O ESCURO DE UM PLANETA QUE PAROU EM 2020.

Parecia normal, apenas mais um dia que findava, o último do ano. 31/12/2020. Tudo parou, completamente. O estranhamento foi geral, era o prenuncio de que o quiproquó estava por vir. Ninguém entendia, procuravam as configurações do celular, batiam em seus relógios de pulso, mas nada resolvia. Paralizou as 11:59. Algumas pessoas já haviam dormido, não viram o que acontecera, nao havia ânimo para fogos ou comemorações. Acordaram, ainda era noite, a lua brilhava no céu e as estrelas pareciam gotas de orvalho caindo sobre as rosas. Porém, algo estava errado, já era para estar amanhecendo, já era para ser ano novo, mas como o relógio, a terra parou.

"Que balela que tu ta dizendo comadre?" Dizia uma senhora cega que só percebeu que algo estava errado quando seu rádio começou repetir palavras.

Algumas pessoas ficaram momentaneamente felizes, não teriam de trabalhar, não lembravam que seria feriado. Crianças ainda preguiçosas voltavam para suas camas quentinhas e confortáveis, amigos telefonavam para os outros perguntando que horas eram, mas a resposta era sempre a mesma: “11:59”.

As janelas e sacadas dos prédios estavam lotadas, as pessoas estavam com receio de sair de suas casas, olhavam pelas frestas a movimentação que era quase nula nas ruas das cidades. Estavam incrédulos com tal situação, o que se ouvia a meses era que não poderia sair de casa, mas isso nunca foi respeitado, pessoas andavam sem razão, as praias ainda estavam lotadas e a pandemia se alastrava cada vez mais.

“E agora mais essa!”, alguns diziam. Outros nada falavam, apenas arregalavam os olhos e sem poder encostar-se a ninguém, mantinham-se visualmente apavorados com tal fato.

Seria um simples eclipse com pane nos relógios ou o fim dos tempos?

Na TV, os canais transmitiam uma espécie de repetição da última frase dos apresentadores e todos diziam: “Fiquem em casa, o final está a rondar”.

Dias passaram, a situação era a mesma, porém, agora o que parou, foi a entrada de mantimentos. "E agora? O que faremos?", diziam os pais e mães de família. Uma outra catástrofe destacava-se sobre o final de tudo e chamava-se FOME. Muitas vezes, acompanhado de desespero. A ajuda existia mas não supria, milionários colaboravam mas cansavam.

O fechar dos olhos acontece! Ajudei? Sim, então é hora de guardar para minha família.

"Doze milhões de Dólares me manterá vivo."

Em outro ponto da cidade dizia outro ser: "Dois reais, sim, dois reais... é tudo que tenho."

Aceitem, é o fim. Pode ser trágico, mas se não mudar é isso que nos espera.

E a solidão que sente? A senhora que não vê o filho a mais de ano? Mas como assim? Não tem dois meses que o vírus começou a atacar. "Então a culpa não é do final?" Perguntou dona Eugênia, vendedora de álcool gel. e completou: "Ele deve morar longe?". A senhora responde: "Sim, a uns cinco quarteirões daqui".

As dúvidas pairam no ar. "O que realmente mudou então?" perguntou Fábio, um mendigo que vivia de poucos centavos doados na sinaleira.

A resposta veio da senhora que parou seu sedan branco em frente a uma casa e entrou no assunto:

"Te respondo a pergunta com outra pergunta: O que mudou pra você hoje que voltará ao normal assim que tudo acabar?".

O mendigo olhou para o ex garçom que agora vendia balas e disse: "Não sei, já fui responsável e de carteira assinada".

Aparentemente seria mais fácil agora, com os vidros abertos, mas o temor faz com que o comércio nas sinaleiras seja quase que um ato criminoso. As caras de mau humorados entregam a dor interna de cada um.

Não vejo solução. "Como vou vender balas? Não há clientes".

Alguém gritou: "cadê a luz?"

Algum engraçadinho respondeu: "Tá com o senhor na cruz".

A senhora cega completa: "Então traga-o aqui que vou dar uma bifadas na orelha dele".

Chorando a frente de um catálogo de caixão, Norberto indaga: "são muito caros, se eu me for, façam cinzas".

"Gostaria de ter as respostas, mas não tenho. Tenho tosse e poderia fritar os ovos em minha testa, economizo gás. Ah... uma vitória. Economia! Sou um visionário, não tenho luz, tampouco água, mas calor humano não falta. De onde peguei a febre? Não sei. Tenho que ir para a rua. O pão acabou, na verdade, tudo acabou. Já comi papel, sim, colecionava livros. Comi cultura, pode-se dizer que literalmente. Aguentei cinco dias, maiores férias de minha vida. Sempre pensei que aos 50 anos conseguiria tranquilizar minha história. Mas hoje vejo que errei. Começo como se voltasse aos 14 anos, quando engraxava sapatos no centro da cidade, mas agora não temos mais sapatos. Triste mas real."

Esse foi o maior comentário feito entre os que estavam perto, a questão é que independente de analfabeto ou acartado, preto ou branco, homem ou mulher, enfim, o resultado não teve preferências, foram todos, um a um.

Religiosos rezavam, ateus questionavam e muitos não faziam nada. O fato é que o temor manteve as pessoas onde estavam, se foi uma mensagem de alguém querendo ajudar, não deu certo, o certo é que teria de ser assim pra sempre, pra que tudo pareça feliz, mesmo que seja na página do Facebook, teriam de ficar parados ali onde estavam, a cada movimento, um morria, sem regra mais específica, o sistema era esse, fácil de entender. Mexe um, morre um.

A espumante aquece entre os dedos, mas permanece fechada, aguardando o tão esperado estouro.

A esperança é que se amanhecer e a luz ascender pode voltar ao normal. Será?

E a coragem e a vontade de arriscar, quem será o primeiro?

E quem pagará por isso? Quem morrerá?

Eram muitas pessoas por ali, não sei quem falava, era um misto de silêncio e barulho. Complicado.

A Morte emparelha a sociedade, o risco igual mantém a semelhança também nos indivíduos, como contar com alguém que não te conhece? Como depender de alguém que sempre precisou de um ombro amigo, mas fomos covardes ao xingá-los de longe? E como pensar que aquele que sempre te deu a mínima, vai olhar no teu olho?

O ano finalmente chegou ao fim, depois de muito tempo de incertezas o relógio voltou a movimentar-se.

2021 chegou. Ainda incerto. Parece que o outro ainda não acabou, deixando vírgulas duvidosas.

Não tenho certeza. Você também não. Mas sendo sincero, independente do que aconteça daqui para frente, esse escuro que 2020 deixou marcado, nunca será esquecido. Nunca terá um ponto final...

Cristian Canto
Enviado por Cristian Canto em 04/01/2021
Reeditado em 04/01/2021
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