Dom Cavalcante
Dom Cavalcante (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)
Um sujeito bem apresentado. Um empresário de sucesso, mas com um histórico meio confuso na vida. Vivia feliz, possuía uma família, sendo a esposas e dois filhos. Bondoso, caridoso, religioso e muito comunicativo.
Com o decorrer da vida, os investimentos foram prósperos. Vivia ele lutando nas altas e baixas marés econômicas. Enfrentou vários planos econômicos tais como plano Bresser, plano Sarney, plano Cruzado e outros planos econômicos impostos pelo governo federal. Ganhou lucros, teve mais despesas, perdeu investimentos, comprou ações, comprou mais empresas, vendeu capital, enfim, como um empresário de sucesso, passou por toda provação no decorrer dos tempos.
Certo dia, já cansado de tudo, resolveu contratar um executivo para administrar todos os negócios, incluindo até a fazenda produtora de gado, situada no Pantanal. Ficou apenas com um pequeno sítio, pois já se aposentava e fazia o acompanhamento ao longe dos negócios.
Com a morte do último herdeiro de uma casa de campo, situada na cidade onde ele morava, surgiu a oportunidade de adquirir a casa. Lá, uma casa de campo bem localizada, construída há vários anos, em estilo antigo, no formato barroco. Segundo a lenda, lá existiu uma plantação de cana de açúcar e um engenho de produção de açúcar. Mais lenda, vários escravos lá trabalharam e foram tratados com maus tratos. Muitos morreram e até foram enterrados vivos.
Após pesquisar tudo isso com muito afinco, Dom Cavalcante imaginou investir um pouco mais e pressentiu lucros no novo investimento. Ligou para o executivo administrador de seus negócios. Após várias conversas, após várias análises e muita viabilidade econômica, decidiu que a margem de retorno era ótima. Um bom hotel fazenda, com toda infra estrutura turística, muita propaganda e um novo estilo administrativo, o empreendimento seria muito bom para o grupo e principalmente para o desenvolvimento da cidade.
Negócio fechado. Foi uma festa a compra do imóvel. Uma grande festa de apresentação. Banda de música, desfile de fanfarras, forró e uma grande programação cultural. Até o grupo de teatro do município fez uma apresentação e foi contrato um estudo cultural sobre o imóvel. Como parte da festa cultural, até o governador estadual resolveu ir e fez questão de dormir no hotel, pois queria voltar ao tempo, juntamente com a comitiva.
João Pedro fazia parte do quadro funcional, mas ficava mais escondido, porque tinha problemas com a justiça. Mudou a aparência, mas era uma pessoa de total confiança de Dom Cavalcante. Estava ele feliz e participava das festividades, porém a sua alegria foi quebrada quando viu a aproximação da comitiva do governador e entre ela, várias viaturas da polícia. Foi muita surpresa e João pensou que a polícia tinha-lhe descoberto ali. Ficou confuso e resolveu se esconder no porão, em lugar de difícil acesso e ali permanecendo por toda a noite. Sempre vigilante a quaisquer movimentos dos policiais, que ali estavam para a segurança da comitiva governamental.
A noite foi passando. As festividades foram acabando e não sobrou mais ninguém, exceto a comitiva do governador, alguns convidados e hóspedes. Após o jantar e um grupo de seresta se apresentar, foi descoberto um velho historiador, um renomado professor de história, da universidade localizada na cidade vizinha, que estava de passagem no local e viu a grande festa. Chegou e logo foi descoberto por Dom Cavalcante. Entre as conversas e falas, juntamente com o governador e alguns presentes, o velho professor disse, que em suas pesquisas, há muito tempo, que o lugar era bastante místico. Apareciam luzes, ouviam barulhos no assoalho, principalmente arrastamento de correntes, batidas nas portas, fumaças entre outros fenômenos paranormais. Estes acontecimentos eram sinais da comunicação entre o mundo físico com o mundo espiritual. Somente os médiuns, os paranormais e alguns historiadores e que compreendem tais manifestações e estão aptos a descrevê-las com maior clareza e experiência. Assim ele disse e causou uma sensação de insegurança para os que ali estavam. Dito isto, ele despediu de todos. Ligou sua motocicleta e foi embora, a caminho do sítio do irmão, que situava a mais ou menos dez quilômetros dali.
