O ÚLTIMO NATAL DA CONDESSA MONTENEGRO.

Um sol pra cada um.

Um calor escaldante no morro do Encantado. A garotada empinando pipa. O rio poluído cortando a favela, separando os morros do Encantado e da Serrinha. Os urubus sobrevoando a área. Cada barraco tocando um funk diferente.

As mães gritando pelos filhos. Os motoboys nas vielas. Marizete e Juninho saíram de casa. O garoto de cinco anos ficaria com a avó, Luzinete.

A moça tomou um moto táxi até a rodovia do estado. Finalmente uma entrevista de emprego, após sete meses em casa, devido a pandemia do Covid-19.

Demitida de uma tecelagem, onde era costureira, ela entrou em desespero com a morte precoce do companheiro Raimundo, morto durante um assalto a banco. O anúncio no jornal chamou sua atenção.

Tinha o curso de enfermagem e de cuidadora de idosos mas jamais exerceu tais profissões. Ligou para o telefone do anúncio. Tinha entrevista às onze horas. Deveria comparecer a rua José Bonifácio, 1.766, Jardim Imperial, munida de carteira profissional e atestado de antecedentes criminais.

Pensou no irmão, Devanilssom.

O moço cumpria pena de seis anos por latrocínio. Uma família complicada. Ela era filha do famoso estelionatário Dico da Conceição.

Quarenta minutos aguardando o ônibus da Prainha. O coletivo veio lotado. Meia hora circulando até o terminal de Mossoró.

Outra espera.

Vai e vem de passageiros. Alguns passageiros pulando as catracas. Marizete desceu, pela escada rodante, até a plataforma doze. Outra espera.

Um formigueiro de gente. Ela tirou um drops da bolsa.

O trem, finalmente.

-"Ninguém dá o lugar pra mulher e idoso! Isso, finjam que estão dormindo, ridículos." Gritou.

Quarenta minutos de pé no vagão. Fim da viagem. As escadarias. O centro da cidade. Outro ônibus até o destino final.

Outra espera. Outra vez o coletivo lotado. Um homem também de pé, a encoxando. Ela sacou o spray de pimenta da bolsa.

-" Quer levar pimenta nos olhos ou quer que chame a polícia, idiota?? Tenho uma peixeira aqui, se preferir ficar sem pipi!!!"

O homem se afastou.

Marizete puxou a cordinha. O motorista não parou no ponto. Ela deu um grito, deixando surdo um rapaz do seu lado.

-" Acorda, motorista! Passou do ponto, carvalho! Fio de uma égua!"

O ônibus freou bruscamente.

-" Tá ajeitando a carga de suínos, idiota?"

Ela desceu do ônibus.

Olhou em volta. Abriu a sombrinha pra se proteger do sol. Uma rua de casarões. As árvores bem podadas.

Um calçamento refinado e limpo. O asfalto novo, impecável. Um sorveteiro passou. Ela pediu informações do endereço.

-"Rua José Bonifácio? É essa aqui, moça." Andou por três quadras.

Era o último casarão da rua. Dava pra ver o aeroporto dali.

Um muro alto. Grades e portões enormes. O interfone. Apertou o botão com força.

-"Faltam quinze minutos! Estou morta!" Enxugou o suor do rosto.

-" Bom dia. Quem deseja?"

Disse a voz do interfone, oito minutos depois.

-"Sou Marizete Silva Santos Rodrigues. Vim pra entrevista, cuidadora.

Bom dia, também."

O portão não se abriu.

Minutos depois, um homem elegante se aproximou.

-" Bom dia. Sou Guedes, o mordomo. Coloque a máscara, por favor. Limpe os pés nos tapetes sanitizantes.

Vou passar o aparelho detector de metais na sua bolsa. Vou abrir!"

Marizete entrou.

-"Quanta coisa em casa de rico. Pai do céu." Ela seguiu o homem por um extenso jardim.

-" Cuidado, senhora. Não pise nas bromélias, por favor.

O senhor Herculano advogado, irá atender a senhora. Espere na sala de jornais. Até mais."

O mordomo abriu a porta do casarão de dois andares.

Ela sentiu os chinelos afundar no grosso tapete. Um pequeno sofá. Um aparador com um telefone. Um quadro de Monet.

Um luxo.

Ela passou o dedo no aparador.

-"Limpo demais."

O mordomo voltou.

