Meu Nome é Ardat

I

- Papai, para onde o vento vai? - A menina perguntou.

- Para onde ele quiser. Ninguém sabe de onde ele vem, nem para onde ele vai, e ele faz o que ele quer.

II

Apesar de beirar os trinta anos, Rui nunca teve um namoro longo, e achava cada vez mais difícil conseguir um. Sua justificativa era que os únicos lugares onde podia conhecer alguém interessante era na internet ou em um bar, e ele não se sentia confortável em se relacionar com alguém que conheceu em nenhum dos dois lugares. Ele já estava aceitando a ideia - um exagero, diga-se de passagem - de que ficaria solteirão mesmo. Até o dia em que a conheceu.

Ele estava voltando para casa de sua livraria predileta, folheando sua mais nova aquisição - uma trágica historia de amor e obsessão entre dois irmãos adotivos - quando deu de cara com a mulher dos seus sonhos. Ela não era nenhum mulherão, mas ele a achou perfeita no primeiro e nos próximos olhares. As pupilas dela, cercadas por íris castanhas, se dilataram e sorriram junto com o rosto que se iluminou com o pedido de desculpas desajeitado de Rui ao se toparem. Ela tirou uma mecha do cabelo negro do rosto e sua face pareceu se iluminar ainda mais quando disse:

- Esse livro me deu sono. Os personagens são entediantes. - Rui se sentiu hipnotizado com o pequeno piercing labial dela. - Prazer, Ardat.

- Ardat? Que nome curioso. Qual é a origem?

- Eu não faço a menor ideia.

Eles riram, e caminharam juntos, sem pressa, conversando animados. Quando chegaram à casa de Rui, desajeitadamente ele a chamou para sair.

- Que tal amanhã? - Ela disse. - Não gosto de marcar coisas para "um dia desses". O dia geralmente nunca chega.

E combinaram hora e local. Depois de se despedir, ele ficou como que hiptnotizado o resto da noite, e o dia seguinte todo. Sentia-se um adolescente apaixonado, e em uma intensidade tal que ficou pensando que nunca havia se apaixonado de fato. E, como um adolescente, também começou a ficar ansioso. Só então percebeu que não haviam trocado número de telefone, e nem sequer sabia o sobrenome dela. E se ela estava sendo apenas educada ao aceitar o convite? E se ela estava zombando dele? E se ela sofresse um acidente de carro e não tivesse como avisar? Seu estômago começou a doer lá pelas dez da manhã por conta disso, e deu um nó quando atravessou a porta do restaurante. Mas ela já estava lá, esperando por ele, em um vestido branco que marcava sensualmente o seu corpo esguio.

O encontro foi incrivel. Conversaram e riram durante toda a refeição, com uma intimidade e conexão tão profundas que parecia que se conheciam há anos. Depois do jantar, deram um passeio pelo parque próximo ao restaurante. Ele precisou reunir certa coragem para pegar na mão dela. Rui se assustou porque ela estava muito gelada, mas ela riu e disse que era ele quem estava muito quente. Ele corou, e acreditou que devia ser isso mesmo.

***

Rui foi acordado com Ardat se mexendo bruscamente ao seu lado. Ele demorou alguns segundos para se dar conta de onde estava. Em sua casa, em sua cama, com aquela mulher maravilhosa ao seu lado, vestindo uma camisa dele. Que dia é hoje? Sexta, ou melhor, madrugada de sábado, não ia trabalhar. Olhou o celular, passou um pouco das três da manhã. Ardat se sacodiu de novo. Ela pareceu estar tendo algum tipo de pesadelo horrível ou coisa assim. Seu corpo todo suado tremia muito, seus cabelos muito embaraçados grudavam no rosto e testa.

Então ela gritou, um grito tão alto e assustador que pareceu a Rui que a casa tremeu. Ele tentou acordá-la, em vão. Seus lábios tremiam, e palavras incompreensíveis saiam de sua boca. Embora suasse, o corpo dela parecia frio como gelo, tão literalmente que ele não conseguiu sequer tocá-la. Ele acendeu a luz, e só então percebeu que a pele muito branca da mulher - do tipo que fica facilmente vermelha com um tapa - havia ficado cinza-azulada, com profundos hematomas roxos em volta da garganta, como se alguém a tivesse estrangulado. Ela abriu os olhos, suas pupilas estavam tão dilatadas que cobriam quase todo o olho, e elas o encararam com um ódio tão profundo que, se ele não tivesse ficado paralisado, teria saído correndo.

