TERROR NA CABANA ABAIXO DE ZERO.

A neve começou a cair. Uma tarde de domingo. -"Que idiota, Stan. Deveria ter parado em Chicago." Ele se esforçou para manter o carro na pista escorregadia. -" Cuidado redobrado pois a nevasca chegou forte no estado." Disse a moça do rádio. Teria uma hora de viagem pela frente. Mandou uma mensagem de WhatsApp para a namorada em Rocksville. -"Estou indo, Roxanne!" A bateria do celular descarregou. Um caminhão passou por ele. Uma curva a frente. Ele ajeitou os óculos. -"Esse idiota tirou carta de motorista pelos correios!" O termômetro marcando dez graus abaixo de zero. Mudou de estação de rádio. Sorriu com a música do Elvis. Um cigarro para aquecer. Abriu o porta luvas. Segundos de distração. Um caminhão. As luzes fortes. Uma batida lateral. O carro de Stanley saiu da estrada e deslizou, ribanceira abaixo. O air bag acionado. Bateu em duas árvores, antes de capotar. Preso ao cinto, Stanley despertou minutos depois. Estava de cabeça pra baixo. Um olho não abriu. Três dentes caíram da boca. O rosto ensanguentado. Um supercílio aberto. O braço direito doía. Ele não sentiu as pernas. Com esforço tremendo abriu o cinto. O corpo escorregou pois a fivela do cinto estourou o air bag. Stanley caiu fora do veículo, na neve fofa. As árvores brancas. A noite tinha caído. A respiração ofegante. O peito doía. Uma fumaça escura saiu do carro. Ele sentiu um cheiro forte. A gasolina escorrendo por debaixo de seu corpo. Ele se desesperou. -"Vai morrer, Stan!" Ele se arrastou para longe do carro. -"Jesus!" Foi o que disse ao ver o veículo explodir. Ele ficou um tempo deitado na neve macia. Um uivo. Mais uivos ao longe. -"Stan. Os lobos vão lhe comer, imbecil." Ele se arrepiou inteiro. Uma mão pousou em seu ombro. -"Moço. Vamos pra cabana!" Stanley olhou em volta. O que aquela garotinha fazia alí? Ele tentou não rir do vestido dela, demais ultrapassado. Até um ignorante em moda, como ele, saberia que aquele vestido era bem antigo. -"Sou Emilly. Venha." Ela sorriu. Olhos azuis e cabelos encaracolados. Ela apontou em direção da cabana. Stanley ouviu os uivos mais altos. Os lobos estavam se aproximando. Ele se arrastou atrás da menina. Muitos metros adiante, Stanley viu uma clareira e uma velha cabana de lenhadores. Emilly abriu a porta. O rapaz entrou mas se assustou com a violência com que ela fechou a porta. -"Aqui estará a salvo, moço!" Stanley sorriu e fechou os olhos. Estava exausto. Adormeceu ali no chão do refúgio. Tempo depois, sentiu um toque suave no rosto. Emilly limpava seus ferimentos. -" Não vá ao porão, Stan. É perigoso." Ele sentiu o perfume dela. -"Onde estão seus pais, querida?" Ela se virou. Os braços cruzados. -"Não me chame de querida, sou Emilly. É assim que papai me chama e não gosto. Ele trabalha no porão. Mamãe é cadeirante." Stanley sentiu um calor. As forças das pernas voltavam. A lareira estava acesa. Emilly sorriu. -"Quebrei a mesa e a queimei. Não precisamos de mesa pois não temos alimentos. Não preciso de alimento mas você sim." Stanley se lembrou da caixa de comida no carro. Certamente tinha explodido. Ele mediu a garotinha. Deveria ter cerca de treze anos. Estava bem gordinha para alguém que não tinha alimento nenhum. Ela se virou. -"Eu como frutas da floresta. Mamãe fazia tortas antes de papai a deixar inválida!" Ela parecia adivinhar seus pensamentos. Emilly foi até a janela. A neve caía pesadamente. -"Ficaremos presos, Stan. Logo a neve vai