-" Aceita água, senhora? Mineral ou torneiral?"

Marizete segurou o riso diante daquele homem sério e compenetrado.

-" Mineral, senhor Guedes.

Muito obrigado!"

O mordomo a serviu.

-" Permita-me corrigí-la. Mulheres dizem obrigada, jamais obrigado.

Homens dizem obrigado. Com sua licença."

Marizete tomou a água.

Um rapaz entrou no recinto.

-"Bom dia. Senhora Marizete."

Ele a cumprimentou.

-" Sou o advogado da família, doutor Herculano Fagundes! Vamos ao escritório? Por aqui, por favor."

Ela entrou na sala de estar.

Uma porta e a biblioteca. Uma grande mesa de mogno.

Uma estante alta e cheia de enciclopédias.

-" Sente-se. Veio preencher a vaga de cuidadora da condessa Montenegro?

Posso ver sua carteira de trabalho, senhora?" Marizete afundou na poltrona macia.

Tirou a carteira de trabalho da bolsa.

-" Não se assuste com a foto, moço."

O advogado não esboçou nenhuma reação. Folheou a carteira. Franziu a boca pra baixo. Ajeitou os óculos.

Pegou o celular.

-" Sim, senhor Montenegro. Pois não. Certo. Enviarei os dados da senhora.... deixa ver, a dona Marizete já veio! Certo. Eu ligarei depois. Grato. Fique com Deus, senhor Montenegro."

O advogado se ajeitou na cadeira.

-" Bem. A senhora preenche os requisitos embora more bem longe daqui. Outras candidatas, com melhores requisitos, dispensaram a vaga de cuidadora da condessa Montenegro.

A condessa dispensa alguns cuidados especiais.

É uma senhora de setenta anos." Marizete estava curiosa.

-" Porquê dispensaram? O salário é ruim?"

O advogado organizou alguns papéis.

-" Ao contrário, é até melhor que o meu porém dispensa muita dedicação, paciência extrema, cuidado e força, saber ouvir e conhecer enfermagem.

Horário de doze horas diárias, uma folga semanal. Salário de dois mil e oitocentos reais.

Cesta básica e vale transporte. O que acha?"

Marizete engoliu em seco.

-"Eu aceito. Puxa, que ótimo salário."

O advogado deu um suspiro.

-" Ótimo, senhora Marizete.

Preciso de suas documentos. Posso por favor, tirar uma foto da senhora?

Vou mandar a foto para o sobrinho da condessa, em Paris. Olivier gerência os assuntos da tia com esmero.

É o único herdeiro dela, sabe?"

Marizete parecia sonhar.

Estava empregada, finalmente. Muito bem empregada.

-" O que devo fazer, senhor advogado?"

O homem parecia mais calmo. Dava pra notar um pequeno sorriso no canto da sua boca.

-" Uma cuidadora cuida, logicamente.

Dar banho, inalação nas horas programadas, os comprimidos, acompanhar o café e chá da tarde, verificar a temperatura nas horas programadas.

Basicamente isso.

A senhora ficará com o turno da noite. Contratamos outra cuidadora pra parte diurna, visto que a senhora Rosilene faleceu. Ela cuidou da condessa por longos quinze anos. A senhora é paciente?"

Marizete se arrepiou.

-" Eu? Sim, sou muito paciente.

O motorista passou do ponto, quando eu vinha. Tive muita paciência com o motorista, coitado."

O advogado sorriu.

-" Não terá que limpar ou cozinhar pois temos funcionários pra isso. Temos o mordomo Fagundes, o motorista Higino, o jardineiro Tomás.

Vai gostar de conhecer a faxineira Estela e as cozinheiras, Sebastiana e Perpétua." Marizete estava curiosa.

-"Uma casa enorme, tantos empregados pra uma pessoa só?"

O advogado se levantou.

O celular pronto. Marizete ajeitou os cabelos. Uma foto rápida.

-" Isso. Perfeito. Pode começar hoje, se quiser."

O homem estendeu a mão. Marizete o cumprimentou.

-"Virei hoje, certamente. Muito obrigada."

O advogado tocou uma sineta.

O mordomo veio e acompanhou Marizete até o portão.

O advogado ficou espionando, pela cortina do escritório, sua saída da mansão. O mordomo fechou o portão.

-"Volte mesmo as dezoito, senhora. Ninguém mais suporta a louca da condessa! Tem hora que dá vontade de matar aquela velha chata e rica!"