Ela saltou em uma velocidade sobre-humana da cama e voou no pescoço de Rui, apertando-o com suas mãos geladas e muito fortes. Ele tentou gritar, mas não conseguiu. Mas os olhos, ah, os olhos, eram tão cheios de ódio que o assustavam mais do que a morte iminente e inevitável. Lágrimas quentes escorreram pelo rosto dele, contrastando com o resto do seu corpo que estava ficando frio como o da mulher. Ela começou a gargalhar ameaçadoramente ao ver o sofrimento dele, e sua risada era como a risada de muitos homens, de muitos monstros. Quando as bordas da sua visão finalmente ficaram turvas, ela aproximou seus lábios sem vida do seu ouvido e disse as últimas palavras que Rui ouviu nesse mundo:

- Meu nome é Ardat.

III

José não queria uma namorada, ele queria um emprego de verdade. Algo mais emocionante que ser gerente de uma lojinha de roupas. Ela entrou na loja para devolver um vestido branco, dizendo que havia ficado apertado demais, e o vendedor afirmou não ser possível por causa do regulamento da loja. Ela pediu para chamar o gerente, e lá estava José. Ela não era nenhuma atriz de novela, mas era bonita o suficiente para se tornar popular na internet postando fotos de decote nas redes sociais.

- Mas senhora, são as regras da loja, me desculpe... - Ele tentava se justificar. - Não trocamos roupas sem defeito.

- Pode me chamar de Ardat. E o problema... - Ela olhou por um momento para o crachá dele. - ... o problema, José, é que a vendedora que me atendeu naquele dia disse que eu poderia trocar se eu não gostasse do vestido.

José prestava pouca atenção ao que ela de fato dizia. Seus olhos eram apaixonantes, seu corpo todo era apaixonante. Mais do que isso, era como se ela tivesse acionado um botão no seu cérebro para que ele, daquele momento em diante, fosse capaz de enxergar beleza em tudo, como se um mundo totalmente novo se abrisse diante de seus olhos. Desse jeito seria fácil para ela conseguir o que queria, mas após alguns minutos ela finalmente desistiu, sem parecer frustrada ou irritada, e foi embora. José, por sua vez, havia sido fisgado.

Nos dias que se passaram ele só conseguia pensar nela. Ficou se martirizando por não ter pedido o telefone, por mais antiprofissional que isso fosse. Com um nome incomum desses achou que seria fácil encontrar Ardat nas redes sociais, mas não conseguiu achar nada além de fakes e um sujeito com cara de maluco que morava na Índia ou coisa assim. Mas na semana seguinte, providencialmente, ele a viu em uma cafeteria, pedindo um Colômbia. José não frequentava um local caro como aquele, mas quando a viu pela janela, não pôde resistir.

- Opa, eu conheço você. - Ela disse, deixando-o meio sem graça. - Você é o sujeito que não quis a minha roupa.

- Ah, não, não é bem assim... - Ele riu, sentindo-se imediatamente ridículo por sua risada feia e nervosa.

- Experimente um desses. - Ela disse, apontando para o seu Colômbia. O movimento que ela fez, involuntariamente ou não, acabou tornando seu sutiã preto visível através do decote. - Por minha conta, pelo seu atendimento gentil.

Ele sorriu e aceitou. O café era forte demais.

- Horrível, não? - Ela disse e explodiu em uma gargalhada. - Maldito seja o desgraçado que subiu a Cordilheira do Andes para colher uma porcaria de café desses.

***

- Já ouviu as lendas sobre o rio? - Ardat disse, quebrando um período de alguns minutos de silêncio. Ela e José estavam apoiados sobre o parapeito de uma ponte, às dez da noite, olhando para o grande rio que cruzava a cidade. Ela estava usando aquele mesmo vestido branco apertado que tentou devolver na loja.

- Lendas? Que lendas?

