A FLAUTA

Resende . RJ - 11h18 p.m.
 
     Edgar se deu conta de tudo que passou, pela primeira vez, naquela noite tempestuosa de 17 de março de 2020. Isso porque tão estranha quanto os eventos desta noite, tinha sido a sua morte em 24 de dezembro de 2019, véspera de natal. Então, a lembrança era inevitável e ele foi até a lareira e remexeu nas brasas com o atiçador para ter certeza que não faziam parte das cinzas os restos mortais de Omar. Nesse momento a solidez daqueles tijolos se desfez e um a um foram caindo, desmoronando na exata proporção do buraco feito na lareira da casa da Rua Afonso Martins, em Atibaia, na noite em que morreu. Horroziado, duvidando de todos os seus sentidos, da sua sanidade, segurava a cabeça como se fosse possível fazer tudo aquilo parar. Jogou seu corpo sobre a poltrona de couro e foi sugado no fluxo do tempo para 24 de dezembro de 2019, em sua mente.
 
     As luzes de natal iluminavam a rua do outro lado. Daquele lado nenhuma lembrança da data cristã. A névoa azulada que se acentuava no horizonte abaixo de nuvens roxas que se amarrotavam, trouxe amargura ao coração de Edgar e ele sentiu frio. Usou seu cachecol e o chapéu que estavam no cabideiro e dirigiu-se até a lareira. Pegou um braço humano esturricado que se desmanchou. Esmigalhou os dedos e pôs as cinzas em seu cachimbo. Sentou-se na poltrona de couro com um copo de uísque e fumou o cachimbo. Gargalhava como louco e gritava:

     -Oh, Omar. Você provou, não é? Pode-se enganar a morte. Só que não foi você quem a enganou. Você foi o enganado. Brinde comigo. E jogou o resto do uísque sobre o cadáver carbonizado que jazia na lareira. Depois se serviu de mais uma dose.

     Os lampejos que riscavam as janelas e precediam os ribombeios dos trovões, conectavam Edgar à realidade quando seus devaneios no passado recente esmaeciam.
     
     A casa era velha e tudo rangia. A madeira estalava constantemente. A mobília trazia aquela atmosfera ancestral e mofada que empesteava o ar como vírus invisíveis que se agarravam a tudo e causavam doenças na mente. Ele sentia tudo isso numa intensidade extraordinária ali.
Os ventos fortes da tempestade abriram a janela do salão e as cortinas sacudiam freneticamente. Ele correu para fechar, mas ao olhar para fora teve um tremendo susto devido à aparição e caiu desmaiado. Tudo se apagou.

     Matilda. MÁ-til-da, assim mesmo. Iniciando com a sílaba: MÁ, traz logo toda a sua carga arrebatadora de vilania e tormentos para a vida do coitado Edgar. Os olhos negros e pesados, inquietos, que não se fixavam muito tempo em qualquer alvo fixo, menosprezando assim tudo que tocassem com a superioridade do mais arrogante dos deuses, sequestraram aquela pobre alma em maio de 2019. Sete meses antes da sua morte. A qual, na verdade, pode ser considerada consequência direta deste casual encontro.


09 de maio de 2019,
Diamantina . MG, 00h25 a.m.


     A sedutora morena de cabelos lisos e pretos, que refletiam a luz azulada da lua cheia naquela noite movimentada, chamava a atenção de todos os homens da bodega. A requintada e clássica arquitetura açoriana e as ruas que se cruzavam ascendentes e descendentes num emaranhado vertiginoso, deixavam tudo com um ar mais fantasmagórico e nostálgico. Mas foi ela, Matilda, quem percebeu Edgar naquele canto. Calado, pensativo. Alguém que não parecia estar interessado em diversão, nem em fazer amigos. Omar, marido dela, passou a observá-la, observando o estranho sentado sozinho. Foi o início do fim para os três.

     -Deixe-o em paz, velho cretino. Olha pra ele. Não é nenhum velho rico e egocêntrico com tempo de sobra para joguinhos ardilosos e sujos como nós estamos acostumados. Eu me prendi a ele, por alguns segundos, bem por causa disso. Como deve ser viver assim, sem surpresas nem sustos. Uma vidinha banal, que se sabe exatamente onde vai dar. Eu tenho sonhos assim e acordo sempre assustada.

