A Ghost Story review: David Lowery explores the delirium of grief | Sight &  Sound | BFI

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Naiane estava sentada na varanda em sua casa de praia… a editora lhe concedeu apenas mais dois meses para que o novo romance ficasse pronto, mas… nada como uma casa enorme e vazia (sempre a meia luz) num município deserto pra se pensar em escuridão e “histórias da escuridão”… coisas inexplicáveis, inexistentes… quase indizíveis. Que desafiam dentro da imaginação dos que a liam, todas as leis de Deus e todas as leis… de todas as ciências. As pessoas realmente adoram isso.

Gostam porque “sabem que não existe”. E também por que amam tanto o sofrimento alheio; que até nos livros e filmes isso os excita. Naiane também acreditava que nada daquilo existia. E isso tornava o ato de escrever mais irônico e muito divertido.

As grandes portas que davam acesso à casa por dentro eram de vidro e de tão bem limpos e tão bem tratados, Naiane podia ver seu reflexo em todos eles e adorava isso! Sentada numa cadeira de plástico, bocejando… seus óculos quase caindo sobre seu colo, seus seios sobressaindo pela camisa branca de pijama. Caídos, porém bonitos, fartos. As olheiras que envolviam seus olhos verdes a envelheciam, mas os fãs gostavam… pois davam um tom macabro à autora. O dinheiro não lhe trouxe um príncipe encantado como um dia quase acreditou que pudesse ocorrer. Era uma mulher sozinha (e estar sozinha não é estar solitária). Ela era a casa… e a casa era ela. Era tudo o que tinha, tijolo por tijolo. Uma carreira de escritora, muito dinheiro, uma casa… e seios caídos, elegantes.

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Já era mais de meia-noite e era quando Naiane ficava mais à vontade em sua escrita. Ela simplesmente disparava. Suas histórias ganhavam rumo, desvencilhavam do desnecessário… algo extraordinário acontecia com sua imaginação. Ela simplesmente desabrochava. Naiane se olhou mais uma vez na porta de vidro espelhada. Não havia ninguém em casa. Levantou a blusa, deixando os seios à mostra.

- Não. Eu não sou de jogar fora… – Pensou. - Talvez eles se afastem de mim porque não se conformam de viver com uma mulher que ganhe mais do que eles. E que tenha mais sucesso… seja a protagonista. Com repórteres aos seus pés… Não… Eu não sou de jogar fora… até já posei nua! “Escritora mostra o que há nas entrelinhas”. É ridículo, eu sei. Mas vendeu TANTO… Nunca pensei…! Vendeu mais que meus dois primeiros romances!

Entre esses pensamentos (rindo a toa sem perceber) ouviu um barulho. Abriu os olhos rapidamente se consertando na cadeira… pensava se tratar de um gato ou algum inseto.

- “Patética”.

Num salto misturado com grito curto e fino. Naiane se levantou de olhos arregalados, olhando pra todos os lados procurando o dono da voz.
- Nossa, por hoje é só, já estou ouvindo coisas… Melhor ir dormir.
- “Você é TÃO egocêntrica! Só Pensa no dinheiro que ganhou, com suas mentiras sobre mim!!”

Os pelos dos braços e pernas de Naiane se eriçaram como um animal assustado. Continuou olhando pra todos os lados… até que fitou o espelho novamente… e viu um homem com roupa vermelha, cabelos negros que quase cobriam-lhe os olhos que eram extremamente fundos como buracos negros. Ele tinha um sorriso nada amigável no rosto pálido. Instintivamente Naiane olhou pro seu lado, onde o sujeito deveria estar. Pôs as duas mãos nos olhos e começou a chorar de medo.

- Deus… Deus… Deus… Só posso estar sonhando… Estou sonhando…
- “Não está sonhando”.
- VÁ EMBORA!!!
- “Irei… quando ‘vossa majestade’ abrir os olhos e os ouvidos para saber o motivo de minha presença”.

Naiane se manteve por alguns minutos ainda na mesma posição. Apenas ouvindo o barulho do próprio coração acelerado. O fantasma continuava ao seu lado no reflexo… e tinha um olhar indignado. Ela poderia passar a noite inteira de olhos tapados… Ele não iria embora… tinha a eternidade a seu favor.

- Quem é você?Perguntou, ainda sem tirar as duas mãos dos olhos.
- Sou Virgílio. A alma penada que você difama em seus romances.
Descobrindo os olhos, Naiane o observou atentamente. Seus olhos não conseguiam mais piscar… seus braços e pernas tremiam involuntariamente.