- Dizem que alguma coisa mora nele, um monstro, sei lá.

- Essa porcaria é suja para caramba. Tem prédios que jogam o esgoto clandestinamente aí. Duvido que alguma coisa consiga morar nessa água podre.

Ardat não respondeu. Quando, depois de alguns segundos, ele olhou para ela, Ardat havia tirado o vestido e revelava sua lingerie vermelha.

- Fala 'duvido' eu pular aí.

- Que isso, você é louca? - Ele riu, olhando ao redor para ver se não havia ninguém por perto. - Não digo por tirar a roupa aqui, digo por querer entrar nesse valão.

Ela se aproximou de José e fez menção de tirar sua camisa mas, ao invés disso, ela o abraçou. Era um abraço muito forte, e o cheiro gostoso do seu cabelo no nariz de José o impediu de perceber, tarde demais, o que estava acontecendo. O aperto se tornou mais e mais forte, até que as costelas e coluna dele estalaram. Ele tentou falar, mas a voz não saiu. Tentou empurrá-la, mas ela se plantou firme no chão.

José sentiu como se seus órgãos estivessem sendo esmagados, seus joelhos se dobraram, suas pernas perderam a força, e então ela o beijou, seus lábios eram frios e rachados, e um líquido quente e pegajoso, com gosto de ferro, jorrou da boca dela para a dele. José tentou cuspir, mas não conseguiu. Sentiu como se o pouco espaço que havia em seus pulmões por causa do aperto dela fosse preenchido pelo líquido. Quando finalmente perdeu a consciência, ela o jogou para dentro do rio como se seu corpo fosse feito de papelão.

IV

O redemoinho de vozes acordou Ailton de seu sono agitado. Sua esposa, Marina, dormia pesadamente, parecendo inabalável pela violenta movimentação dele na cama. Ela com certeza não ouvia aquela legião de vozes que perturbava a cabeça dele há alguns dias de tempos em tempos. Era um zumbido sem sentido, vozes inumanas, que falavam coisas que ele não conseguia compreender, mas o tom e a intensidade delas, mesmo quando estavam mais baixas, demonstravam claramente que seja lá qual fosse a origem daquelas vozes, havia muito ódio ali.

Ailton se sentou e tentou se concentrar mais uma vez nas vozes, para tentar distinguir alguma coisa, perceber alguma frase. Como resposta, elas ficaram mais altas na cabeça dele, mas não mais claras. Olhou por um momento para sua esposa, seu corpo enorme e horrível já não o atraia há muito tempo. Por isso, o caso com Ardat parecia-lhe inevitável. Ele se justificava com a velha desculpa de que estava simplesmente satisfazendo uma necessidade orgânica, como a fome e a sede. O pensamento dela incendiou sua mente, aquele longo cabelo negro, seus olhos castanhos sedutores, pele clara e macia, curvas magras e atraentes. Tudo que ele queria naquele momento era tê-la de novo, não importava as consequências.

Deu uma última olhada no corpo de Marina, bufou de frutração e se levantou. Foi para a cozinha, serviu para si mesmo uma bebida forte. Ela costumava deixar seus ouvidos literalmente zumbindo, de modo que ele esperava que fizesse aquelas vozes pararem. O líquido marrom queimou sua garganta, mas não acalmou em nada a sua mente. Tomou mais uma dose e, com a coragem renovada, enviou uma SMS para Ardat: "sinto sua falta".

Ele esperava que ela respondesse no dia seguinte, e que eles pudessem se encontrar no fim de semana, mas ela parecia estar esperando por ele, porque alguns segundos depois veio a resposta: "sinto sua falta também". Seus dedos ficaram dormentes, muito mais provavelmente por causa da excitação do que pela bebida, de modo que ele teve um pouco de dificuldade em escrever uma resposta. Marcaram de se encontrar. "Quando?", ele perguntou, salivando. "Daqui a dez minutos, na pracinha".