     Edgar, que encarava o casal agora, reagiu com espanto as gargalhadas de Matilda, que deitou a taça de champanhe na boca de Omar, a fechou e após fazê-lo beber, a abriu e a beijou. Foi um beijo envolvente e sufocante. A mesa em que estavam agitou-se ainda mais. Os presentes divertiam-se de forma extravagante e de uma hora para outra todos pararam e ficaram sérios e imóveis o encarando. Edgar não sabia o que pensar. Omar ria para ele sem poder se conter. Alguém cochichava no ouvido da morena ao lado daquele homem debochado. Edgar o odiava, sem nem conhecê-lo. Ela levantou-se e veio em sua direção. Ele olhou para trás, como já fizera antes. "É comigo"? -pensou, -estava só. Com quem mais seria? Sentiu um nó na garganta. Engasgou. Tossiu e virou a cabeça para o lado. Matilda ria do jeito atrapalhado do Edgar e de como fingia uma tosse estabanada para se esconder e disfarçar o mal jeito. A maneira despudorada da moça não devia chocá-lo, pois mesmo na fábrica do pai em Resende, muitas iguais a ela rebolavam e se esfregavam nos homens e tantas outras que conheceu em suas viagens inúteis que serviam para justificar ao pai não fazer nada significativo em prol da empresa.
     
     -Meus amigos apostaram comigo que eu não poderia te convencer a entrar numa caverna assombrada a esta hora da noite para contar histórias ao fogo e ver o que acontece. Se conseguimos acordar alguns espíritos. Eu disse que iria tentar.

     Edgar ajeitou o terno, aprumou-se, alinhou o chapéu, depois deu um olhar de desdém para os tais amigos apostadores. Ela passava as mãos no seu colar de pérolas, alisando as pedras e mordia os lábios, o espreitando com aqueles olhos incômodos. Chamou acenando com a mão, ela debruçou-se sobre ele enquanto todos na outra mesa se agrupavam como abutres para ver de perto o espetáculo. Voltaram de mãos dadas e Matilda o apresentou, primeiro para Omar, depois para os demais do grupo. Levaram garrafas de champanhe e conhaque ainda fechadas e fumavam cigarros e charutos. Edgar pareceu entrosado. Embora algumas encaradas atravessadas de Omar pronunciassem algum ressentimento velado.


Caverna dos tormentos,
Diamantina . MG, 02h23 a.m.


     A amplitude na cavidade do interior da terra dava o tom tenebroso das estórias fantásticas que ecoavam relutantes antes de calarem fundo no coração de Edgar. Estórias tolas de fantasmas e assombrações. E essa que o fez gelar, de uma flauta que se tocasse determinada partitura tinha o poder de evocar os espíritos. Essa forte impressão se deveu ao modo como Omar narrava. Convincente, assustado, com os olhos injetados e sem vacilar.
     -Quando eu soube da flauta, passei a procurá-la em toda a parte. Mas parecia uma lenda, como a arca da aliança ou o cálice sagrado. Perdi as esperanças. Até que descobri que um colecionador inglês chamado Peter Homewood também a procurava e tinha sido mais eficiente em sua busca. Apoderou-se, pra se ter uma ideia, da partitura, talhada em um vaso grego, da canção a ser tocada na flauta para que se despertasse os mortos. E sabia de um dos três portais em que seria possível, entoando a canção, ressuscitar aquele que fosse invocado. Um desses locais é aqui onde estamos agora. A narração hipnotizante fora interrompida por Ivan, um dos componentes do grupo, amigo de infância de Omar, que derrubara a garrafa de conhaque que segurava. Todos, sem exceção, acompanhavam apreensivos e instigados aqueles relatos curiosos e depois do baque uma pequena discussão principiou. Estavam todos muito bêbados, mas Edgar conseguiu reunir a atenção deles novamente com a pergunta:

     -Se este é um desses portais, é por isso que estamos aqui? Você tem a flauta?

