Sequiosa - CLTS 13

Tema: Sete Pecados Capitais

“Pecai, pecai! Mas, cuidai! Ou, sede aquele um que já não mais podeis”

(Soneto da incontinência)

Lede, e julgai. Pois, a natureza, quando expulsa pela porta, retorna, em dobro, pela janela, já esclareceu o aforista .

Mas, não faça uso das normas morais enviesadas pelos acordos atuais. Elas, sempre, ignoram nossa essência, atemporal e indiferente. O corpo grita, e a razão se cala, então.

Intróito entregue, vamos à estória de Nana. Ou, melhor, o excerto que nos foi permitido. Que ancorou esta narrativa.

Ia, em sua beleza de contradição velada, aquele capital estético imbuído em regras não definidas pelas convenções, existindo uma vida de vicissitudes permitidas, quando eis ser atropelada pela matéria de densidade única a constituir as inclinações do apetite, aquele um que opugna os sentidos soldados da lógica e súditos da Razão.

Haveria de ser um destes prazeres contumazes, que sabendo o que provoca , provoca para saber. Aqui confessaram todos os pecadores, todos os cabritismos regulares, e também os requintados. Nana era predicado apetecível em todos os adjetivos, ao arrepio da afirmação desta introdução. Nana ia contando aquela idade onde a inocência é proibida por lei, e a indecência um atributo jurídico.

E foi assim, como apenasmente o assim providencia a compressão, que o usufruto de seus atributos lhe pregou a peça que entregava aos demais.

Façamos a justiça que a justiça mesma não nos faz: Nana não percebeu o aríete se aproximando. Um lacônico passeio na história deste evento prova ser ela a regra, não exceção. Tal estatística a inocenta, a priori, da barafunda inata do devir.

Entretanto, a condena ao poço dos vícios intrínsecos. Disto, não há quem se salve.

Um belo dia, que se faz no contexto de quem dele pode tirar alguma paz, Nana ia tendo com suas questões. Neste dia, belo, cruza-lhe Feliz. E, com o olhar oblíquo e dissimulado, emprestado de Capitú, dividem as mesmas intenções. Feliz e Nana exalam o cediço papel que cumprem todos os assaltados pela demência para a qual alienista algum detêm remédio!

Feliz, o arauto do fatalismo que observou à Nana seu opróbrio, era homem douto e arquétipo natural da concupiscência que reside na fresta ética, rachadura metafísica, a lograr cada um que sente atufar lábios, vulvas e glandes, diante da lascívia. Feliz, torso espadaúdo, braços rijos e quadris estreitos, estofo intelectual que ombreava-se ao totem de macho estereótipo, defenestrou as certezas de Nana sobre os limites, cria ela, claros entre virtudes cardeais e seus antagonismos. Feliz pegou Nana no pináculo de suas convicções a respeito de valores incorruptíveis e quebrou-lhe a espinha das verdades que sustentavam Nana em suas ingenuidades mais figadais.

Num passeio ao epílogo de suas narrativas, Nana, em Feliz, arguiu onde haviam colocado todos os sabores multifacetados que, agora, apresentavam-se-lhe no prato do desejo?

Feliz, ao escutar -lhe os pensamentos absolutos em indignação epistemológica, respondia com uma prática ignorada por Nana. Que chegava, mesmo, a ornejar em gozo, no clímax de sua beligerante volúpia recém registrada.

Então, porque o então é condição universal de qualquer existência, o fastio iniciou seu trabalho. Indelével, inevitável . Em Feliz. Retardou em Nana. E Nana iniciou sua inexorável queda ao precipício da única loucura que encontra apoio na desgraça. A da indiferença.

Avança o dia. Avança o mês. Avança em Feliz a falta da falta, único alimento do estômago libertino. Avança em Nana o que avança nas aduncas garras do terror. O mais régio de todos. Que parido é por Eros. O seu títere, seu flagelo! Avança em Nana o amor que se perde!

Da episteme que apoia cada nesga de nossas particulares maneiras para lidar com o mundo, mundinho, que nos cerca, como bicho acuado, nasceu em Feliz novo gosto, por outras ancas, outros seios, outras línguas, outros outras ! Porque não há alternativa além para o degenerado de cátedra e confissão.

E, seguiu. Feliz o Feliz. E, foi atrás Nana, a idiossincrática Nana, como sói condenados sabem seguir, imiscuídos em sua idiossincrasia pasteurizada.

*****

O bar pululava de gente, sempre gente. Que não vale um quinhão. Onde o investimento ganha sempre do retorno. Gente que ri. Gente que perdigota. Com halitose. Gente que anda sendo gente. Mas, que fode. Aqui o sentido uno.

Feliz, sentado ao balcão, cerveja a mão. Na mão. De gole em gole, cantarolava no ouvido moco de uma em sentinela pelo lúbrico. Risos transitavam à gargalhadas, que ressumavam em nuvens de gotículas espargidas para o claustro do sexo em inchaço! Todo arabesco sendo tramado de acordo com o roteiro aprovado pelas divindades libelistas !

Nana viu. Nana via. Também cerveja. Mais gole ainda. Furibunda ia, também. Olhos apertados de quem pela raiva se foi em ira. Nana resolve. Resolveu antes de saber. Encontrava-se no alpendre em ruínas da cólera. Encerrava suas forças no heroísmo dissimulado dos iracundos. Nana gozava do ódio pétreo, o úbere da vendeta! Fuça-lhe, pois, as vísceras, em erupção, dando outra volta na biliosidade, e insta: vá, mulher!