Ele não podia acreditar. Era quase 1 da manhã. Nem em sonhos ele poderia pensar que teria seu desejo pela mulher atendido assim, tão rápido. A pracinha de que ela falava ficava no fim da rua; ele não sabia onde ela morava, mas pelo tempo que ela colocou, ela devia morar bem perto da praça, bem perto dele, o que lhe foi uma grande surpresa. Ou talvez ela estivesse zombando. "É sério?", ele perguntou. Ela demorou dois minutos para responder dessa vez: "estou saindo de casa agora, não se atrase, você sabe que eu odeio atraso".

Ele coçou a cabeça e, cambaleando (de novo, por causa da excitação, não da bebida), colocou uma calça por cima da ciroula e, com a camisa em que estava mesmo, voou para seu carro. Ele achava que ela só estava com ele por dinheiro, então não tinha necessidade de se arrumar; só pegou o mais importante, a carteira e a chave do carro. Por sorte a balofa da sua esposa dormia igual um urso, ela não ia nem sentir sua falta. Tudo o que importava era saborear aquela mulher maravilhosa, e aqueles lábios...

- Tão doces como o mel... - Ele disse para si mesmo, só então notando que a frase não era um pensamento seu, mas vinha das vozes que ouvia. Conseguia distinguir nitidamente alguém falar em meio ao turbilhão de sons desconexos. Ele deveria acordar às cinco da manhã para trabalhar, mas nada nesse mundo ou no próximo o impediria de ter o que queria. Tomou mais uma dose, correu para o seu Ford Ka vermelho e saiu em disparada. Ela estava lá, sozinha na pracinha, usando um vestido branco bem apertado, esperando de costas para ele. Quando ela ouviu o carro, virou-se e irradiou em um sorriso que iluminou todo o seu rosto.

- Você andou bebendo? - Ela perguntou quando ele se aproximou. Sua voz era maravilhosa, simplesmente indescritível. Soava como um sussurro, mesmo quando ela falava alto, suave como a brisa, como uma canção de ninar; como, talvez, a voz de um anjo. "Suave como o azeite", ele ouviu na sua cabeça, e dessa vez ele não sabia se era sua própria voz ou uma daqueles que ele ouvia. Aliás, cada vez mais, as vozes na sua cabeça se tornavam indistinguíveis de sua própria voz interior. Mas ele estava disposto a ignorá-las para estar totalmente naquele momento.

- Como você sabe? - Ailton perguntou, rindo.

- Eu sinto o seu cheiro. - Ela sussurrou no seu ouvido e o deixou todo arrepiado. "Amargura", ele ouviu uma da vozes dizer. - Entra no carro. Eu dirijo.

Ailton se sentou ao lado de Ardat, que assumiu o volante. Ele ficava maravilhado com cada movimento dela. Trinta segundos depois do carro dar a partida, a mão dele avidamente procurou suas curvas, mas ela lhe deu um tapinha.

- Não é a hora ainda.

***

Parecia que ela estava dirigindo por um tempo, mas ele não prestava atenção. As vozes se tornaram mais e mais insistentes na cabeça de Ailton. Ele amaldiçoava em sua mente o fato de ser atrapalhado em seu momento de êxtase por seja lá o que estivesse acontecendo, provavelmente um problema mental. As vozes abafavam tudo ao seu redor, até o som do motor do carro, mas ele fazia um esforço absurdo para que Ardat não notasse nada. Ele queria entender mais palavras, mas a única que conseguiu distinguir depois que entrou no carro foi "sofrimento", repetida algumas vezes, espaçadamente.

- Ela está descendo para o mundo dos mortos. - Ardat quebrou o silêncio, falando bem devagar, e Ailton percebeu que as vozes em sua cabeça faziam coro com ela, ou ela fazia coro com as vozes, que diziam a mesma coisa. Lágrimas, que estavam sendo seguradas há muito tempo, correram pelo rosto da mulher, enquanto ela acelerava mais e mais. - A estrada em que ela anda é o caminho da morte. Essa mulher não anda na estrada da vida...

- O que você está dizendo? O que... o que está acontecendo?

- Ela caminha... - Ardat fala mais devagar ainda, quase sílaba por sílaba. Suas lágrimas enxarcam seu pescoço e alcançam o decote. A essa altura o carro estava a quase 140 km/h. - ... sem rumo... mas ela não... sabe disso.