     -Não se apresse, Edgar. Eu vou chegar lá. Mas antes de continuar preciso avisar que não foi fácil achar o tal Peter. A busca pela flauta e a obtenção do poder que ela atribuía a quem a possuísse, foi desenfreada e generalizada. E ele era o principal alvo nessa caçada. Tal como a corrida do ouro na Califórnia. Algo nunca visto antes. E ironicamente por acidente acabei o encontrando. Não que eu estivesse em Istambul por acaso, mas não procurava mais por ele. Tomando um café numa cafeteria de esquina, o vi saindo de uma mesquita, vestido como um muçulmano e nossos caminhos só se cruzaram, porque ao me levantar da cadeira, acabei esbarrando com ele que passava apressado. O homem, lépido, juntou um rolo de papel que se abrira ao cair no chão e me xingou sem nem olhar para trás seguindo com a mesma pressa. Via-se que a educação não era um dos seus pontos fortes. Mas aquele rolo que juntara com tanta agilidade, escondendo, preocupado que alguém percebesse, detinha um mistério. Algo que valesse a pena uma investigação minuciosa. E como um último fio de esperança eu me agarrei nisso e voltei ao hotel, de onde já tinha feito as malas naquela mesma manhã e renovei as diárias para mais uma semana.

      Peter se hospedara num hotel mais barato, ali perto. e durante o dia ele percorria 56 quilômetros todos os dias até um sítio arqueológico abandonado e começava a escavar.

     O que esse cara sabia que passou batido em todas as minhas pesquisas e estudos? Quer dizer, a flauta era de origem grega e se tem conhecimento que ela pertenceu ao acervo de tesouros pessoais de Napoleão e se perdeu na Itália. Onde foi relatado pelo próprio que foi roubada. Cinquenta anos atrás porém surgiu a notícia que abalou a comunidade científica e os arqueólogos, de que um colecionador particular a vendeu a um museu russo pela bagatela de 5 milhões de dólares. E isso é tudo que se sabe, pelo menos oficialmente. Este artefato mágico está entre sarcófagos amaldiçoados de faraós e toda uma horda de lendas passadas, as quais, poucas pessoas, como eu e Peter ainda se importam. Além daquelas que são ricas, é claro, e querem gastar seu dinheiro em alguma coisa e não sabem em quê.

     Mas eu o deixei fazer o trabalho duro. Aguardei com paciência para poder agir. Ele tinha dois funcionários que o ajudavam. Levou bem mais de uma semana como eu previ inicialmente. Foram três longos e exaustivos meses e eu esperei. Quando acabou eu o vi matando seus dois funcionários. Um a queima roupa e outro pelas costas, quando tentava fugir. Estava terminado. Era hora de entrar em ação. E aqui está a flauta. Disse Omar, para espanto de todos. Abruptamente ele interrompera sua narração em seu momento crucial para revelar o artefato e não falou mais no assunto. Mesmo com todo o burburinho que se fez em volta disso. "E depois?" - "Como você conseguiu a flauta?" - "E o Peter? O que aconteceu com ele?" - Perguntas que ficariam sem resposta.

     Omar começou a tocar a flauta. Inicialmente nada aconteceu. Começavam a rir e caçoar. Alguns comentários eram: "Mais uma estorinha tola de fantasmas, "Nessa você nos pegou, Omar", - Mas aos poucos uma neblina densa e azulada brotava do chão e foi ficando frio, muito frio. Gemidos foram ouvidos de várias partes. Os espíritos dos vivos se alternaram de alegres para aflitos, enquanto os espíritos dos mortos levantavam-se de onde nunca deveriam sair.

     Em segundos uma forma indefinida se aglutinou e passou a se formar na frente de todos. Um cavalheiro com roupas de nobre do século XVIII. Flutuava no ar e irrompeu numa velocidade espantosa para cima de Omar soprando-lhe o rosto. Imediatamente então o mais empolgado de nós caiu com a cara no chão, como se estivesse morto e a flauta que estava com ele elevou-se fantasmagoricamente no ar, em posse do espírito, que começou a tocá-la. Saíram todos correndo dali, com medo de também serem mortos.


