunca por mal; Diga o que quer e siga seu rumo sem para trás olhar e se assim não fizer, que seu corpo se converta em puro sal.

- Dito isso a moça levantou a cabeça e olhou fixamente para meu tio, com olhar de bicho raivoso e disse:

-Me dê minha boina que me vou embora e aqui nunca mais volto!

E voltou a baixar a cabeça e resmungar coisas que não podiam ser entendidas. Meu tio apanhou a boina de sobre a mesa e a entregou nas mãos da moça, que saiu sem olhar para trás e dali sumiu sem nunca ninguém saber seu rumo ou dela ter alguma notícia.

Ainda hoje quando lembro de minha avó, lembro-me também de sua história sobre a bruxa, que sorri pelos ventos e entra pela fechadura da porta, as vezes até posso ouvir seu riso solto e estridente carregado pelos ventos da noite, e fico imaginando quais estripulias anda por aí aprontando até que acabe sua sina encantada.

In memoriam de minha avó Dona Romalina Dalpra de Paula.