VIZINHOS DE BAIXO
Luna esperava o tão esperado primeiro filho, havia perdido dois nos primeiros meses de gestação, isso a aterrorizava, porém, dessa vez daria tudo certo, tomava todas as precauções e tinha muito cuidado com o pré-natal. Assim, Leandro nasceu um bebê lindo e saudável. Luna e o seu marido, Max, estavam muito felizes, eram só sorrisos no hospital, a família Gaspar finalmente estava crescendo.
Nos primeiros dias em casa, Luna ainda se acostumava com a rotina de cuidados com o recém-nascido. Acordar de hora em hora na madrugada, correr para o berço para dar de mamar e dormir apenas alguns minutos por noite. Max acordava cedo para trabalhar, então para que ele pudesse descansar, Luna dormia no quarto do pequeno Leandro.
Os dias foram passando e a alegria foi sendo trocada pela irritação de uma mãe cansada. Aquilo que ela chamava de besteira de mãe fraca antes do nascimento de Leandro, agora se tornara o começo de uma história de terror.
A depressão pós-parto chegou forte na Família Gaspar, as brigas começaram por motivos fúteis e quase acabaram em agressões. Max tentava relevar, mas também tinha o estresse do dia a dia, do trabalho que ele não gostava e da pressão do chefe. Ele sabia que o momento era dela e aguentava quieto os xingamentos da esposa.
Enquanto o caso estava entre família, era suportável, o problema é que Luna começou a colocar a culpa da sua insônia nos moradores do apartamento de cima. Todos os dias ela ligava para a portaria reclamando dos vizinhos, alegando ouvir marteladas a noite toda.
Ao saber que estavam sendo acusados de interferir no sono dos Gaspar, Daniel e Mia, tentaram entrar em contato com o casal, mas não foram bem recebidos. Luna não acreditava, dizia que as marteladas eram sim, do apartamento de cima.
Dias passaram, reclamações contra os vizinhos eram todas as noites. O porteiro ligava e Mia respondia que já estava deitada e dormindo, portanto, o barulho não poderia ser de lá.
O momento derradeiro foi quando Luna dizendo não aguentar mais os barulhos, ligou para a portaria solicitando a presença de Verdana, a síndica do condomínio. A mesma a acompanhou até a porta do apartamento que Luna dizia vir o barulho. Chegaram bem perto, a síndica colocou o ouvido na porta, não havia som algum. Pegou o seu telefone e ligou para Mia.
— Alô! Mia? Boa noite… por acaso vocês estão fazendo alguma reforma no apartamento?
Luna olhava a síndica com olhos vermelhos de tanto chorar, a raiva a consumia, sussurrava dizendo que tinha vontade de partir para cima dos vizinhos.
— Boa noite Verdana! Não estamos fazendo nada. Inclusive estamos chegando daqui a pouco em casa. Aconteceu alguma coisa? — Disse Mia.
— Não tem ninguém em casa? — Perguntou a síndica.
— Não! Como eu disse, chegamos agora. Estamos estacionando o carro. — Completou Mia.
— Está certo. Te aguardo aqui. — Finalizou a síndica.
Menos de cinco minutos depois, Mia e Daniel chegaram a porta do seu apartamento e se depararam com Luna sentada no chão sendo amparada pela síndica.
— O que aconteceu? — Perguntou Mia.
— O que aconteceu é que vocês não me deixam dormir. — Respondeu Luna.
— O que você está dizendo? Perguntou Daniel.
— Luna! Acalme-se. — A síndica tentou apaziguar.
Luna teve um momento de lucidez, levantou-se e disse:
— Tenho que ir para casa, o meu marido deve estar chegando e deixei o Leandro sozinho.
Saiu em direção às escadas e desceu. Chegou no seu apartamento e ao pegar Leandro no colo, voltou a escutar as marteladas. Pegou o celular e ligou para a síndica.
— Alô Verdana! Foi só sair de lá que começou a bagunça, estão martelando de novo. — Disse quase que gritando.
— Olá Luna, não são eles que estão fazendo barulho, inclusive eu estou aqui com eles, ainda estamos conversando e não estamos ouvindo nada. O prédio está em total silêncio — Respondeu a síndica.
Luna desligou o celular e saiu correndo em direção as escadas, subiu em passos largos carregando o seu filho degrau a degrau. Foi em direção a eles e sem entender o que realmente estava acontecendo, apenas disse:
— Vocês estão querendo me enlouquecer?
Verdana, Mia e Daniel não disseram nada e ela virou-se e voltou para sua casa sem dizer mais nada.
Max chegou em casa e Luna começou a contar os detalhes do dia, chorava copiosamente, dizendo que estava enlouquecendo e que a culpa era dele. Gritava alguns palavrões e batia no rosto do marido. Ele sem saber o que realmente estava acontecendo, apenas disse:
— Eu não escuto nada a noite, você precisa se acalmar.
Luna pegou uma faca na gaveta da cozinha e foi na direção de Max. Ele pegou Leandro no colo e tentou chegar até a área de serviço. Luna os perseguiu e conseguiu acertar uma facada nas costas do marido, que com o impacto cai por cima de Leandro, pressionando a sua pequena cabeça contra o chão. Max pede a ela para parar e ao não ouvir mais o choro do seu filho, ela solta a faca e paralisa em frente aos dois. Max consegue sair de cima de Leandro, percebe que seu filho não está respirando e sem saber o que fazer, levanta e vai em direção ao telefone.
Luna abraça o filho e diz:
— Vá com os anjinhos, meu filho, lá não tem martelos.
Max ouviu a frase, abriu a gaveta das ferramentas e disse:
— Mas aqui tem!
Desferiu alguns golpes na cabeça de Luna, fazendo com que o chão virasse um rio de sangue.
Dessa vez, quem ouviu gritos, xingamentos e choros, foram os vizinhos de cima, que imediatamente chamaram a polícia.
Max foi preso, não teve forças para tentar explicar o que acontecera, na verdade, não havia explicação, os corpos estavam juntos, sem vida e envoltos de um tapete vermelho feito de sangue.
Após alguns meses de prisão, Max começou a reclamar dos barulhos noturnos, gritava pedindo para que parassem com as marteladas e os guardas apenas riam. O bloco que ele estava dentro do hospício não tinha vizinhos.