Atibaia . SP, 24 de dezembro de 2019


     Depois do ocorrido em Diamantina Edgar não teve mais contato com nenhum deles até esta noite. Era véspera de natal e a casa abandonada dos pais parecia o lugar perfeito para passar aquela odiosa data comemorativa. Um casal de empregados dos seus falecidos pais passaria o natal ali com ele. Adélio e Gertrudes, que o criaram desde que nascera. Seria uma despedida. A casa, inventariada para a partilha de bens, seria fechada logo. Assim estava combinado.

     Mas Adélio e Gertrudes só chegariam às 22h, tardiamente portanto. Depois de consumados esses eventos terríveis que serão relatados.
Enquanto bebia seu uísque tranquilamente, pensando em tudo que aconteceu naquela estranha noite em Diamantina, Edgar percebeu um barulho vindo da lareira. E ao olhar viu que as brasas que queimavam estavam se reagrupando e se montando, como blocos de montar. Na hora olhou para o copo e teve a reação espontânea de jogá-lo sobre o fogo. Recuou se debatendo na poltrona. Olhava para a mão estendida à frente, para ver se seus nervos não estavam abalados pela bebida. A coisa tomou ainda mais corpo e começou a andar. Formavam pernas, um quadril, a cintura. Um corpo feito de brasa que queimava. Pegou o atiçador e usou para lutar com a coisa. Mas o que quer que fosse aquilo, era forte, e segurou o objeto com força e imobilizou o outro braço de Edgar, o empurrando no chão. O atiçador passou a milímetros de furar a sua garganta e ele engoliu a saliva em seco.

     -O que é você? Perguntou, totalmente imobilizado pelo medo.
-Sou eu, Edgar. Seu amigo Omar. Não me reconhece mais? Onde está a flauta? A flauta? Eu preciso dela.
A voz da criatura, que dizia ser o Omar, era rouca, e monstruosa. Ele redirecionou o atiçador para o ombro de Edgar e cutucava enquanto fazia ameaças.

     -Eu não sei da flauta. Saímos todos correndo depois do que aconteceu. O fantasma que você invocou com aquela música atordoante disparou contra você e você caiu. Parecia morto. Todos achamos que você tinha morrido. Eu não tive mais contato com ninguém desde então. É tudo. Eu juro. Aiiiiiiiiii, pára! Tá doendo muito.

     -Desgraça. Uma desgraça caiu sobre mim. Você não entende, não entende. Não são espíritos, não são. São demônios. Os príncipes do inferno. Dizia Omar ainda naquela forma monstruosa, como madeira queimada. Sentou-se na poltrona onde antes Edgar estava sentado e começou a chorar. Edgar levantou-se segurando o ombro, que sangrava. Passou a ter pena do amigo e de sua maldição.

     -Acho que você lidou com poderes que estavam além dos seus domínios e não estava suficientemente a par de tudo que isso implicaria.
-Mas alguém tocou a flauta e corre perigo agora. Porque o demônio que se apossou de mim agora tomou outro corpo e foi o de quem a tocou. Fico me escondendo agora nessa forma hedionda em que me encontro. Buscando as respostas. Preencher as lacunas.

     -E o que descobriu? Indagou Edgar.

     -Que a flauta é tocada para evocar um dos sete príncipes do inferno. São atribuídos a cada um os sete pecados capitais. O que se apossou de mim é Mammon, o da Ganância. E quando evocados, existe um encantamento que quem toca a flauta tem que saber. Esse encantamento torna o demônio invocado seu escravo. Se este encantamento não for recitado, o demônio pode terminar de tocar a flauta com a canção que só os demônios conhecem e assim expulsar a alma do vivente e se apossar do seu corpo até que outro o invoque.

     Enquanto conversavam a campainha tocou. Edgar, pensando que eram seus empregados, pediu que Omar se escondesse. Não poderiam o ver naquela forma. Ele voltou para a lareira. Já que seria um lugar onde ele poderia se disfarçar perfeitamente.