Marizete se benzeu.

-"Homem, tenha paciência e fé. Sei que está aqui pelo salário. Temos que aguentar o baque. Tchau."

Marizete demorou duas horas pra chegar em casa. Anunciou a novidade aos familiares.

-" A velhaca caquética certamente dormirá a noite toda, filha. Será uma teta!"

Profetizou a mãe de Marizete.

A tarde caiu.

A mulher chegou cedo a mansão. O sol ensaiava seu adeus quando Marizete entrou na mansão. O motorista cuidava de dois cães rottweilers.

-"Você que é a Marizete? Bem vindo ao inferno!"

Gritou Higino.

Marizete sorriu apenas. Deveria ser brincadeira dele.

O mordomo deu a ela uma lista de deveres e um uniforme azul e branco.

-" Seu quarto fica no andar superior, senhora Marizete. Vai conhecer a condessa agora. Se apronte."

Marizete subiu as escadas. Um quarto grande com banheiro. Uma cama macia e um guarda roupas.

-"Vem cá, coisa linda!"

Um homem a agarrou por trás. A pequena Marizete foi levantada com facilidade. O homem era muito forte.

-" Me bote no chão, cabra!"

Marizete foi beijada a força. Tomás levou um arranhão no rosto. O advogado entrou no quarto.

-"Senhora, deve assinar. O que é isso aqui? Tomás, saía daqui!"

O homem obedeceu.

-" Vai se ver comigo, onça brava!"

Marizete se recompôs. O advogado fechou a porta.

-" Desculpa. Tomás, bom jardineiro mas um grosso! Assine os documentos, por favor. Vou adiantar seu vale transporte."

Marizete agradeceu.

-"O sobrinho da condessa Montenegro lhe enviou votos de boa sorte. Agradeceu, desde já, a sua colaboração."

O advogado saiu.

Marizete, já de uniforme, foi ao quarto da condessa. Bateu na porta.

-"Sim. Entre, querida."

Marizete verteu uma lágrima. A condessa a fez lembrar de sua saudosa avó. A mulher elegante estava sentada em frente a penteadeira.

Parecia aquelas velhas atrizes de Hollywood. Os olhos azuis lembravam Liz Taylor.

O cabelo armado, as mechas imóveis. O queixo de uma nobre. Gestos finos e elegantes.

-" Marizete? Me dê um abraço! Chamarei-a de Mary, mais elegante. Meu andador, por favor!"

Marizete parecia agradar a condessa.

O banho. Os cremes. Os perfumes importados. Os chinelos. Um exercício de fisioterapia na suíte.

A condessa contando histórias.

-" Meu tataravô era dono de Montenegro, hoje país. Somos riquíssimos. Papai deve estar no porão.

O Ibraim Suede me ligou ontem. Quer uma entrevista pra revista Manchete.

Ai, não aguento mais sair nesses folhetins. Marizete não entendia nada, apenas ria.

-" Esse jornalista, o Waltinho, vive pedindo entrevista comigo.

Ah, não vou dar. Odeio fotos."

Marizete era prestativa e gentil. O mordomo anunciou o jantar.

Ele seguiu a frente da condessa até o elevador interno. Marizete sentiu um cheiro de feijoada.

-"Quero caviar, lagosta e espumante. O Paulo Arns e o Hélder virão jantar comigo.

Ligue pra eles, mordomo Alfred."

A condessa ria.

A mesa de vinte lugares. Um prato de sopa de ervilhas e um pão foi colocado pelo mordomo a frente da condessa.

Ela experimentou. Marizete estava ao lado dela.

-" Quero lagosta! Meu pai trouxe da Noruega."

A condessa jogou o prato de sopa sobre a cuidadora.

-" Cadê a Filomena? Essa não é ela."

O mordomo tocou a sineta. As cozinheiras vieram.

-" Vá se limpar, Marizete. Nós cuidaremos da condessa!"

Marizete subiu ao quarto. De roupa limpa, percebeu que a condessa já dormia.

-" Ela fica agitada, às vezes. Demos um calmante. Vá comer uma feijoada, Marizete. Você se acostuma com a rotina."

Disse o mordomo, sorrindo.

Os meses se passaram.

Marizete cuidava bem da condessa e descobriu que os demais funcionários ganhavam igual a ela.

Na ausência do advogado, os funcionários faziam banquetes as escondidas.

