O PREÇO DA MORTE IV
O PREÇO DA MORTE IV
O defunto chegou a pensar em não comparecer na Delegacia de Polícia para depor, no entanto, Ele era o maior interessado em desvendar a autoria daquele homicídio.
Ninguém mais do que Ele, desejava cobrar o preço da sua morte.
Embora o pensar do defunto, se alinhasse cada vez mais ao pensar de sua mãe, fazer Justiça Privada.
O defunto passou uma noite tranquila, ao lado da esposa e do enteado.
A esposa havia preparado a churrasqueira, e comprado peça de picanha, cerveja e tônica.
Longe dos holofotes da ressurreição, tive o insight de visitar o defunto na noite daquele dia.
Havia advogado para o defunto, quando Ele se envolveu com direção perigosa.
Mas nada que um diálogo lúcido, com a escrivã na Delegacia que não resolvesse imediatamente o mal entendido.
O defunto dirigia à beça.
E, quando sentia vontade, andava berrado.
Eu estava encucado, porquanto o defunto algumas horas antes do crime, tinha dito pra mim, que se fosse assassinado, cobraria o preço da sua morte.
Disse a respeito de uma dívida, que só não pagaria se fosse morto.
E não tive medo, nem inconveniência, de ir até à casa do defunto, para ver se conseguia elucidar isso com Ele.
A essa altura, a cidade sabia que as barreiras feitas nas rodovias, pelas Polícias Militar e Rodoviária, para tentar impedir a fugar do carro atirador, haviam sido infrutíferas.
E o que é pior.
Parecia um crime perfeito, tudo muito rápido, sem ninguém conseguir anotar a placa do carro.
Fui prontamente recebido pelo defunto, que bateu altos papos comigo.
Discorreu sobre o quanto prezava os familiares, desde parentes próximos aos distantes.
Que seria capaz de fazer qualquer coisa, contra quem fizesse mal a algum deles.
Esboçou haver desafetos, que poderiam ser os executores, ou mais provavelmente mandante do assassinato cometido contra ele.
Confidenciou-me que profetizou a própria morte, quando encontrou comigo momentos antes do crime, talvez por pressentir que algo de muito mal, lhe ocorreria.
Enfim, repisou:
- Preciso cobrar o preço da minha morte!
Perguntei-lhe por quê?
Ele respondeu contemplativo:
- Sou um anjo justiceiro!
Foi quando fui um pouco mais ousado:
- Qual será o preço da tua morte?
O defunto silenciou-se, não quis mais falar.
Daí, piquei a mula e fui embora.
Despedi-me de todos.
Não quis tomar cerveja, pois estou abstêmio há 04 (quatro) anos.
Apenas água tônica e carne assada.
Na manhã do dia seguinte, a vizinhança ficou maravilhada, quando ao raiar do dia, o defunto e o enteado brincavam de se alongar na porta de casa, enquanto se aqueciam para dar uma corridinha básica pelas ruas da cidade.
O defunto só não tinha contado pra esposa, o que presenciara durante a madrugada.
Depois de apagar na cama, Ele fora desperto com o edredom levitando sob o casal.
A mulher não viu, estava com o sono profundo, dos afetos lascivos que pernoitaram.
O sobrenatural continuava a dar suas pistas, desde o ressurgimento do falecido.
Na Delegacia , o insensível Delegado não quis ouvir pessoalmente as declarações do defunto.
Passou a bola para escrivã, como era de costume na rotina policial.
O Delegado (ou seria degolador?) era mais moço que o defunto.
E gostava de ficar mais tempo em seu gabinete, acompanhado por belas assessoras.
Usava o coldre preso à perna, e a pistola a tiracolo.
Era famoso e vistoso e mantinha uma expressão de fúria, arrogante principalmente com meliantes.
Certa feita arbitrou fiança de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para um preso, por ter postado nudes para uma menor.
Nos bastidores da fama, poucos sabiam que o Delegado era mais sensível.
No seu AP, um entra e sai de dondocas e rapazolas.
A escrivã, experiente, ao avistar o defunto na antessala, confabulando com o (teu) desfalecido advogado, falou consigo mesma: - MUITO VIVO O MORTO, E A TUA HISTÓRIA!
Depois chamando os dois, começou a colher o depoimento do defunto.
Primeiramente, ao qualifica-lo, esbarrou na idade:
- Qual a tua idade?
O defunto esbanjou:
- Anteontem, eu tinha a idade de Jesus Cristo.
- Ontem, fiz churrasco pra comemorar minha ressurreição.
- Hoje, é o meu segundo dia de vida.
A escrivã ficou confusa, e atravessou logo uma direta:
- Me diga quem são os suspeitos do teu atentado.
- Atentado? O que é isto?
O advogado desfalecido interveio, pra tentar explicar ao cliente:
- O teu caso não deve ser mais homicídio, porquanto tu estás vivinho!
Naquele instante, o defunto caiu em si, e se deu conta de que algo sobrenatural tinha acontecido com Ele...