Sozinho
A fantosmia havia surgido pouco depois de sua morte. Meu médico dizia ser uma condição peculiar, claro, e que investigaríamos a etiologia para trata-la. E, assim, me devolver ao mundo normal. Como se houvesse algum. Mas, sim, entendia a sentença e a desejava.
No entanto, piorava. Recrudescia regularmente. As alucinações começaram a parir outras. Agora, visuais. Meu médico ia claudicando em sua legítima tentativa de auxiliar-me. Os remédios eram tímidos, se muito, em seus propósitos.
Uma ano após sua passagem, ela estava comigo , só comigo , em seus fragores ímpares. Seus cheiros abalroavam-me logo cedo. Um ano de sentimentos mensuráveis ainda pelas memórias evocadas por seus odores. Fragrâncias fantasmas que me assombravam.
Quando cheguei, aquela noite, aquela fatídica, após um dia de trabalho mais exaustivo que o habitual, em casa, esperando senti-la em meu nariz, para minorar o stress, golpeou-me um inédito cheiro. Desta vez ruim. Ácido. Flertando com o agridoce intrínseco da putrefação. Pus-me no alerta natural a estas situações . Saí buscando sua fonte. A dedução inclinava para um pequeno roedor morto no início da manhã, que tratou de apodrecer durante o dia todo trancado naquele apartamento, sob o calor intenso daquele verão causticante.
Mas, eis minha surpresa em horror ao, aproximando-me do batente da porta de nosso quarto, ser obstado pelo malsão!
Ele enviara-me olhos febris e sentenciosos. Encarava-me com a certeza que só o vil é capaz.
"Agora alucinarás, coitado de ti, comigo também. Farei companhia a ela que, a propósito, senta em cama de vocês e chora, esfregando-se com a lavanda barata que lhes fez laço afetivo"
Nunca mais fantosmia. Dela. Com ela. Já, ele? Ele!! Oh!! Que fedor só eu sinto.
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