cobrir a janela." Ele não se lembrava de ter dito seu nome a ela. A cabeça rodava. Emilly sentou em frente a lareira. Brincava com pedrinhas coloridas e uma velha boneca. -" Essa é a Nina, minha boneca. Coloquei amoras e cogumelos no armário. Pode comer as amoras, se quiser. Os cogumelos são venenosos." Stanley adormeceu. Era tarde da noite quando ele despertou com frio. Emilly o cobriu com um cobertor pesado. De manhã, estava melhor. Uma velha cadeira serviu de apoio. Ele se colocou de pé, finalmente. A lareira tinha carvões mornos. Um velho armário. Uma lata com feijões e uma garrafa de água. Ele tomou um gole. Procurou facas nas gavetas. Nada pontiagudo para abrir a lata. Pregos, uma pedra. Conseguiu abrir e comer o feijão, nem se importando com a data de validade. As janelas não abriam, tampouco a porta. Tentou, em vão, empurrar a porta. Um quarto. Uma cama velha e um criado. -"Certamente a nevasca tinha isolado a cabana! Estou numa geladeira." Pensou ele, aterrorizado. As pedrinhas coloridas em frente a lareira. -"Emilly!!!" Gritou em vão. Ele se virou. -" Vá embora, forasteiro." Stanley ouviu uma voz masculina. Ele olhou e não viu ninguém no quarto. O corpo arrepiado. Viu um vulto num canto.-"Vá embora, rapaz. Deixe-nos em paz!" De novo escutou a voz misteriosa. -"Se é o pai de Emilly, ajude-me!" Gritou o rapaz. Stanley viu a entrada de um porão, perto de um armário. Ela

estava trancada com um cadeado enferrujado. Stanley resolveu descansar. Em frente a lareira, adormeceu. A noite caiu. Stanley vasculhou a cabana e pensou em sair pelo telhado. -"Desista pois não pode sair pelo telhado! Papai não vai lhe ajudar pois é do mal." Ele se virou. Emilly estava atrás dele. Ela apanhou as pedrinhas coloridas. -"Seu pai. Ele pode me ajudar a sair daqui. Tenho que voltar a Chicago." Emilly olhou para ele. -" Você é lesado? Já falei que papai não vai ajudar. Brinca comigo, Stan? Há tempos não brinco com ninguém. " O rapaz se ajoelhou. -"Eu brinco. Vamos brincar, querida." Emilly sorriu, satisfeita. -"Podemos queimar as cadeiras e nos aquecer, Stan." Batidas de dentro do porão. Gritos de terror e medo. O rapaz correu e tentou abrir o cadeado. Emilly tapava as orelhas com as mãos. -"Eles querem sair. Seus pais estão aqui, Emilly?" Ele sentiu o corpo estremecer. -"Emilly! Responda." Stanley sentiu a cabeça doer. A respiração ofegante. Ele viu homens com máscaras e luvas. Luzes fortes. O barulho de sirene. Os paramédicos tentavam reanimar Stanley. Três semanas em coma. -"Vai morrer, rapaz! Deveria ter deixado Emilly em paz!" Stanley viu o espírito de um homem, ao lado da maca. Era a mesma voz que escutara na cabana. Ele o viu nitidamente. Era o pai de Emilly. -"O que faz aqui? Você está na cabana!" O homem se aproximou e começou a apertar o pescoço de Stanley, entubado. -"Morra, intrometido!" Stanley viu a mãe de Emilly no canto da UTI. Ela estava amarrada a cadeira de rodas e não podia ajudá-lo. Stanley podia ouvir os médicos. -"Não vai se salvar. Sairá daqui para o necrotério." O estado de Stanley melhorou após as visitas e orações dos pais. Assim que abriu os olhos, o médico lhe disse: -"Teve sorte, rapaz! Seu anjo da guarda é poderoso!" .A família e amigos foram visitar Stanley, assim que saiu da UTI. -"Não se lembra de nada?!" Perguntou a namorada. -"Bem, Roxanne, só lembro da nevasca, as luzes do caminhão, a ribanceira. Só disso!" Uma perna enfaixada, um braço quebrado e luxações. -"Vai