A noite foi passando. Alguns, já com sono e cansados das festividades, foram para os aposentos. Não restou ninguém, somente Dom Cavalcante ficou ali e se preocupava com a narrativa do professor. Para ele, seria muito ruim se as palavras do velho mestre fossem verdadeiras. Ele investiu muito dinheiro ali e via o investimento ir por água abaixo. Seria um pesadelo, uma ruina para o grupo empresarial. Cochilou um pouco e logo foi acordado com um pequeno barulho vindo debaixo do assoalho. Ficou meio estranho, porém não deu muita importância. Imaginava ser algum rato que estivesse no porão e com tanta preocupação ele esqueceu de pedir a João Pedro para dedetizar o local, pois tinha receio de baratas e ratos e isso não cairia bem para o grupo. Imagine ratos e baratas passeando tranquilamente nos aposentos dos convidados, matutava ele.
Meditou um pouco e lembrou que João Pedro não apareceu mais. Lembrou que ele tinha problemas com a polícia e a comitiva estava ali, cheia de policiais e seguranças. Matutou mais uma vez e, já cansado, resolveu ir deitar. Lembrou que seu quarto foi cedido para o governador e a esposa. Não tinha outro local para se deitar. Resolveu, contudo, permanecer no sofá, um móvel bem antigo, feito de madeira maciça e sem espumas para amortecer o impacto.
A noite foi passando e a madrugada se aproximando. Ele remexia várias vezes, não tinha uma posição correta para dormir. Deu um pequeno cochilo e virou para a direita. Na virada, como ele estava na beirada, não tendo mais apoio, caiu. O barulho foi forte e acordou algum convidado. Ele levantou rápido batendo o pé no assoalho como se estivesse muito irado. A surpresa maior foi sentida um forte barulho vindo lá debaixo do assoalho. Era um som fortíssimo de arrastamento de correntes que se estendia por todos os lados. Era também acompanhado por um gemido de algo que pedia socorro, de almas que pediam clemência por atos feitos no passado. Os barulhos foram tantos e fortes. Os convidados acordaram e lembraram da conversa do velho professor. Foi um alvoroço total. Uns saíram gritando, outros rezando e a cada oração ou gritos, o som forte era mais intenso.
Não se deu outra coisa. Saíram todos e foram embora com medo. Diziam que as almas dos escravos, as almas dos antigos proprietários estavam ali e se sentiam revoltados com a construção do hotel fazenda. Até mesmo Dom Cavalcante ficou com medo e pegou uma carona na comitiva do governador. O hotel ficou ali sombrio, sem uma alma viva para olhar. Os policiais deram alguns tiros para o alto, mas a cada tiro o barulho aumentava mais. Ficou, portanto, todo em silêncio, mas somente eram ouvidos os gemidos e os sons das correntes vindas do porão.
Amanheceu e não tinha ninguém ali. Com muito custo, João Pedro apareceu, todo machucado, com a perna sangrando e não viu ninguém. Nem mesmo uma viatura da polícia. Pegou o telefone e ligou para o patrão. O patrão contou o acontecido, mas João ficou calado e não quis comentar que havia ficado preso no porão, teve as pernas presas nas correntes que o arrastavam por todos os lados. As dores eram fortes que mal conseguia pedir socorro. Além disso, ficou preso com uma armadilha de ratos que ficou em sua boca. Com muito custo, ele conseguiu livrar de tudo aquilo. Não contou para o patrão para não ser demitido.
Passaram alguns dias. Nenhum hóspede apareceu. Os meses foram passando e não hospedava ninguém lá. O executivo do grupo de Dom Cavalcante sugeriu transformar a fazenda em um museu. Deu certo, porque, de vez em quando, João Pedro ia até o porão e arrastava as correntes e gemia, dando a impressão de que a casa era assombrada. O patrão não ficou sabendo, mas o executivo descobriu e, em segredos, contratou João para assustar os visitantes em períodos de plena temporada.