A NOVA VIDA DE TÂNIA

Acometida pelo susto, Tânia inspirou forte o ar noturno, expelindo, em seguida, os particulados ressequidos que se impregnavam em sua garganta. Ela estava no chão de barro, estatelada, sem entender o que estava acontecendo. Nenhuma lembrança tomava corpo em sua mente. Apesar das nuvens obscuras em seu raciocínio, não era essa a escuridão que mais a perturbava naquele momento. O que realmente trazia urgência eram as trevas em seus olhos. Ela não conseguia enxergar absolutamente nada.

Sozinha, sem saber onde estava, desprotegida, Tânia trazia no peito o medo moldado pelas histórias da fronteira. Relatos de ocorrências sombrias e situações sem explicação, onde personagens improváveis insistiam em existir, mesmo não sendo possível.

Logo, como se o ambiente pudesse ler os seus pensamentos, a vegetação começou a ser agitada pela movimentação incomum e repentina do ar. Logo, o que era uma brisa converteu-se num turbilhão de silvos e agonia. E, dentre os sons que o vento trazia, Tânia conseguiu descrever um em particular: era um assobio. Um ruído longo, estridente e perturbador.

Tânia não se lembrava de muita coisa, mas uma certeza ela tinha, se o assobio estiver perto, o ser que o produziu está longe. E, como o som que ela ouvia parecia estar distante, ela percebeu que precisava fugir depressa.

Com a urgência chicoteado suas pernas, ela correu. Como não enxergava, apenas torcia para chegar a algum lugar seguro, longe do demônio que galopava nos redemoinhos. Galhos e pedras se interpunham em seu caminho. Uma voz a perseguia num tom gutural: Tânia... Tânia...você não pode fugir de mim.

Em desespero, ela sentiu as águas do riacho alcançando seus tornozelos. Ela não tinha outra escolha a não ser se jogar no abraço gelado do leito. Tânia mergulhou, submergiu nas águas escuras do rio. Logo, ela não mais ouvia o chamado do vento, apenas o silêncio úmido lhe tocava. Em seguida, algo que ela julgou como um milagre ocorreu. As águas lentamente começaram a limpar suas retinas e ela pôde enxergar novamente.

Decidida, Tânia nadou até a outra margem. Mas, ao tocar novamente a terra, ela preferia ter permanecido cega, pois uma figura repulsiva a aguardava. O ser demoníaco, de pouco mais de um metro exibia uma fisionomia robusta, com uma tez que insinuava uma mescla de todas as cores ou a ausência completa delas. Suas pernas fundiam-se num só membro com um pé caprino como adorno. Seus dentes extremamente brancos exibiam um sorriso cínico, ornado por uma protuberância óssea que rasgava o seu queixo, vertendo dali uma fumaça densa e fétida.

Como um deboche à humanidade, a criatura exibia um trapo de pano escarlate sobre a cabeça. E de seus olhos da mesma cor apenas o mal existia.

- Tânia... Tânia... você não pode fugir de mim. Não pode se esconder do seu destino...prima!

Tânia não entendia o que aquele demônio queria dizer, até se dar conta de si mesma . De suas mãos escamosas pendiam garras afiadas e curvas. Com um movimento, percebeu que uma longa causa sinuosa fazia agora parte do seu corpo. Tocando o próprio rosto, ela percebeu a projeção insinuante, onde fileiras de dentes ornavam um sorriso mais maligno do que o do demônio diante de si.

- Sim, prima. O vento trouxe as lembranças de sua nova vida. Ouça, uma mãe canta para seu filho. É hora de você agir.

Flávio de Souza
Enviado por Flávio de Souza em 08/10/2020
Código do texto: T7082975
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