I
Eu estava à beira de um barranco… Era muito alto, mas dava pra ver o chão áspero que me aguardava no fim da queda. É verdade, eu estava prestes a brincar de Deus, desafiando a mais fundamental das leis feitas por ele. Prestes a encerrar uma vida sem graça de uma vez por todas. Sem vitorias, sem grandes feitos, sem nada… Não havia ninguém por perto pra me dizer clichês sobre o poder do tempo de consertar as coisas… ou me amedrontarcom conversas sobre o triste fim dos suicidas no inferno.
O vento estava forte… tão forte que quase me empurrava acelerando o processo. Ao meu lado o cavalo que me trouxe comia capim, sem o menor grilo… e até dele eu sentia um pouco de inveja.
Com 20 anos passei no vestibular e entrei no curso de direito. Lá conheci a Priscila. Ela namorava um rapaz que já estava no último semestre e parecia não se importar nem um pouco com ela. Era corriqueiro encontrá-la “solta e desimpedida”… como uma mulher solteira. Seu semblante, sempre tristonho… deixava bem clara a carência e a falta de um amor em sua vida. Passei a me aproximar como um bom amigo cheio de “boas” intenções. Priscila era uma garota esperta, sabia dos meus desejos… minha atitude tímida e desajeitada em sua presença lhe divertia e lisonjeava.
Certa vez Priscila levou umas duas semanas sem aparecer nas aulas; o que não era comum. Em frente à sua casa estava eu, tomando coragem pra bater na porta e bancar o amigo preocupado. Depois de hesitar muito, bati..., e Priscila apareceu de cabeça baixa, tentando esconder o rosto completamente roxo, inchado e cheio de curativos. O bom rapaz, recém-formado em direito, tinha lhe dado uma surra. Priscila me abraçou chorando e pôs a cabeça em meus ombros. Eu estava tão chocado que não consegui dizer uma palavra sequer… mas parecia que apenas minha presença já estava sendo suficiente. Vocês devem estar pensando que resolvi arrebentar a cara do indivíduo, não é? Não, não… bancar o herói não é o ideal para se dar uma lição BEM DADA. Porém, algum dinheiro economizado pra contratar dois homens que NADA TINHAM A PERDER e fazer com que todos os dedos das mãos e dos pés do rapaz fossem quebrados, isso sim… Isso fez muito sentido.
Priscila e eu começamos a namorar logo quando ela voltou a aparecer na faculdade e foram dois anos de felicidade que parecia não ter fim. Mas tinha… tinha fim…
Estava parado a beira do barranco, com os pés descalços e feridos pela quentura do chão árido. E em minha cabeça, a imagem de Priscila nua em minha cama, com seu ex-namorado. E eu, parado na porta entreaberta, sem voz, sem reação. Apenas lágrimas incontidas que desciam pelo meu rosto derrotado… assassinado. Eles nem notaram que eu estava lá.
O chão lá embaixo parecia me chamar, como se aquela terra fosse feita de ímã e eu fosse uma maldita colher. A certeza da morte era tudo que eu tinha. A imagem de Priscila na cama surgia dentro de como se tivesse o poder de cortar-me por dentro.
Até que ela surgiu…
II
Primeiro escutei um som que parecia um uivo de um lobo… Mas ecoava por todos os lados, como se me cercasse. Olhei ao redor, mas não havia nada…
Um vento gelado percorreu meu corpo fazendo com que todos os poros se arrepiassem, e minha garganta secou rapidamente. “Jesus Cristo, o que é isso?” Pensei, assustado. E então escutei uma voz doce, que cantarolava… “Conheço essa canção… É ‘Uninvited’, da Alanis Morissette... eu amo essa música!” Me afastei do barranco e passei a andar em círculos, olhando pra todos os lados, procurando a dona daquela voz tão linda.
Até que ela surgiu…
Me fazendo cair sentado numa pedra de susto. Cocei os olhos com tanta força que quase os feri. Sua imagem nua piscava como uma televisão de antenas quebradas, sumindo por alguns segundos e aparecendo sentada ao meu lado em seguida, rindo docemente.
Ao perceber que eu estava me acostumando com sua presença, se aproximou ainda mais e parou em minha frente. Sua voz doce continuava cantando e a música logo me fez chorar.
Passamos a fazer uma espécie de dança… Seu vulto passeava em volta da pedra onde me encontrava sentado. Eu batia palmas e tentava tocá-la quando se materializava. Aquele momento inesquecível durou algumas horas… minutos… não sei dizer.