A condessa alternava momentos de lucidez e loucura. Marizete gostava de ouvir as histórias da mulher.

Havia uma adega enorme com vinhos e whisky caríssimos. A condessa raramente saía.

As consultas com o geriatra, uma passada na padaria ou um passeio no jardim, nada mais que isso.

O advogado usava a Ferrari da mansão. O automóvel era de Rômulo, único filho da condessa, morto há quatro anos num acidente de carro.

Dois Corollas na garagem. Um Ford, ano 1948, reformado. A relíquia era do saudoso pai da condessa. O motorista dava uma volta no jardim, com a condessa no banco da frente, uma vez por semana.

Ela saía do passeio renovada.

-"Que delícia passear pela Champs Ellysses, Rômulo. Adoro, meu filho."

A condessa frequentemente confundia o motorista com o filho falecido. Marizete se divertia com a cena. A condessa mostrou a ela as gavetas com quilos de jóias.

-" Fui a primeira modelo da H.Stern. Eles ainda mandam jóias pra mim.

O Lima Duarte era louco por mim. Eu gostava do Tarcísio mas a Glória Menezes era possessiva demais. O Mazzaropi ainda é vivo? Ah, que menino bom. Participei de figurante nos filmes dele, sabia?"

Marizete se acostumou a passar as noites em claro com a condessa gritando, dando chilique e delirando.

Vivia outra realidade, devido ao Alzheimer e outras doenças.

-" De que adianta tanto luxo, dinheiro e jóias se não tem saúde, sem crianças na casa, sem poder usufruir?"

Pensava a cuidadora.

-"Às vezes da pena, às vezes não. Essa nunca ralou, vivia viajando e namorando homens lindos e poderosos, Mary.

Nem sabe o que é sarapatel e buchada. Nunca entrou no ônibus ou num mercado com a lista e o dinheiro contado! Tenho pena nada! A família dela, cadê?

Tudo no cemitério. Só o sobrinho velho cuida de longe dela, através do advogado!" Disse a cozinheira Perpétua.

O mês de dezembro chegou.

A condessa parecia outra pessoa. Pediu ao mordomo que enfeitasse a casa pro natal.

-"Meu pai buscava o pinheiro em Turim. Os panetones e chocolates vinham de trem, de Zurique. Quero bolo de nozes, Mary.

Natal não pode faltar o bolo do aniversariante, o menino Jesus!"

Marizete abraçou a condessa.

-"Eu queria levar a senhora pro morro. Fazer a senhora andar descalça na lama. Comer um prato de salpicão da tia Zurema ou o pavê de bolacha Maria da minha vizinha, Fabiana. Tomar uma cerveja bem gelada na laje, vendo os pipocar dos fogos de artifício.

Dormir na rede, ao som do Molejão.

A fumaça da churrasqueira, os cães latindo e os homens gritando no jogo de truco.

Isso é viver, condessa."

Marizete percebeu que a mulher dormia.

-" Condessa. Dopada de tanto remédio, essa coitada nem vive direito!"

A casa estava linda. Um papai Noel enorme no jardim, cercado de renas.

Havia seis caixas com enfeites natalinos. Uma guirlanda linda na porta. O motorista e o jardineiro passaram um dia inteiro enfeitando a mansão.

Marizete se admirou com a quantidade de comida que o mercado entregou na casa. Pra surpresa de todos, o sobrinho da condessa chegou na antevéspera de natal.

Abelardo Montenegro estava sozinho. Um homem idoso. Careca e de bigode fino. Marizete o reconheceu das fotografias espalhadas pela casa.

O advogado estava nervoso pois não esperava a presença de Abelardo.

-"Vim pessoalmente ver a titia. Me preocupei com ela."

Abelardo cumprimentou cada funcionário. A mansão estava linda a noite, toda iluminada. A condessa deu uma cesta de natal a cada funcionário.

Abelardo conversou muito com a tia. Marizete ganhou um colar de pérolas. Véspera de natal. A mesa pronta para a ceia. Chester, perú, tender, leitoa assada, rabanadas, profiteroles, frutas e muitos panetones.

A condessa vestiu um lindo vestido vermelho e uma tiara de diamantes. Marizete tirou fotos com ela, junto a árvore.

-"Estou linda, Mary? O Fernando Collor já chegou? Ele disse que viria após despachar em Brasília."

O jardineiro fez as pazes com Marizete.