Quebra o fundo da garrafa. Pontinhas, pontas e adagas de vidro se apresentam. Nana chega rápido. Rasteiro. Nana punciona. Depois, Nana, rasga. De orelha a orelha. Nana e Feliz, que olha com olhos assistidos pelo que se há de assustar.

Não evocamos com competência a cor, tampouco a textura. Um amálgama de cheiros ferruginosos, uma pletora de aflições vermelhas . Aí está o máximo que a língua portuguesa permite. Borrifava da garganta aberta, fruindo com violência ao balcão, à moça de mocos ouvidos e garganta gritante. Escorria preguiçoso até o chão, terminando em poça túrgida. Pegajosa.

******

A nave que permitia o acesso à cela estava imbuída em púmbleo catedrático. Aquele onde a pedagogia de sua natureza é professora competente. Antes de atingir o catre álgido, logradouro onde Nana fincou compulsória residência, podíamos, podemos, ouvir, e escutar, lamúrias poéticas, lamentações em prosa, e robustas ameaças. Estas recrudescidas pela agudez solene que deixa o timbre dos celerados.

Epílogo

Solilóquio

- Uma flecha que aprofunda sem que a sintamos! Oh!, mil vezes!, que multiplicar-se-á por mais mil! Um ornamento para o sofrer, como a maquilagem para a beleza o é! Veja, Nana, veja onde nos meteste! Oh!, mil vezes! Mil vezes!

- Nana, sua autocracia licenciosa há de nos enterrar inda mais. No abissal do versos obscenos tal qual cultivavam no Império!! Nana, sua estúpida! Nana, larga-te! Parta em corrida! E, acelere! Nana, não suporto mais a dor! Nana!

Peroração

“A carne é crápula

sob o olho cego

do desejo.

A carne é trôpega

se fala sob o pêlo

de outro desejo alheio.

A carne é trêmula

e fracta.

Crina de nervos,

veneno de víbora,

a carne é égua

sob o cabresto

de seus incestos

sem freios.

Fálica e côncava,

intrépida e férvida,

a carne é estrábica

nos entreveros

do sexo

com seus desacertos

conexos.

Sob o olho

sem mácula e cego,

a carne é crápula

nos arpejos

indefesos

de seus perversos

desejos”.

(Mário Chamie)

Desde a tenra infância, Keca insinuava vestir uma personagem que nos é pouco clara. Obscura aos costumes, mesmo os que não costumamos. Ao caminhar, juravam que, em um átimo, era algo mefistotélico de se contemplar. Um que perturbava o estóico mais resoluto! Um rótulo do corpo que desfaz a etiqueta impressa nos papéis que urdiram representar-nos.

Keca, et al de suas peroraçoes, esvaziando a retórica retilínea que engessa a miríade de possibilidades de quem quer amar sem aguardar a reciprocidade nula do objeto que se ama, pois todo alvo deste é, por definição, um castrador dos gatilhos que lhe calharam.

Keca entra ali. Keca senta à mesa, com suas amigas. Keca blasé como o é toda homenagem inata ao afrodíseo. Keca levanta. Vai à pista. Nesta, Keca exubera sua deferência ao pecado mais original. Keca vê. E, se vê, deseja. E, se deseja, lhe falta. Se falta, punciona. E, o ensaio torna-se crônica. Que, como sabemos, está no precipício das tragédias.

Outrossim, era cediço estar em sua epiderme a reputação da mãe. Passional em pináculo, quando em epítome era obsedada pelas paixões .

Que destino podia ser outro? Que destino, invento mais numa pergunta, podia? Seria um pândego, sem talento, inventariar fatalismo diferente. Há o determinismo. A condição biológica imperativa, para qual fuga é matéria proibida. Sejamos honestos. Keca avisou. Escutamos, ou não, a vida é nossa. Estragamos como achamos melhor.

Agora levantamos as mãos ao céu, rogando uma explicação que, se vier, nos tomba. Seria Zeus açoitando com seus raios. Zeus fornicando com nossas esposas que, como Keca, e sua mãe, acham que fornicar está para a autoestima como o sangue para o dedo amputado.

Quando Otávio ingressou, uma solar inclinação logo se fez. E, se fez cobrando de Keca uma reação. E tais cobranças, insultos ao epicurismo helênico, sabido temperança, não se rogam outra coisa a não ser seu apetite. Um cheio de presas e vontade inflexível.

Quando Otávio iniciou a carreira diplomática do tédio, natural em corpos que muito se esfregam, Keca, ainda absorta nos desejos mais desejantes, arguiu:

- Não há outra possibilidade, Otávio?

Não, sendo o não que define o que o não tem que ser, a resposta dele catapultou, aos borbotões da miséria em dor, a insensatez que nos abalroa quando lidamos com mais da verdade do que somos capazes.

“Não faze a outrem aquilo para o que nascemos, ou aguarde a peste na carne e o opróbrio n'alma"

(Textos sem filantropia)

Otávio era rapaz bom. E bonito. Até demais, brincava sua mãe. E, era mesmo. Explica a alíquota de loucura que inflaciona um louco já a priori. Hoje, Keca, na cela, da ala, no solilóquio, ri efusivamente . E, chora. Aos cântaros. E , Nana, faz coro.

A hereditariedade é uma péssima senhora