Ela vivia no limbo, andando sempre pela rodovia deserta à noite. Recusava-se a ir embora daqueles limites ermos, pois habituara-se à vida errante de atrair homens. Suas atitudes não tinham a intenção, mas, com o tempo, tornara-se uma lenda, uma espécie de sereia do asfalto. Não havia canto envolvente, não obstante o convite sedutor no olhar convencia os motoristas a cometerem erros fatais na condução dos veículos, mesmo contra a vontade deles.
Apresentava-se numa figura de mulher magnífica, trajando um espetacular vestido branco que lhe salientava as curvas voluptuosas, sedutora, em decote generoso, de seios fartos, de sapatos levados à mão, parecendo vir de algum baile nas redondezas a caminho de casa. Andava a passos vagarosos, desprotegida, encantadora, linda... e, sem que os incautos soubessem, inevitavelmente letal!
O cemitério onde fora enterrada não ficava muito longe de suas caminhadas noturnas. Sempre voltava para descansar no túmulo quando os primeiros raios de sol começavam a despontar por sobre a rodovia. Não gostava de ficar longe de onde morrera porque retirava do lugar a fúria necessária para não se condoer de suas vítimas.
Detestava lembrar de sua morte. Fora espancada, estuprada, esfaqueada e abandonada por seu algoz para morrer dentro do mar de capim alto que margeava a autoestrada, escondida dos faróis dos carros naquela noite terrível. Arrastara-se penosamente trilhando em sangue o matagal seco até o acostamento para pedir ajuda, mas não obtivera um gesto de clemência. Era julgada como parte de um plano de marginais para assaltar os motoristas. Todos covardes! Desalmados.
Seu desagravo cruel não se limitava à morte dos motoristas que cruzavam seu caminho à noite. A filha morta tomava parte nos sonhos da mãe. Dava-lhe provas do porquê estar sendo tão impiedosa. E quando ouviu o ronco do motor cansado de um velho Ford se aproximando lentamente pela estrada, soube que, mesmo após tantos anos, havia finalmente vencido.
O carro parou no acostamento. Uma senhora desceu do veículo, passando na frente dos faróis, que mal conseguiam perfurar a densa neblina da madrugada. Ao longe, quem passasse por ali, poderia ouvir o eco distante das músicas do baile de onde aquela velha, toda arrumada em seu melhor traje de noite, viera.
— Você venceu minha filha. Sim, você venceu. Não aguento mais isso – Reclamou a mãe para si mesma em voz alta porque, embora não pudesse ver, sabia que ela estava ali bem perto.
A senhora foi até a porta do carona, abriu-a com a cara fechada de raiva. Puxou pela gola da camisa o marido bêbado, sonolento. Ele tentou se desvencilhar, surpreendido até. No entanto, a mulher estava decidida. Forçou-o a ficar de joelhos à beira da estrada.
— Diabo, mulher, o que... o que você está fazendo? Eu não tô com vontade de mijar! — balbuciou o velho, a voz pastosa e vacilante pelo álcool.
Antes que o marido pudesse se levantar, a velha cravou a mão esquerda em seus cabelos brancos e, com a outra, sacou uma faca de cozinha de dentro do vestido. Com um único e decidido golpe, cortou-lhe a garganta. Ele não teve tempo sequer de gritar antes de cair de bruços no asfalto. Então, a velha calmamente limpou a lâmina no vestido, jogou a faca no mar de capim e voltou para o volante do carro.
Antes de partir, a mãe gritou para a escuridão. Justificou-se aos berros para o negrume da noite em palavras agoniadas de aflição dirigidas para o local em que a moça fora assassinada.
— Pronto, minha filha. Você está satisfeita agora? Deixe estes inocentes das estradas em paz e vá embora pra sempre. Acabou! Minha filha, acabou!
Assim, depois de olhar com desprezo para o padrasto esvaindo-se em sangue aos seus pés, obedeceu satisfeita. Naquela noite, a temida mulher de branco não se encaminhou para o túmulo ou abordou outro incauto na rodovia. Naquela noite, ela buscou o seu caminho para longe daqueles ermos com um sorriso pleno de vingança no rosto.
Aqui se faz, aqui se paga!