Flores Fúnebres

Deitado sobre um gramado verde, com os olhos fitos no céu de um dia iluminado, admirava o azul intenso e puro, as esparsas nuvens branquíssimas cujas formas lhe atiçavam a imaginação, sentindo um delicioso ar fresco no rosto ao som de folhagens de árvores sacudidas pelo vento.

Contemplava e saboreava a leveza e a liberdade que somente a natureza sabe dar com beleza e simplicidade.

De repente, uma abrupta sensação de sufocamento apertou-lhe o peito, uma força invisível e poderosa o aprisionou ereto e estático sobre um leito reto, roubando-lhe todos os movimentos naturais. Sentiu que uma cova se abria abaixo de si.

Desesperado, sem qualquer controle sobre seu corpo, sentiu que descia cova abaixo, duro feito madeira morta, como uma estátua amarrada em um tampo na posição horizontal. Nenhum músculo conseguia mexer, apenas o movimento dos olhos lhe era possível.

Tentava gritar, mas era inútil, pois não sentia mais o ar transitar pelos pulmões. Tentava se levantar, mas o corpo não obedecia a qualquer sinal enviado pelo cérebro.

Conseguindo controlar apenas os olhos, buscava movimentá-los para todos os lados na tentativa de vislumbrar algo ou alguém que pudesse salvá-lo, mas também isso era inútil. Os olhos não alcançavam além das paredes de terra da cova que se aprofundava, e continuava a descer, descer, descer, percebendo a luz diminuindo em razão de estar cada vez mais ao fundo.

Nada conseguia fazer, ninguém o ouvia, ninguém notava o seu estado de agonia extrema.

Preso naquele corpo inerte, sentiu um intenso e sufocante cheiro de flores fúnebres invadir as suas narinas e percebeu que estava coberto por elas. Conseguia ver algumas mais próximas sobre seu peito, mas o cheiro demasiadamente forte denunciava que havia muitas.

O pânico era inexprimível e não havia lógica em tudo o que estava acontecendo. Não havia como se salvar daquilo, não havia como lutar, não havia saída. Estava condenado a sentir cada sensação horrorosa que estava por vir.

Já no fundo da cova, estarrecido, sentiu porções de terra caindo sobre seu peito. Não havia mais como duvidar: estava sendo enterrado vivo, plenamente consciente, preso dentro de um corpo que não obedecia a qualquer esforço por um simples movimento.

- Pare!!! Eu estou vivo!!! Pare!!! Eu estou vivo!!!!! Berrava em pensamentos desesperados na esperança de que algum sinal mental alcançasse suas cordas vocais e produzisse algum gemido, qualquer som que pudesse fazê-lo ser ouvido. Mas era em vão. Não havia qualquer reflexo no corpo por mais que se esforçasse mentalmente.

Tentou fazer contato visual com a pessoa que lhe jogava a terra. Não conseguia ver quem era até que, aterroramente, começou a ouvir risadas de quem executava aquela tarefa. Ouvia o som da pá sendo enfiada no solo para carregar os montes e então percebeu que as gargalhadas se intensificavam a cada porção de terra despejada para dentro da cova.

Havia prazer na pessoa que fazia aquilo. Era uma degustação lenta de uma vingança, uma espécie de recompensa para alguém que desejava vê-lo sofrer muito.

Com o intensificar dos risos, começou a perceber algo familiar, uma sensação de que podia reconhecer aquela pessoa.

Enforçou-se mais uma vez para fazer contato visual, mas a profundidade da cova o impedia de enxergar quem era, até que uma visão lhe revelou em pensamentos a imagem de sua própria mãe executando aquela tarefa. A risada era dela. Pode, finalmente, saber que a sua própria mãe estava o enterrando vivo. Agora conseguia vê-la por através das paredes da cova funda lá em cima com a uma pá despejando-lhe a terra.

A satisfação com que fazia aquilo era assombrosa. Não havia piedade. Buscou entender o porquê daquilo, debatendo-se em enorme esforço com inócuos pensamentos em busca de uma comunicação externa, mas era tudo em vão.

- Por quê??? O que fiz para merecer tamanha crueldade??? Por quê???? Gritava em pensamentos desesperados por respostas.

Naquela luta interminável por uma comunicação com o mundo externo, resolveu alcançar alguma lembrança de algo que pudesse ter relação com aquilo.
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Tentando salvar já o próprio espírito e não mais o corpo diante daquela circunstância de extrema agonia, lembrou-se da última vez que havia visto a sua mãe, e se deu conta de que a havia tratado com desprezo e duras acusações, que a havia feito ir embora chorando após ter aparecido de surpresa para visitá-lo, em razão de morar sozinho com seu irmão após sua mãe tê-los abandonado de casa.

Era um adolescente revoltado por isso e havia decidido não considerá-la mais como sua mãe.

Ao se lembrar disso, entendeu que estava dentro de um terrível pesadelo, mas que esse poderia se tornar real caso não se redimisse a tempo  daquele grande pecado.

Sentiu em sua alma que podia, de fato, estar morrendo e que esse era um castigo justo para um filho que tratara a mãe daquele modo.

Ocorreu-lhe que não importava o quanto de motivos julgasse que tinha para tratá-la daquela maneira, que segundo uma lei maior, de Deus, um filho jamais tem o direito de afligir a própria mãe com tamanha dor do desprezo.

Percebeu que a consequência natural de um erro assim de um filho é a sua morte prematura, em plena juventude, por ser indigno de merecer a vida.

Diante dessas conclusões que lhe vieram como pensamentos espontâneos enquanto buscava a compreensão de tudo aquilo, creu que deveria buscar a misericórdia de Deus por meio do arrependimento sincero.

Desesperado, começou a clamar fervorosamente pelo perdão divino, e num esforço incomensurável gritava em pensamentos pelo perdão de Deus, afirmando que jamais faria aquilo novamente, que desejava viver, que o tirasse daquela situação.

Ao perceber que os movimentos do corpo iam voltando, começou a balançar a cabeça freneticamente para os lados repetidas vezes, visando sair daquele estado o mais rápido possível até que acordou, suando, aterrorizado, estarrecido, num impulso que o levou a levantar o corpo e quase se sentar.

Acordado, com o coração batendo aceleradamente e a respiração ofegante, teve medo de abrir os olhos, receoso de se encontrar em algum lugar terrível, e então começou a rezar as orações do Pai Nosso e Ave Maria, repetidamente, até sentir o coração se acalmar e a respiração voltar ao ritmo normal.

Abriu os olhos e viu que estava ali, vivo, deitado junto ao seu irmão que com ele dormia no mesmo colchonete.

Refletiu um pouco sobre a experiência até que conseguiu adormecer novamente.

Ao acordar, já com a claridade do dia invadindo o local, sentiu novamente um cheiro forte de flores. Imediatamente foi levado à lembrança do pesadelo terrível.

Um tanto confuso, desceu a escadinha de madeira do local em que dormia, abriu a cortina vermelha que separava o ambiente da parte externa do comércio fotográfico em que moravam provisoriamente e viu, sobre a cômoda que ficava próxima à entrada, um buquê de flores.

Assustado com aquilo, perguntou ao único que ali estava presente sobre o que significavam aquelas flores. Então, ouviu a seguinte resposta:
- São flores para a minha mãe. Hoje é o Dia das Mães!