Demônios

Demônios.

A chuva começou assim: em questão de minutos o céu sobre Curitiba encheu-se de nuvens de tempestade. Nuvens pesadas, escuras, opressivas. Raios começaram a riscar o firmamento e o ribombar dos trovões se fizeram ouvir com intensidade. E o aguaceiro. O aguaceiro foi tão intenso que era impossível enxergar qualquer coisa na rua. Esse talvez tenha sido o motivo do veículo bater e capotar diversas vezes indo acabar dentro de uma valeta. E o seu ocupante? Bem…

O homem não fazia a menor idéia de onde estava e nem como fora chegar ali. Lembrava-se apenas de estar dirigindo pelas ruas de Curitiba, indo para casa depois de um dia extenuante no serviço. E então isso. Esse lugar estranho. Parado de pé em meio a imensa planície ele contemplava a paisagem. O firmamento de um azul limpíssimo no qual se destacava o sol inclemente e abaixo o mar de relva que se estendia até o horizonte.

Ele permaneceu assim por algum tempo, perdido em indagações sobre o onde, o quando e o como, até que um brilho no horizonte chamou sua atenção. Protegendo os olhos com as mãos por causa da claridade ofuscante do astro rei ele permaneceu atento no horizonte, até que alguns minutos depois o brilho voltou a ser visto. O homem começou a andar em direção a fonte do reflexo, curioso de descobrir qual a origem daquele fenômeno. Andou por cerca de meia hora pelo campo até chegar a beira de um grande lago. Foi então que o tempo começou a mudar. Pesadas nuvens cinzentas começaram a formar-se no horizonte, e vieram aproximando-se até encobrir todo o firmamento. Raios começaram a riscar os céus e trovões faziam tremer a terra sob os pés do homem que teve a sensação de ja ter vivido aquilo. Um vento forte começou a soprar fazendo ondas enormes levantaren-se indo quebrar na margem. A tudo isso o homem assistiu com um misto de fascínio e horror. E então em meio a fúria dos elementos algo começou a emergir das águas revoltas do lago. E quase ao mesmo tempo estranhas formas aladas começaram a cortar o espaço, suas asas como que em chamas tal o brilho ofuscante que emanavam. Mas elas estavam longe, muito distantes em seu vôo sob as nuvens de tempestade. O homem concentrou sua atenção na coisa saindo da água. Porque estava mais próxima. Porque era muito mais assustadora. Porque parecia emanar uma aura de indizível perigo e maldade.

Parado junto a margem, o homem contemplou horrorizado a coisa que vinha em sua direção. A coisa era grande. Maior que um homem. Tinha forma humana. Mas sua cabeça não possuía olhos, boca ou orelha. E não tinha cabelos. Em seu lugar uma infinidade de fios que se moviam loucamente. A coisa saiu das águas e caminhou sob cascos fendidos. E assim que isso aconteceu os seres alados que haviam estado tão distantes mergulharam das alturas sobre a estranha criatura. Munidos de espadas flamejantes eles atacaram o monstro, que àquela altura já estava sobre o homem. Indiferente ao assédio que sofria o ser esticou a mão colossal e segurou o rosto do homem, que arregalou os olhos ao perceber centenas dos estranhos fios de cabelo do colosso decendo-lhe pelo braço. Em direção a sua boca. Por onde entraram. Fazendo-o engasgar e sufocar. E enquanto se sentia sufocar e lutava contra o desfalecimento que se aproximava, pôde ver a criatura levantar as garras para se defender dos seres alados que sobre ela haviam se precipitado. Acertando-a com o que pareciam ser espadas de fogo e arrancando-lhe pedaços ferozmente. Antes de perder a consciência o homem viu o estranho ser desfazer-se em fogo. E então a escuridão.

Quando os olhos do homem se abriram novamente depararam-se com dois vultos que o olhavam espantados.

"Cara, você deu uma sorte danada da gente ter conseguido te tirar do teu carro antes da enxurrada leva-lo. Ce podia tá morto."

O homem apoiou-se nos braços. A chuva caia-lhe no rosto, escorrendo-lhe pela face.

"Só pode ter sido coisa de Deus"- comentou seu salvador.

O homem bem que gostaria de acreditar. Mas sentiu um arrepio bem no fundo de sua alma ao escutar uma risada em sua cabeça. Uma risada que parecia dizer-lhe que ele estar vivo não tinha nada a ver com Deus.

S J Malheiros
Enviado por S J Malheiros em 13/12/2020
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