Nas colinas do querer
Tomamos nossas idiossincrasias como uma versão acabada do mundo. Isso é, ou tem grande chance de ser, um erro crasso. Daqueles que apunhalam abissalmente e, ao sair, vão rasgando todas as certezas patéticas que nos construíram até aquele esclarecedor momento.
As duas personagens aqui eram (eram em uma realidade que se apresenta como única, forçoso esclarecer) estes clichês que perambulam nos becos sujos, mal acabados, dos relacionamentos amorosos padrões e arquetípicos observados necessários numa sociedade que engole tudo sem mastigar.
Os dois imbuídos em um arabesco de quereres do mais urgente imperativo biológico estavam em suas notórias jaulas de convenções a respeito do maniqueísmo natural sobre o certo e o errado. Uma avenida pavimentada de estereótipos que, como todos, obrigam seus crentes a posturas vulgares e unilaterais.
Até que, pois sempre há um até que, o metabolismo cansou de sustentar aquela turbulência da fisiologia, intrínseca aos apaixonados, e um dos pares iniciou as invectivas a outrem. E, outrem correspondeu à falta de pudores natural da cupidez que risca o fósforo do desejo.
O ignorado, antes porto das inclinações mais lúbricas, agora eivado de biliosidade, socorreu ao desespero matemático da situação. Apelou, pois apelar é o verbo incondicional aqui, ao ominoso. E o ominoso, sempre prestativo para ominosidades, atendeu ao grito do amor abandonado. Legou ao ferido a nódoa do malsão e, assim, exigiu a urgência da atitude reclamada.
Carlos e Patrícia hoje não se largam, e largam qualquer ideia cristalina sobre o sentimento fraudulento que a cultura insiste em pintar com o verniz da virtude.
Carlos e Patrícia se odeiam. Este sim, original. Estima-se que este ódio os garante a cola universal de todo empreendimento humano. A decepção.
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