- “É assim que seus personagens se sentem ao me verem… EXATAMENTE assim!! Eu sou ‘Mais assustador que uma cobra peçonhenta’, não sou?! É assim que você me descreve…”.
- Você não pode… não deve… não… não pode ser real. Virgílio é apenas um personagem!
- “Eu soprei em seu ouvido toda a sua ‘inspiração’, Naiane! E como retribuição, você me manteve como VILÃO em todas as suas histórias!”
- Virg...Virgílio… Essas histórias são fictícias!
- “NÃO IMPORTA! Eu me dei de presente pra você! E agora… que desastre! Com toda sua beleza… sozinha, avarenta, notívaga… cheia de prazos. Prazos para escrever livros que vão mais uma vez ferir com a minha imagem.”.

Como se o medo a abandonasse, Naiane se sentou na cadeira e acendeu um cigarro. O espectro continuava parado na mesma posição e com a mesma indignação. Mas Naiane estava tentando encarnar o seu papel arrogante, fingindo descaso… passou a fumar soltando fumaça pra cima e olhando a sombra na porta de vidro torcendo a boca com desdém.

- Olha. Desculpa eu não sei o que te dizer… como poderia saber que você era real?! E como saberia de seus interesses?! Não sei o que você quer que eu faça…
- “CANCELE o lançamento desta mentira. E depois crie uma nova história. Em que eu seja a boa alma que realmente sou.”.
- Não te vejo assim tãão diferente do que escrevo. Afinal, você está AQUI me assombrando, não é verdade?
- “Você mexe com forças que não conhece…”. - Sussurrou o espírito. E ao dizer isso, desapareceu.

Naiane se levantou suspirando. Mas sua alegria durou pouco ao ver em sua volta todas as cadeiras da casa flutuando ao seu lado. Naiane cuspiu o cigarro no chão dando vários passos pra trás. De repente uma das cadeiras voou contra ela, que se abaixou por reflexo, mas não o suficiente… levando um corte na cabeça. Ainda abaixada com a cabeça entre os joelhos e chorando, pôde ver o sangue pingando no chão. As cadeiras ainda flutuavam e dessa vez, outra voou em direção ao seu computador, fazendo-a cair de susto. Antes que pudesse se recompor e correr em direção ao computador (desesperada por não ter cópias do novo livro), todas as luzes se apagaram.

Você mexe com forças que não conhece…”– Repetiu.

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Naiane tentou estabelecer um meio termo em suas emoções… Era uma mulher que conseguia pensar rápido. Nem tanta arrogância e nem tanto pavor… Pois os dois sentimentos irritariam ainda mais o espírito. Num tom sério, ajeitando o cabelo como se recebesse a visita de um editor (ou de algum crítico muito exigente), pegou o computador do chão, sentando-se na cadeira onde estava.

- Ok… Já entendi… Se você ainda se lembra dos tempos em que vivia na Terra… sabe que não posso fazer as coisas do jeito que eu bem entender! Arruinaria minha carreira! E.. Por quê você me escolheu?
- “Temos um passado juntos.”. – Disse o espírito.

- … mas você tem consciência de que eu NÃO ME LEMBRO do que vivemos? E que estou agora em outra vida? E que preciso SER FELIZ NESTA VIDA?!
Um barulho se fez entre os arbustos do quintal em frente à varanda. Naiane se virou com um misto de susto e esperança de que fosse algum vizinho ou o caseiro… Até mesmo um ladrão era melhor! Mas o que viu, tornou seu pesadelo ainda mais vívido. Virgília vinha em sua direção, numa forma quase carnal. Vestia agora um poncho negro que contrastava com sua face pálida e cadavérica. Ele estava mais assustador do que antes. E em vez de ter em seu semblante, raiva e indignação… adotava um sorriso irônico. Seu corpo não estava totalmente nítido… Parecia ser tomado por estática. Naiane podia ver o quintal através dele.

- “Se pensar em correr: Estará assinando seu atestado de óbito.”.
- Você não vai me matar… Quero dizer… Não quer. - Respondeu Naiane, encarando-o com raiva. – Se esse livro é tão importante pra você… Você precisa de mim! Estou certa?!
- “… o quero perder tempo. Meses soam como uma eternidade no mundo dos mortos. Mas você É descartável SIM. Eu posso mudar de escritora… e posso mesmo matar você”.”
- Mas não quer. - Ela insistiu, fazendo-o sorrir de um jeito que a deixou confusa… - Que tipo de ‘ligação’ nós tivemos? – Perguntou sem estar preparada para ouvir a resposta.