Quando ela se foi, permaneci sentado por algum tempo, chorando de saudade dela, só levantei quando o sol já estava se pondo… voltei pra casa e logo quando entrei pela porta, o telefone tocou. Atendi. Era Priscila. Antes que a hipocrisia começasse, contei a ela o que vi no meu quarto… e que simplesmente não estava me importando nem um pouco com isso. Priscila ficou muda ao telefone. Eu não dei espaço algum pra que ela se defendesse ou inventasse alguma mentira. Desliguei o telefone e deitei em minha cama, sem conseguir tirar a bela fantasma de minha cabeça. O fantasma que me salvou de uma estúpida decisão.
Tirei a roupa e entrei no chuveiro, fechei os olhos por alguns segundos… meu sorriso parecia eterno. Senti algo gelado tocar meu peito, abri os olhos… ERA ELA! Branca como uma nuvem, mas seus olhos, sobrancelhas e pelos pubianos eram negros como carvão. Seu corpo era perfeito. E tinha aquele tipo de risadinha e aquele tipo de olhar que nos fazem encará-la o tempo inteiro. Como se não pudéssemos perder um minuto sequer sem apreciar tanta beleza.
Me ajoelhei perante sua púbis e ela suspirou. Duvidei que pudesse tocá-la, mas ao sentir minhas mãos deslizando sobre seu corpo gelado, senti o que estava por vir. Senti uma excitação fora do comum. Suspirei sentindo minha espinha gelar. Ela pôs-se a cantar, mas desta vez seu canto era ofegante. Ela cantava “Love Hurts” de Gram Parsons.
Nunca pensei em fantasmas. Não acreditava que existissem… Quanto mais achar que fantasmas podem dar e SENTIR tanto prazer… Fizemos amor e a felicidade que senti foi indescritível. Me aproximei da janela do quarto contemplando a manhã que se aproximava trazendo o sol.
O irônico é que a morte… me mostrou a beleza da vida.
Olhei para trás e ela não estava mais lá. Andei pela casa com uma esperança boba de encontrá-la em algum lugar. Mas há uma barreira entre nós, que nos separará ainda por muitos anos. Pois agora sei que eu realmente PRECISO viver a vida. Eu preciso ver ainda este sol por muitas manhãs, antes de voltar a sentir aquele amor gelado novamente. Mas, que ela saiba que SEMPRE estarei aguardando o reencontro com… esse amor
… esse amor fantasma.
Eu estava à beira de um barranco… Era muito alto, mas dava pra ver o chão áspero que me aguardava no fim da queda. É verdade, eu estava prestes a brincar de Deus, desafiando a mais fundamental das leis feitas por ele. Prestes a encerrar uma vida sem graça de uma vez por todas. Sem vitorias, sem grandes feitos, sem nada… Não havia ninguém por perto pra me dizer clichês sobre o poder do tempo de consertar as coisas… ou me amedrontarcom conversas sobre o triste fim dos suicidas no inferno.
O vento estava forte… tão forte que quase me empurrava acelerando o processo. Ao meu lado o cavalo que me trouxe comia capim, sem o menor grilo… e até dele eu sentia um pouco de inveja.
Com 20 anos passei no vestibular e entrei no curso de direito. Lá conheci a Priscila. Ela namorava um rapaz que já estava no último semestre e parecia não se importar nem um pouco com ela. Era corriqueiro encontrá-la “solta e desimpedida”… como uma mulher solteira. Seu semblante, sempre tristonho… deixava bem clara a carência e a falta de um amor em sua vida. Passei a me aproximar como um bom amigo cheio de “boas” intenções. Priscila era uma garota esperta, sabia dos meus desejos… minha atitude tímida e desajeitada em sua presença lhe divertia e lisonjeava.
Certa vez Priscila levou umas duas semanas sem aparecer nas aulas; o que não era comum. Em frente à sua casa estava eu, tomando coragem pra bater na porta e bancar o amigo preocupado. Depois de hesitar muito, bati..., e Priscila apareceu de cabeça baixa, tentando esconder o rosto completamente roxo, inchado e cheio de curativos. O bom rapaz, recém-formado em direito, tinha lhe dado uma surra. Priscila me abraçou chorando e pôs a cabeça em meus ombros. Eu estava tão chocado que não consegui dizer uma palavra sequer… mas parecia que apenas minha presença já estava sendo suficiente. Vocês devem estar pensando que resolvi arrebentar a cara do indivíduo, não é? Não, não… bancar o herói não é o ideal para se dar uma lição BEM DADA. Porém, algum dinheiro economizado pra contratar dois homens que NADA TINHAM A PERDER e fazer com que todos os dedos das mãos e dos pés do rapaz fossem quebrados, isso sim… Isso fez muito sentido.