-"Estou apaixonado por você, Marizete."

Ela não deu bola.

-" Safado. Já vi o senhor agarrando a Bastiana na edícula! Vou lhe perdoar pois é natal."

O advogado estava conversando com Abelardo no jardim. Marizete trocou os remédios da condessa. -"Vou dar balinhas no lugar do remédio. Essa coitada tem que aproveitar a ceia." Passava de uma hora da manhã. Marizete foi ao quarto da mulher. -" Condessa. Trouxe um bolo de nozes e whisky com gelo. Vou trancar a porta." A condessa sentou a beira da cama. -" Um monte de cerimônia na mesa. Partiu o coração ver a senhora comendo tão pouco. A maioria já foi embora. Vamos nos divertir, mulher. Beber até o furico fazer bico!" Marizete serviu a condessa. -"Pega com a mão, igual criança. Lambuza a boca e limpa a mão na cama. A senhora tem que ser feliz!" A condessa obedeceu e ria gostosamente. -" Minha mãe ficaria brava com isso. Ela já morreu! Rômulo morreu. Ele cuidava bem de mim." Marizete pegou o copo. -"Essas bebidas caras, guardadas. Pra que , não é mesmo?" A condessa ria. -" Tem razão, amiga. Vivamos o hoje. Agora quero uma cerveja gelada. Fazer vira, vira, virou. Eu invejava as minhas amigas que faziam isso nas festas." Marizete se surpreendeu. -" A senhora nunca fez muita coisa, não viveu. Ficou fechada num conto de fadas!" Ela foi até a cozinha. Os funcionários tinham ido embora. A geladeira abarrotada de comida e doces. A condessa tomou uma lata de cerveja num só gole. Ela abraçou a cuidadora. -" Há tempos não era tão feliz. Abelardo veio? Parece que o vi." Marizete confirmou. -"Está no jardim com o advogado!" A condessa dormiu. Marizete ajeitou a mulher na cama. Virou a garrafa de whisky na garganta. -" Coisa boa. Vou dormir também." Ela foi para o quarto dela. Ouviu passos na escada. -"Deve ser o Seu Abelardo." Pensou. O sol emanava os seus primeiros raios. Marizete deu um salto na cama ao ouvir três tiros. O som no quarto ao lado. Ela pulou da cama e se enfiou dentro do guarda roupas. Agachou e se cobriu com um edredom. Ouviu alguém entrar no quarto. Passos. Certamente estariam olhando debaixo da cama. Marizete chorou, temendo o pior para a condessa. As sirenes da polícia, meia hora depois. Os policiais revistaram a casa. Marizete foi encontrada em seu esconderijo. Ela foi algemada. -" Não fiz nada. Sou inocente!" Marizete foi levada ao quarto da condessa Montenegro. A mulher fora alvejada na cama. Tiros certeiros no peito da condessa. A condessa estava morta. Marizete ficou horrorizada com a cena. O cadáver frio, a cama de lençóis finos com muito sangue. Marizete foi levada ao camburão. O delegado mostrou-lhe um corpo na piscina. Abelardo estava morto, boiando na piscina. Uma cena horrível. -"Parece que você fez tudo sozinha. Matou a condessa e o sobrinho. Achamos as jóias na sua cama." Marizete estava surpresa. Ela era a principal suspeita dos crimes. Os outros funcionários foram convocados e ouvidos pelo delegado. Tinham como álibi o fato de terem saído mais cedo da mansão. Todas as evidências apontavam para Marizete. A mídia descobriu o passado de seus familiares, o irmão problemático, o pai violento e fora da lei. A foto dos mortos, ao lado da foto de Marizete, nas capas dos jornais. A condessa e o sobrinho foram enterrados no mausoléu da família. O advogado da família estava foragido. A polícia procurava por ele. O escritório dele revirado pelos investigadores. Documentos com desvios de verbas da condessa foram encontrados. Estaria o advogado associado com Marizete nos crimes ou extorquindo Abelardo?!? O advogado se apresentou, uma semana depois. Não sabia de nada. Disse que Abelardo se despediu dele, após a meia noite. As imagens de uma câmera de segurança, de um supermercado próximo, comprovaram a versão do advogado. Ele era inocente. Marizete estava presa. O espírito da condessa Montenegro entrou na mansão fechada, isolada pela polícia. A condessa foi até a adega. Por anos não mexeu numa só daquelas valiosas garrafas. A toalha de natal na mesa. -"Abelardo! Cadê