O espírito mais uma vez desapareceu por alguns minutos. E surgiu perto dela. Dessa vez seu olhar era de profunda tristeza…
- “Querida… você me matou.”.

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Nesse momento Naiane pôs-se a chorar como se pudesse lembrar do que fez. Como se seu corpo pudesse sentir toda a culpa…

- “Não se culpe. Quanto a isso, você teve meu perdão, aqui do outro lado… Você sabe, você já esteve aqui algumas vezes. Mas, uma promessa me foi feita.”.”

- A promessa de lhe pôr como um Super Herói num livro? – Naiane tentou sorrir enquanto enxugava o rosto, vermelho e um tanto inchado de tanto chorar.

- “Eu fui um escritor, Naiane. Fui um poeta… E você, uma mimada da realeza. Tinha muito poder em mãos… Você me adorava! Me pediu um poema… O poema não agradou seu marido e fui enforcado. No mundo dos mortos esperei justiça por muito mais tempo do que você pode conceber agora. Afinal… Você se ajoelhou me pedindo perdão por minha morte injusta.”.

- Eu te amava ou algo assim…? - Virgílio não respondeu.

Como se Virgílio não estivesse mais ali, Naiane entrou em casa, subiu os degraus que davam para os quartos no primeiro andar, despiu-se e se pôs debaixo do chuveiro sentada no chão. O espírito flutuava atrás dela, que fingia não dava a mínima, estava exausta. E ele agora tinha certa serenidade no olhar. Sabia que Naiane escreveria o romance… Ou perderia a vida… Que desde outras eras, supervalorizava.

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Naiane seguiu até um cômodo pequeno, sem banheiro. Cujas paredes, pintadas de azul escuro, deixavam o local 24 horas por dia noturno. Virgílio a acompanhava. No quarto havia apenas uma pequena escrivaninha, uma cadeira… Em cima da escrivaninha havia algo coberto com um pano velho e encardido.

- “Do que se trata?”. – Perguntou Virgílio.
- Aqui. Veja você mesmo… – Ela respondeu, puxando o pano, revelando uma máquina de escrever.
- “Funciona?”.
- Sim, funciona muito bem. Vejo que você não me vigiou tão bem assim. Não sabe onde foi escrito o primeiro romance que escrevi?
-Você mexe com forç…”.
- Ora, cala a boca! Não estou dizendo nada demais.

E sentou-se de frente para a máquina. Antes disso tirou a toalha que a secava e atirou no chão.

- Gosto de escrever assim. O que você acha…?
- “É perfeito.”.
- Hum. Não cedo a galanteios de almas penadas e poltergeists. – Sorriu a escritora.
- “Eu estou tão preso às coisas do mundo, que acho que poderia até lhe tocar, levemente… Como um sopro de perto… Uma respiração…”.
Naiane o encarou com um sorriso malicioso no rosto.
- “Seduzida por Virgílio”, pode ser um título.

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Noites iam e vinham… e Naiane se levantava da cadeira apenas pra tomar banho e buscar água, vinho e comida. Virgílio estava constantemente presente.

- Terminei. É um breve conto, por enquanto… com apenas dez páginas. Mas estou certa de que será um sucesso.
- QUERO VER! – Gritou o espírito, fazendo os vidros tremerem.
- Bem, isto não estava no combinado. - Ela respondeu rindo.

Num movimento brusco e inesperado, pôs-se a rasgar as páginas, deixando o espírito estatelado e mudo, sem poder de reação. Seus olhos fundos não acreditavam na insanidade e arrogância daquela mulher. Uma arrogância herdada de tantas vidas e que provavelmente duraria pra sempre. Virgílio entendeu - naquele momento – que nunca venceria a duquesa. Naiane passou a enfiar os papeis na boca, engasgando-se com aquela história (que em sua cabeça, fora a sua melhor história) onde “um espírito poeta possuía o corpo de uma escritora solitária”.

Naiane agonizou engasgada enquanto Virgílio assistia, perplexo. Abandonou a vida mortal, e juntou-se a ele novamente, gargalhando enquanto o poeta chorava.

- MALDITA! Louca!!… Não podia ter bolado um final melhor que esse??!
- Você sabe que não, meu poeta… – Ela respondeu.