     Quando porém Edgar abriu a porta, não era a visita que esperava, mas Peter Homewood, que ele não conhecia, só ouvira falar das histórias. Era um homem alto, magro e louro. Usava chapéu e se vestia de maneira desleixada, camisa abarrotada, por fora das calças e tinha um jeito bem bronco de andar e agir. Empurrou Edgar que caiu no chão e começou a vasculhar tudo. Mas quando viu a lareira, incompreensivelmente reconheceu quem estava ali. E tirou a flauta de uma bolsa transversal que carregava. Enquanto tocava a melodia horrenda Edgar levantou-se e com um vaso na mão tentou parar Peter. Mas o arqueólogo virou-se e o atingiu com um punhal na barriga e voltou a tocar. Então um por um, todos os 7 demônios foram aparecendo e a cada um Peter recitava o encantamento para que dominasse sobre eles. Asmodeus (luxúria), Azazel (Ira), Belphegor (preguiça), Belzebu (gula), Leviatã (inveja), Lúcifer (soberba) e Mammon (ganância). Porém, ao invocar Mammon, não foi um demônio que apareceu, como os outros. Mas o que parecia ser uma forma humana, toda deformada, como consumida pela lepra.

     A criatura não deixou que Peter recitasse o encantamento e cortou sua garganta com o seu próprio punhal, aparecendo atrás dele. O sangue jorrava de sua garganta e a criatura leprosa ávida por sangue se banhava com ele e se lambuzava. Porém quando viu Edgar caído, morto, se lamentou: "Oh, não!" Sua voz, como a de Omar, não era humana, mas também não era monstruosa como a dele. Era aguda e entrecortada, trêmula, aquosa, como se falasse debaixo d´água. O ser então vasculhou na bolsa do arqueólogo morto e achou dois cacos de cerâmica brancos, um maior e outro menor. Usou o menor para recitar o encantamento e assim concluiu e encerrou para sempre os 7 demônios em seus domínios. Pelo menos foi o que achava. Desta forma, dotada de faculdades além das suas, o ser tocou a flauta de novo para ressuscitar Edgar. E quando ele levantou e viu a cena, saiu correndo. Mas a criatura não o deixaria em paz tão fácil.


Resende . RJ, 17 de março de 2020 - 11h43 p.m.


     Edgar acorda assustado. Ele viu alguma coisa. Era Matilda. Mas não era ela. Estava diferente. Confuso, desorientado, caminha. Um zunido no ouvido o deixa aéreo, sem eixo. A casa o lembrava a casa dos pais em Atibaia. Por isso pediu as chaves para a imobiliária que prontamente lhe cedeu. Era um homem muito rico e reconhecido, de boa índole. Trabalhou até tarde aquele dia e então resolveu pernoitar na casa. Uma aventura, para relembrar algumas coisas do passado. Coisas que ele não deveria querer lembrar, mas queria. Só que agora Edgar começou a se sentir muito cansado de tudo aquilo. O vazio que não se preenchia com nada. Sua vida regada a vícios, mulheres, prazeres.

     Quis ir embora. Pegou as chaves do carro e saiu pela noite chuvosa. A tempestade daquela noite era terrível e descomunal. Os raios riscavam o céu incessantemente e os estrondos dos trovões poderiam fazer Zeus sentir inveja. Mas depois que um raio caiu tão perto, que o clarão iluminou tudo em volta e atordoou Edgar, ele viu afinal, com uma nitidez impressionante. Sentada ao seu lado, Matilda. Naquele corpo deformado e doente. Era ela. Cada raio que iluminava os céus trazia nítido o seu rosto, para que ele lembrasse dela como ela era. "Me ajuda. Me ajuda. Eles me arrastaram pro inferno. Eu sou prisioneira. A flauta. Preciso que você me liberte. Não desperdice a flauta como eu fiz. É um truque. Eles querem tornar esse mundo o inferno deles e precisam de nós para isso. A casa. Você tem que voltar lá." Mais um clarão e tudo se apagou.
Anderson Roberto do Rosário
Enviado por Anderson Roberto do Rosário em 13/11/2020
Reeditado em 26/08/2021
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