ficar aqui por uns dias, Stan. Terá que fazer exames neurológicos!" Disse o médico, saindo do quarto. A namorada o abraçou. -"Graças àquela garotinha nós o encontramos, Stan!" Stanley se arrepiou. -"Me encontraram? Garotinha, que garotinha?!" Ele olhou sério para a namorada e os pais. -" Apesar de sua última mensagem, as equipes de buscas não encontraram seu carro. Três dias de intensa procura pela polícia e voluntários. Era noite quando uma garotinha, chamada Emilly, surgiu na estrada. Ela disse a um policial onde você estava. Disse que estávamos procurando do lado errado da floresta." Dois meses depois, totalmente recuperado, Stanley quis voltar ao local de seu acidente. A namorada insistiu em acompanhá-lo com o xerife Howard. Com dificuldade, chegaram ao local em que o carro estava. -"Você estava aqui, deitado na neve!" Disse o policial. Stanley olhou para os lados. -"A cabana! Está por aqui, xerife! Eu vi." O policial olhou para o horizonte. -"Há uma cabana a oitocentos metros, perto do rio Finley. É a mais próxima daqui, Stanley. A cabana dos Mackenzie está fechada há décadas! É amaldiçoada, ninguém entra lá." Stanley abraçou a namorada. -"Eu estive lá, tenho certeza. Não estou maluco. Não sei por quanto tempo estive lá. Emilly está lá!" O policial sorriu e tirou o celular do bolso. -" Se acalme, filho. Vou ativar o Google. Vamos lá. Mackenzie, cabana, crimes! Achei." O policial mostrou algumas fotos a Stanley. -" Essa garotinha é a Emilly. É ela, o mesmo vestido e penteado. O pai dela, a mãe na cadeira! Meu Deus." Gritou o rapaz. O xerife tirou o chapéu. -"Emilly Mackenzie desapareceu há sessenta anos. Acharam uma cartinha dela, relatando abusos e outras coisas horripilantes. Encontraram os corpos dos pais no quarto mas a garota nunca foi encontrada!" Disse o policial. Stanley estava horrorizado. Ele caiu de joelhos e chorou. -"Eu sei onde ela está! Sei como matou os pais!" Eles voltaram a cidade. -"A cabana é assombrada apenas a noite. Temos que ir lá durante o dia, xerife!" Disse Stanley, exaltado. Dias depois, uma equipe com dez pessoas foi até a cabana. Stanley e Roxanne estavam com eles. -" Ela os envenenou com cogumelos tóxicos. Há um porão, Emilly está lá dentro. O pai a trancou, antes de morrer envenenado." Stanley orientava o xerife. Uma policial encontrou a entrada do porão, debaixo de um armário. O piso de madeira foi quebrado. O local estava todo iluminado. Peritos encontraram um esqueleto de criança, ao lado de uma boneca surrada. Stanley, de luva e máscara, viu as pedrinhas coloridas. -"Nina!" O nome bordado na roupa da boneca. O caso ganhou os jornais. Stanley deu a Emilly uma bela sepultura, debaixo de um carvalho. De alguma forma, aquela garotinha salvara sua vida! Stanley e Roxanne se casaram, dois anos depois, em Lansing, no Michigan. Mudara de estado devido a uma boa oferta de emprego no escritório de advocacia do tio de Roxanne. -"Ela está aqui, papai. Minha amiguinha!" Stanley sorriu. -" Durma, Lilith. Amanhã cedo tem escola. Não há ninguém aqui. Vou deixar o abajur pequeno aceso. Boa noite. Te amo muito." Roxanne estava na cozinha. -"É normal ter amigos imaginários aos sete anos, Stan! Lilith não é diferente!" Ele abraçou a esposa. -"Vamos dar a ela um irmãozinho?" Lilith se virou. -" Que bom que trouxe a Nina, Emilly." FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 21/11/2020
Reeditado em 22/11/2020
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