O BEBÊ

O bebê encontrado no lixo e a mulher que não podia ter filhos, e que ainda por cima, trabalhava num orfanato. Sim…Parecia um encontro perfeito. “É um MENINO!” - E parecia ter 5 ou 6 meses de vida e ela enrolou seu corpinho num pano perdido na bolsa… O bebê a princípio não chorava… e isso era estranho. Tinha apenas um olhar atento, fixo no rosto dela; Bondosa, amável... subindo com todo cuidado os degraus de um ônibus lotado.

Chegando ao orfanato, foi cercada por colegas de trabalho e algumas crianças também…Todos curiosos e chocados. Uma criança posta no lixo como objeto indesejado, inútil, um móvel desnecessário numa sala de estar… Era apenas mais um. Foi imediatamente acolhido e amado…

Milagrosamente o bebê sentiu fome e bebeu do leite que brotou dos seios da mulher, levando a lágrimas e expressões boquiabertas… e em seguida dormiu por muitas horas. Todo mundo observava… todos estavam meio pasmos, desconfiados e ao mesmo tempo, emocionados com a situação. Até que anoiteceu…

Era meia-noite... Todos dormiam exceto a mulher, que apenas cochilava por poucos minutos e acordava o tempo inteiro, pra ver se o bebê estava bem. E então ele abriu os olhos bem devagar e pôs-se a chorar pela primeira vez…deixando a mulher terrivelmente desesperada. Com ele no colo, cantou as cantigas que ouvira na voz de sua própria mãe, quando era criança…Memórias que pareciam apagadas, mas estavam ali bem nítidas… Mas a criança não parava de chorar, cada vez com mais força… Colocou o bebê no peito, mas ele se virou furiosamente, passando a chorar com muito mais raiva, acordando todas as outras crianças do orfanato. Todos foram se aproximando curiosos e também muito irritados…

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As luzes começaram a piscar como num curto circuito e um barulho estranho surgiu do telhado da casa. Era como se alguém estivesse lá em cima tentando se comunicar com a parte de dentro. Primeiramente com duas batidas, depois quatro batidas, seguidas novamente por duas; “TUM, TUMP… TUM-TUMP-TUMP-TUMP… TUM, TUMP.”. As crianças e babás se sentaram juntas e apavoradas, passaram a rezar… Quanto mais rezavam, mais alto o bebê chorava… as luzes piscavam mais e mais... e o barulho no teto ficava também mais forte e contínuo. O reboco velho das paredes ia rachando, soltando poeira e tremendo.

As crianças se abraçavam chorando, mas o choro do bebê abafava qualquer lamento emitido por todos ali. A mulher que não podia ter filhos… Já pensava e agia como uma mãe, de longos dias. Mas no fundo sabia que o bebê tinha algo de errado. Apertou-o contra si, horrorizada… Pois todos os funcionários e crianças... numa conspiração silenciosa, resolveram cercá-los e avançavam lentamente. Continuaram orando em voz alta. Estavam tristes… Pois os sacrifícios existem para dar um basta no mal, numa maldição.

Uma das babás mais antigas da casa – agindo como se já tivesse visto tudo aquilo outras vezes… - sem pestanejar pegou uma chave de fenda guardada na bolsa. Será que ela aguardara por todos aqueles anos a chegada daquele bebê?? Isto na verdade… não importa. Nada mais era importante. Pois todos concordaram com a sentença de morte.

A mulher que não podia ter filhos (e agora tinha...) gritava, se debatia, esperneava e atacava todos que tentavam se aproximar. Mas foi em vão… O bebê foi arrancado com fúria de seus braços. Arrancaram-lhe a criança e rapidamente entregaram-na nas mãos da velha mulher, que sem o menor sinal de pena, deu duas punhaladas certeiras no peito da criança amaldiçoada, que morreu imediatamente.

De joelhos, a mulher que perdera o filho, urrava num grito de desespero que ecoou por toda a cidade… (e dizem que até hoje pode ser ouvido bem na hora da morte às 4h56min) ... As outras crianças do orfanato se aproximaram dela e passaram a acariciar os seus cabelos e braços. Todos choravam, todos sentiam sua dor… e de repente as luzes acenderam. Já era quase manhã e os primeiros raios de sol invadiam as brechas das janelas e telhas… O barulho no telhado sumiu. E o orfanato voltou a funcionar como se nada tivesse acontecido.

Pois o silêncio foi combinado em silêncio.