- Pare, pare o carro, agora! Pare! Por favor, pare o carro!

- Eu preciso... eu preciso fazer isso... mas eu não posso levar você comigo. Eu não posso.

As vozes pararam. Ardat começou a diminuir a velocidade, um pouco bruscamente demais, de modo que o corpo deles foi forçado para frente pela inércia, pelo que tiveram que se segurar. Quando o carro finalmente parou, eles se viram bem na beira de um desfiladeiro, o que fez Ailton arregalar os olhos. Mais um segundo e eles teriam voado para a morte. Ardat abaixou a cabeça, seu cabelo negro cobrindo todo o rosto, e começou a soluçar. Ailton aproveitou o momento para pegar a chave do carro e guardar consigo.

- Meu amor, o que está acontecendo? - Ele perguntou quando teve coragem. Imediatamente ela se virou para ele, não mais com aquela expressão alegre e tênue de sempre, mas seu rosto estava cinza, com grossas veias azuis por toda a parte, sua mandíbula tensa, e os olhos, embora completamente branco e vazios, transmitiam um ódio demoníaco.

- Não me chame de amor! - Ela respondeu, com uma voz gutural. Não, uma legião de vozes guturais em uníssono. Ela o empurrou com uma força sobre-humana, lançando-o para fora do carro. Ailton tentou correr, mas uma estranha pressão, como se houvessem várias criaturas pequenas e muito pesadas sentadas sobre todo o seu corpo, fez com que seus ossos doessem e ele mal pudesse se mexer.

- Por favor, não me mate! - Ele gritou, chorando. Lentamente, mas espumando ódio, Ardat saiu do carro e se aproximou dele, até gritar, a dois metros de distância, novamente com aquele coro de vozes infernais.

- Meu nome é Ardat!

- Não! - Outra voz interrompeu a cena. Essa era igualmente assustadora, mas transmitia uma estranha sensação de paz. Era poderosa, como o som de uma cachoeira, mas não tinha tom de ameaça. Ailton conseguiu levantar levemente a cabeça, e viu um homem cuja aparência ele não conseguiria mais tarde se lembrar com detalhes, mesmo que se esforçasse para isso; mas era um árabe, com uma barba pesada e sombrancelhas grossas. - O seu nome não é Ardat.

- Quem é você?! - As vozes berraram de novo por meio da mulher.

- Eu sou aquele diante de quem todos os demônios são obrigados a se prostrar. - O recém-chegado respondeu, e imediatamente a mulher caiu ao chão, rosto na terra, sem conseguir se mover. Ele se aproximou dela, com calma. - As coisas que estão oprimindo você dizem que seu nome é Ardat, mas eu te chamo pelo teu nome, porque você pertence a mim. Nayara, levante-se.

Nayara tremeu, e imediatamente foi libertada. Devagar, ela se levantou, os olhos cheios de lágrimas, e seu rosto brilhava de alegria, não mais aquele falso prazer demoníaco de quem maquina o mal, mas a felicidade de quem foi libertado de um longo sofrimento. Suas mãos ainda tremiam quando ela abraçou o homem, sorrindo, e chorava em seu peito.

- Era tão... doloroso... e frio...

- Sim, eu sei querida, eu sei. Mas agora já acabou. Eu vim de muito longe só para encontrar você, porque você é especial para mim.

- Eu? Especial? Por quê?

- Porque eu quero. Eu sou como o vento. Ninguém sabe de onde ele vem, nem para onde ele vai, e ele faz o que ele quer. Agora eu quero que você seja como o vento também. Você está livre. Aquelas coisas foram embora.

Ailton se levantou, seu rosto ainda transtornado pelo misto de emoções. O outro homem e Ardat foram embora, como que ignorando a presença dele ali. Ele precisou de mais alguns minutos para se acalmar e poder dirigir para casa. Ainda tentou encontrar Ardat - ou melhor, Nayara - nos dias seguintes, mas sem sucesso. Por um lado, ele ficou feliz porque, seja lá o tivesse acontecido com aquela moça, ela agora estava livre. Mas o que o apavorava, e o fazia acordar no meio da noite, era o pensamento de que aquelas coisas que estiveram controlando ela também estavam livres por aí.