Gêmeas

Elvira caminhava pelo cemitério encantada com as obras de arte que guardavam os restos mortais de pessoas comuns.

Ornamentos davam um ar de vida em um ambiente dominado pela morte. Flores frescas emanavam um doce aroma que remetia a campos férteis tomados pelo sol e contrastavam com o dia enegrecido por nuvens de chuva.

Havia ali um misto de fascínio, temor e respeito aos que já haviam partido.

Cética, Elvira não acreditava em vida após a morte. Para ela a vida era o maior presente do universo e depois do último fechar de olhos não havia continuidade, pois não havia o que ser visto, ouvido e sentido.

Estava perdida em seus devaneios quando notou uma figura feminina imóvel diante de um túmulo alguns metros à frente. Toda de preto, ela se assemelhava a uma das muitas estátuas esculpidas em jazigos espalhados pelo cemitério.

Suas mãos seguravam um rosário e estavam convertidas em uma prece. Sua cabeça curva evidenciava uma oração silenciosa.

Alheia ao ambiente que a cercava, a mulher não pareceu notar a aproximação de Evira e à medida que esta se aproximava, notou uma incômoda semelhança com aquela figura e agora escutava também suas orações.

Sua voz estava embargada, mas mesmo assim Elvira estava perto o suficiente para ouvir trechos de uma oração dedicada aos mortos. A voz lhe soava familiar, mas a cabeça abaixada não a permitia enxergar o rosto daquela pessoa que agora ela julgava conhecer de algum lugar.

Repentinamente a figura curiosa mudou de postura. Suas mãos saíram do sinal de prece, ela ergueu a cabeça e encarou Elvira. Por alguns segundos, nada aconteceu. Elvira sentiu um inconfundível medo e antes que pudesse dizer alguma coisa, a agora conhecida e não mais curiosa mulher falou primeiro:

-Elvira, que saudade – sua voz ainda embargada pelo choro.

-Marta, irmã! Eu estou aqui – Elvira sentiu um misto de alegria e desespero

Marta pareceu não ouvir e continuou:

-A vida é difícil sem você irmã.

Estática, Elvira observou o momento que Marta apalpou a costela esquerda. Nesse momento ela sentiu o toque, e ao levantar a blusa, na parte do abdome sentiu um pavor seguido de náusea dominar seu corpo.

Ali estava a cicatriz de uma cirurgia.

Em desespero, correu na direção da irmã e sem que percebesse, seu corpo atravessou o dela.

Marta sentiu uma brisa tocar seu corpo e sorriu:

-Sabia que você não me deixaria.

Sem escutar, Elvira se debruçou sobre o túmulo e antes o vazio a dominasse leu:

“Elvira – 20/09/1993 – 21/10/2019 - Unida pelo amor e separada pela dor. O sacrifício de uma vida por outra vida é o passaporte para a eternidade”.

Bonilha
Enviado por Bonilha em 21/10/2020
Código do texto: T7092673
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