A DAMA DA ESTRADA

Havia algo estranho no ar.

Primeiro eu vi (em fração de segundos) uma poeira esverdeada passar por mim… e tive que fechar os olhos com força num terrível ardor. O coração batia forte e mesmo que minha mente não pudesse ainda conceber, meu corpo inteiro podia sentir que algo muito horrível estava acontecendo. Logo ao anoitecer entrei num bar perto de uma estrada escura. Eu era um forasteiro e todos me olharam ao mesmo tempo. O melancólico violão silenciou por um tempo. Acredito que após uma boa olhada em minha pessoa… concluíram que eu não oferecia ameaça. Então continuaram a beber e cantar, muito animados.

Eram homens grotescos, desarrumados, sujos e sem educação… E as mulheres se igualavam a eles com suas vestes rasgadas, cintas ligas desamarradas, imundas. E toda tamanha “imoralidade” que apesar de tudo era “pura” pois era selvagem… esfregavam-se e divertiam-se como animais.

Apenas uma estava ali sozinha num canto. A única que era realmente muito, muito linda… Bebi por algum tempo, sem olhar o relógio… pensando em me aproximar. Ela me olhava e sorria vez ou outra... Na verdade, eu estava me enchendo de coragem líquida, para poder sentar ao seu lado, mas não conseguia. A bela mocinha se levantou impaciente, batendo seus saltos com força no chão, com seus olhos focados nos meus… veio em minha direção rapidamente. Hoje percebo que deveria ter me questionado: por que a mulher mais bonita do bar estava completamente ignorada e sozinha?

Ela era forte... Magra, mas forte… Grande. Branca (na verdade, muito pálida). Seus olhos e cabelos eram pretos e contrastavam muito com toda a brancura restante. Um cabelo de amazona, escorrido quase tocando os quadris. Seu vestido e botas também eram pretos. Chegando até mim, fui o mais educado que pude, oferecendo alguns mimos, mas ela estava agitada… Parecia impaciente o tempo inteiro e até mesmo irritada. Agia como se já fossemos íntimos e eu tivesse me atrasado prum compromisso marcado com ela.

Sem dizer uma palavra me tomou pela mão e me puxou pra fora. Fazia frio e eu estava exausto e um pouco embriagado… ANESTESIADO, na verdade! Deixando tudo acontecer sem protestar, porém não serei hipócrita… Me deixei ser guiado. Por que estava totalmente atraído, hipnotizado… apaixonado por ela (e curioso também). Parando frente a estrada escura, ela pareceu se acalmar e me olhou com um sorriso lindo e terno… Quase infantil. Pegou meu braço como se fossemos um casal de longa data e em passos curtos, fomos andando juntos. Eu não sabia o que sentir… Estava feliz por estar com ela e ao mesmo tempo olhava ao redor constantemente… vendo apenas um imenso mar de árvores gigantes dentro de uma mata fechada e escura. E uma estrada vazia ficando pra trás.

Chegamos então no que parecia ser o final da estrada. E confirmando meu medo (e covardia)… a estrada não dava em lugar nenhum... Chegamos num terreno cercado de árvores gigantes e derrubadas, cujos troncos eram impossíveis de escalar ou mover... o que criava uma gigante barreira que nenhum humano podia passar. Eu estava preocupado, tenso… mas olhei novamente pra ela e ela parecia coberta de satisfação. Seus olhos brilhavam e sorria largamente, como a linda moça que era… ! Tentei questionar os motivos… era hora de entender por que estávamos ali. Porém o que recebi em resposta, foi apenas um beijo.

E este beijo me acalanta e assombra até os dias de hoje… tantos anos depois. Foi ao tocar seus lábios que descobri que não existia vida naquela mulher.

E neste mesmo momento em que a beijei, minha mente passou a trabalhar rápido; Logo visualizei o bar e todos ali… e entendi porque TODOS a ignoravam. ELES NÃO A VIAM! Quando abri os olhos, meu espanto e terror me fizeram dar vários passos pra trás, até cair… E então o demônio mostrou sua satisfação. Estava contente por ter me guiado ao desconhecido – onde ninguém pudesse me dar socorro, ou escutar meus gritos – Seus olhos se encheram de um vermelho que escorria como lágrimas de sangue por suas bochechas brancas. Aquele sorriso constante que me acompanhou e me fez amá-la tão rapidamente, agora estava largo, sanguinário e assustador. Acreditei que minha morte fosse inevitável e que nada restava se não pedir a Deus que me guiasse no além... Fechei os olhos em meio a gritos, preces e lágrimas...

Não sei quanto tempo passei rezando e chorando, me soou como horas, mas talvez tenham sido minutos! Inicialmente ouvia seu riso, e até o bafo de seu rosto bem próximo ao meu. O tempo se perdeu pra mim...

......

Acordei estava numa carroça, deitado sob palhas... e já era manhã. O fazendeiro que me encontrou, sorriu aliviado "pensei que não ia viver!" ... em seguida, contou que me viu delirando sozinho e caído pela estrada e me levou pra sua casa. Chegano lá, fui recebido por sua família e pude dormir novamente (por quase um dia inteiro)...

Quando acordei, fui alimentado e cuidado por sua esposa, por ele… e também brinquei com seu bebê recém chegado, assim como eu.

Comemos juntos como uma família. Com ajuda daqueles novos e abençoados amigos fui recuperando minha saúde e me livrando do horror que me assombrava. Mas, eu sabia que não podia ficar... e um dia antes de ir embora, sentei com meus amigos, lhes contei o que passei e porque estava daquele jeito na estrada. Eles acreditaram em minha história e meu amigo me deu um crucifixo de ouro, "que lhe acompanhe na viagem de volta… É tudo que tenho…”, me disse sorrindo e entre abraços e lágrimas eu parti...

Na metade do caminho de volta, meu cavalo parou e se deitou, parecendo exausto. De repente ficou muito frio, gelado... e mais uma vez o nevoeiro verde tapou toda a nossa visão da estrada. Era ELA! Estava à espreita… Pus a mão no crucifixo e a encarei com pavor… Mas ela não veio até mim. Uma única gota de lágrima vermelha desceu por seu rosto, caindo no ombro... e desde aqueles dias, sempre a vejo... minha "dama da estrada", parada me olhando, me acompanhando em todos caminhos escuros onde vou. Sei que conseguirá me beijar, um dia (talvez eu conte com isso) … E ela sabe que minha alma lhe pertence.

É a tortura da ESPERA... que a agrada ainda mais.