você, inútil?" O fantasma percorreu a mansão. A piscina. A condessa mergulhou e puxou o homem lá de dentro. -"Achei. Pensa que sou tola, verme. Que ia deixar tudo pra você e seus falsos amigos da Itália?" Abelardo a estrangulou. A condessa riu. -" Já morremos, trouxa. Pode apertar. Mudei o testamento a tempo, imbecil. Matou-me e se afogou na piscina." Abelardo foi pego pelo braço e atirado pra longe da condessa. -"Rômulo? Meu filho." O jovem apontou para o tio. -"Abelardo me matou, mamãe. Ele sabotou os freios do meu carro." Dias depois, advogado, Marizete e os investigadores voltaram a mansão. Eles vasculharam a casa. -"Abelardo. Ele falou demais sobre o testamento. Não está no meu escritório. Temos que encontrá-lo!" O delegado foi ao quarto da condessa. Marizete recordou as últimas horas com a condessa. -"Ela encheu o caneco, com gosto! Morreu feliz!" Marizete disse tudo ao delegado. Os tiros. Os passos na escada e a entrada de alguém no seu quarto. -" Quem matou a condessa iria me apagar também. Espere. A condessa passava horas na adega. Disse que não abria aquelas garrafas caras há anos!" O advogado deu um salto. -"A adega. Ela escondeu o testamento lá." Três mil garrafas retiradas com carinho. Um papel encontrado. Era o testamento da condessa. O advogado leu o documento. -"Abelardo receberia muito menos de herança. Por meio de amigos, a condessa descobriu suas falcatruas na Europa." Ela doava uma parte de sua riqueza a caridade. Uma parte aos seus funcionários, incluindo Marizete. Abelardo ficaria com uma pequena soma em dinheiro e a mansão de Turim. Marizete foi defendida pelo advogado Fagundes. Ela foi inocentada e solta. Durante a partilha de bens da condessa, Marizete reencontrou os funcionários da mansão. Notou um certo arrependimento neles pois a condessa os colocara no testamento. Marizete comprou uma casa, no mesmo bairro da mansão. Era a única que se dispôs a cuidar do lugar. O advogado aparecia no local, às vezes. Uma forte amizade cresceu entre eles. A mansão da condessa foi transformada, um ano depois, num asilo beneficente. Era a vontade da falecida. -" Eita. A condessa ia gostar de ver a essa mansão cheia de gente. Os bailes da melhor idade na sala de estar. O jardim com tanta gente passeando e conversando. A adega transformada numa academia." Disse Marizete a Fagundes. Ela percebeu um olhar estranho no advogado. -"Quer namorar comigo, Marizete? Bem. Eu gosto muito de você." Ele corou. Marizete o beijou. Marizete e o advogado Fagundes se casaram e criaram a ONG Condessa Montenegro. Ela cursou Direito e foi eleita diretora da Casa de Repouso. Ela estava no escritório, certo dia. -"Com licença, doutora Marizete. Há uma visita para a senhora! Um velho de terno com quatro seguranças." Marizete fez uma careta. -"Me chame de Mary, Camila. Doutora nunca. Apenas Mary. Mande o cabra entrar. Traga água, por favor." Minutos depois, um homem entrou no escritório. Marizete quase enfartou. -"Senador Fernando Collor??! Que honra!! Estou toda mulamba, mal vestida." Eles se cumprimentaram. -"Há tempos queria conhecer a ONG da condessa! Está lindo o lugar." Marizete ligou para o marido. Eles mostraram o asilo ao senador. Havia fotos da condessa por toda a casa. -"Ajuda é sempre bem vinda mas a condessa deixou dinheiro suficiente para manter a casa por muitos anos." Uma foto da condessa bem jovem, num baile de gala. Marizete notou que o senador fixou o olhar e mordeu os lábios. -"Ela era linda. Parecia aquelas velhas atrizes de Hollywood. Delirava e não falava coisa com coisa. Todos achavam que eram mentiras, fantasias. Uma vez me disse que esperava sua vida, senador! Estava em Brasília e não pode vir! É verdade?" A resposta estava nos olhos marejados do político. Marizete sentiu um arrepio. -"Você demorou mas veio, Fernandinho!" Disse o espírito da condessa. FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 20/12/2020
Reeditado em 16/12/2023
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