O ipê do andarilho.
Um ancião feiticeiro perambulava pelas vias da cidade, com uma túnica de tecido pesado ,colorida e enfeitada. Preso em seu ombro uma corda que segurava uma garrafa de vidro com um líquido vistoso e com cor de ouro. Também usava um tipo de turbante bem volumoso para trás de listras brancas e douradas.
Ninguém sabia o seu nome, de onde era, o que queria. Era apenas um andarilho. Dizia ser um alquimista viajante. Peregrinava de lugar em lugar, vez ou outra, quando sentia o cansaço, subia até alguma montanha ou algo do tipo e lá se abrigava.
Não parecia ser uma pessoa ruim, os que tentavam falar com ele eram bem tratados pelo mesmo. Muito gentil e educado.
Por mais que parecesse ser jovem, já tinha, segundo o que dizia, mais de meio século de vida; mesmo ninguém acreditando, já que seu rosto mais parecia ser de um adolescente.
Às vezes alguém o pedia ajuda, ele pegava a garrafa, destampava-a e derramava um pouco daquele líquido misterioso e de bom gosto no Ùpoko - como chamava a cabeça das pessoas em 'sua língua' - da pessoa.
Também era possível vê-lo, em determinados dias, com o rosto pintado de vermelho, outros de dourado e uma listra fina de azul ao meio. Era um ser enigmático e querido pelos cidadãos, chegava até mesmo a ser folclórico entre o povo.
Um dia de tempestade, porém, castigou aquela cidade que ele gostava de visitar, como não tinha casa ficou pegando a chuva forte. As pessoas, todas, estavam em casa, era um temporal violento que trouxera consigo uma neblina. Apenas os raios que caíam iluminavam o cenário.
Ninguém tinha visto o coitado na rua, sem saber para onde ir, sua visão, que já não era boa, piorara com toda aquela névoa. Não fazia ideia d'aonde estava a colina que costumava se abrigar. Por infelicidade, um raio acertou-o em cheio e morreu ali, sozinho.
Quando passou a chuva e viram o corpo estirado do pobre andarilho, houve uma comoção. Em sua homenagem, construíram um grande caixão, quadrático e com três metros de área, engalanado de flores e ervas, digno de um cortejo fúnebre de rei.
Puseram lá o ataúde e, em cima, plantaram uma muda, para representar a passagem da vida humana para a vida elementar. Anos passaram-se e a árvore, já crescida, no meio do cemitério, chamava a atenção de todos.
O tronco escuro como a noite, as folhas com a cor da tarde. A história daquele peregrino morria aos poucos, os mais jovens não sabiam o motivo de ter uma árvore no meio de tantas covas. Alguns até mesmo tratavam como qualquer coisa. Sentando em cima do caixão, cuspindo, arrancando folhas, quebrando galhos...
Quem um dia foi querido, agora, era esquecido e pisado.
Foi que numa madrugada, a mesma tormenta voltou àquela cidade, bem pior que antes. Muitas casas foram atingidas, ruas alagadas, não cessava nem por um segundo. Gritos e choros inacabáveis desesperavam pais e mães aflitos, nada se via, maldita neblina...
Um raio amarelo caiu no cemitério, acertando o ipê plantado em homenagem, mas não foi uma situação qualquer; a corrente elétrica atingiu o chão e espalhou-se por toda aquela região, tudo ficou iluminado por um tempo.
Ninguém se feriu e aqueles meninos vadios do cemitério puderam enxergar o local de volta para casa...