CHAMADOS PELA CANÇÃO
Pode parecer, em filmes que vemos e livros que lemos que o inferno é o lugar mais quente e animado para se viver. O céu é tranquilo e a terra…
A terra anda tão bagunçada que o diabo ficou com ciúmes…
Um homem estranho circulou pela pequena cidade, dirigindo um carro moderno, vermelho, de modelo importado, algo raro ali entre os moradores. O som potente que saía de dentro do veículo, fazia com que as pessoas tapassem os ouvidos com as mãos, mas isso até ele começar a falar. Os vidros escuros escondiam a figura do locutor de voz rouca e estrondosa, que convidava os moradores para a estreia de uma banda misteriosa e que seria às 6 horas da tarde do dia 6 de junho no estádio municipal e, que os ingressos seriam distribuídos no dia da apresentação.
Aquela cidade pacata virou um burburinho generalizado, o show seria daqui a dois dias e ninguém iria querer ficar de fora. O mais intrigante é que ninguém sabia qual estilo e nem sequer, quem se apresentaria. Mesmo assim, o único assunto era esse.
O dia chegou, o estádio tinha capacidade para 6 mil pessoas, porém, a população inteira rodeava o local. Todos cochichavam e se aglomeravam tentando conseguir o ingresso, até porquê, não teria para todos. O ambiente era escuro e sombrio, e a dúvida pairava no ar: “Quem era a tal banda”. Quando o ambiente já estava lotado, os portões fecharam-se, quem não conseguiu entrar, apenas virou as costas e voltou para sua vida comum.
Faltando seis minutos para começar o show, eis que surge um telão do meio do estádio, nele aparece três homens com seus instrumentos musicais emitindo sons de um puro e suave “Rock and Roll”. A gritaria então começou e as bocas não fecharam mais, aquela cidade nunca foi tão agitada e feliz.
O som parou e o vocalista falou:
— Nós somos os "THE LUCIFERS"!
Agora os músicos estavam em cima do palco prontos para animar ainda mais aquele público que já ficava impaciente, todos queriam ver em pele e osso os misteriosos artistas.
Assim deu-se início ao grande evento, a música começou a ser tocada e, mesmo desconhecida, todos cantavam como se já houvessem escutado. Aquele coral macabro gerava uma energia extremamente negativa, a ponto das poucas lâmpadas que ainda estavam acesas, estourarem, causando chuva de cacos de vidro. Algumas pessoas foram atingidas, mas o vermelho do sangue misturava-se com o breu do ambiente e a dor era superada pela adrenalina causada pela melodia vinda do palco.
“Eu te falei que eu ia te levar
Eu te avisei que não aceito não,
Te levarei pra onde eu quiser,
Pegue em minha mão e ande na mesma direção.”
Após o fim da música, o vocalista gritou:
— Vocês querem mais, querem vir conosco?
— Sim! — a resposta foi imediata.
Um solo de contrabaixo estremeceu a estrutura do estádio e no interior dos corpos das pessoas que se apertavam umas nas outras. A plateia que conseguiu entrar, nesse momento ria descontroladamente. A música foi a única ouvida a noite toda, cinco horas da mesma canção, algo que parecia não incomodar ninguém, a empolgação continuou.
O vocalista perguntou mais uma vez:
— Vocês querem mais, querem vir conosco?
— Sim! — Todos respondiam em coro, a pergunta do vocalista estranho.
Ele então esticou o braço direito na altura do ombro e com a mão no mesmo sentido, apontou em direção a plateia deixando a mão esquerda segurando a guitarra, gritou:
— Pegue em minha mão e ande na mesma direção!
Uma luz forte saiu das cordas da guitarra foi em direção a lua, deixando-a completamente vermelha e voltou como tivesse se chocado com um espelho refletindo aquele feixe de um vermelhidão nunca visto antes. Ao encostar no solo em frente ao palco, uma cratera foi aberta. A música permanecia tocando, as bocas ainda estavam abertas e cantando a mesma melodia, ninguém parecia notar as pessoas desaparecendo em meio ao calor que saía de dentro e, nesse momento as pessoas esticaram suas mãos e caminharam em direção ao buraco, caiam uma a uma.
O tão temido e sem medos, Lúcifer, estava realmente com ciúmes do que acontece por aqui, ora, como pode algo estar mais bagunçado que o inferno?
Precisava de reforços e de uma plateia animada que não cansava de cantar a mesma música, isso poderia ser a solução para os problemas do temido chifrudo.
Aqui na terra qualquer motivo se torna fácil para juntar pessoas, mesmo que não seja permitido, é chamar e elas vem, simples assim. Ele percebeu que um carro bonito, uma mensagem sem explicação e um convite de alguém nunca visto, facilitaria sua vida, ou sua morte. Invejoso como sempre, encontrou o momento e a melhor forma para recrutar espíritos alegres. Assim foram, todos, caíram num lugar obscuro, onde a vaidade impera e a “felicidade é falsa”. Dessa forma, continuam caindo em buracos pelos quatro cantos da terra. Quem já ouviu a chamada do carro e da voz impiedosa?
O próximo show está perto…
Pegue minha mão e ande na Mesma direção…
Mesmo que seja para baixo.
Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
A canção descrita nesse conto foi composta por mim e está em Áudio e com a letra completa em minha escrivaninha com o nome “QUANDO EU QUERO”.