O prócere
Virgílio cria em muitas coisas. Mas, especialmente numa. Não há nada para acreditar. Por contraditório que sugerisse havia uma lógica interna em sua convicção. A natureza de uma crença pede a fé como ancora . E, se a fé é uma questão que prescinde dos fatos, das evidências, eis o estofo para em nada crer, então.
Mas, sabemos, desde eras imemoriais, pois a História registra, que não crer em nada é tão sensato quanto em tudo acreditar.
Em uma destas noites com estilo sorumbático, feitas, podemos dar certa licença poética, para ensejar o imperscrutável, ia Virgílio à sua casa, após uma rotina árdua imiscuída em deveres naturais daquilo que fazia como trabalho, por um caminho ordinário. Não percebeu, compenetrado estava, pois testemunhas afirmavam que Virgílio era uma vida de concentração, o ermo incomum das vias. Apenas o silvo singelo do vento que movia as folhas aqui e ali.
Chegando em seu endereço, iniciou notar tudo meio estranho à rotina. Céu escurecido num vermelho ímpar. Agora copas das árvores dançavam sem que ventasse para. Olhou para sua residência e viu a porta principal entreaberta. Espremeu os olhos em direção e viu dois iguais fulgurando na escuridão que saía da abertura. E, piscou. E, um sorriso branco, alvo, em excesso, também se apresentou. Virgílio recuou alguns passos. Tropeçou. Assustado, caiu sentado. Quando ensaiou levantar, o grito enregelou-lhe, eriçando os pelinhos dos braços e nuca. Um medo atávico assoumou-lhe.
Era dia, e as pessoas eram só questões. As mais se davam nos termos: onde estava o eminente Virgílio?! O que houve naquela casa, agora uma tapera?! E, emblemático, o que era aquela mancha indelével em na rua?
Hoje, a cidade, provinciana, lembra do importante Virgílio com aquela nostalgia simpática de quem costuma acreditar na autoridade do passado. Mas, que jura um ceticismo diante daquilo que não convém.