Priscila e eu começamos a namorar logo quando ela voltou a aparecer na faculdade e foram dois anos de felicidade que parecia não ter fim. Mas tinha… tinha fim…
Estava parado a beira do barranco, com os pés descalços e feridos pela quentura do chão árido. E em minha cabeça, a imagem de Priscila nua em minha cama, com seu ex-namorado. E eu, parado na porta entreaberta, sem voz, sem reação. Apenas lágrimas incontidas que desciam pelo meu rosto derrotado… assassinado. Eles nem notaram que eu estava lá.
O chão lá embaixo parecia me chamar, como se aquela terra fosse feita de ímã e eu fosse uma maldita colher. A certeza da morte era tudo que eu tinha. A imagem de Priscila na cama surgia dentro de como se tivesse o poder de cortar-me por dentro.
Até que ela surgiu…
II
Primeiro escutei um som que parecia um uivo de um lobo… Mas ecoava por todos os lados, como se me cercasse. Olhei ao redor, mas não havia nada…
Um vento gelado percorreu meu corpo fazendo com que todos os poros se arrepiassem, e minha garganta secou rapidamente. “Jesus Cristo, o que é isso?” Pensei, assustado. E então escutei uma voz doce, que cantarolava… “Conheço essa canção… É ‘Uninvited’, da Alanis Morissette... eu amo essa música!” Me afastei do barranco e passei a andar em círculos, olhando pra todos os lados, procurando a dona daquela voz tão linda.
Até que ela surgiu…
Me fazendo cair sentado numa pedra de susto. Cocei os olhos com tanta força que quase os feri. Sua imagem nua piscava como uma televisão de antenas quebradas, sumindo por alguns segundos e aparecendo sentada ao meu lado em seguida, rindo docemente.
Ao perceber que eu estava me acostumando com sua presença, se aproximou ainda mais e parou em minha frente. Sua voz doce continuava cantando e a música logo me fez chorar.
Passamos a fazer uma espécie de dança… Seu vulto passeava em volta da pedra onde me encontrava sentado. Eu batia palmas e tentava tocá-la quando se materializava. Aquele momento inesquecível durou algumas horas… minutos… não sei dizer.
Quando ela se foi, permaneci sentado por algum tempo, chorando de saudade dela, só levantei quando o sol já estava se pondo… voltei pra casa e logo quando entrei pela porta, o telefone tocou. Atendi. Era Priscila. Antes que a hipocrisia começasse, contei a ela o que vi no meu quarto… e que simplesmente não estava me importando nem um pouco com isso. Priscila ficou muda ao telefone. Eu não dei espaço algum pra que ela se defendesse ou inventasse alguma mentira. Desliguei o telefone e deitei em minha cama, sem conseguir tirar a bela fantasma de minha cabeça. O fantasma que me salvou de uma estúpida decisão.
Tirei a roupa e entrei no chuveiro, fechei os olhos por alguns segundos… meu sorriso parecia eterno. Senti algo gelado tocar meu peito, abri os olhos… ERA ELA! Branca como uma nuvem, mas seus olhos, sobrancelhas e pelos pubianos eram negros como carvão. Seu corpo era perfeito. E tinha aquele tipo de risadinha e aquele tipo de olhar que nos fazem encará-la o tempo inteiro. Como se não pudéssemos perder um minuto sequer sem apreciar tanta beleza.
Me ajoelhei perante sua púbis e ela suspirou. Duvidei que pudesse tocá-la, mas ao sentir minhas mãos deslizando sobre seu corpo gelado, senti o que estava por vir. Senti uma excitação fora do comum. Suspirei sentindo minha espinha gelar. Ela pôs-se a cantar, mas desta vez seu canto era ofegante. Ela cantava “Love Hurts” de Gram Parsons.
Nunca pensei em fantasmas. Não acreditava que existissem… Quanto mais achar que fantasmas podem dar e SENTIR tanto prazer… Fizemos amor e a felicidade que senti foi indescritível. Me aproximei da janela do quarto contemplando a manhã que se aproximava trazendo o sol.
O irônico é que a morte… me mostrou a beleza da vida.
Olhei para trás e ela não estava mais lá. Andei pela casa com uma esperança boba de encontrá-la em algum lugar. Mas há uma barreira entre nós, que nos separará ainda por muitos anos. Pois agora sei que eu realmente PRECISO viver a vida. Eu preciso ver ainda este sol por muitas manhãs, antes de voltar a sentir aquele amor gelado novamente. Mas, que ela saiba que SEMPRE estarei aguardando o reencontro com… esse amor
… esse amor fantasma.