A menina das sombras (de Desolate Place)

Estava fazendo ronda sozinho na viatura, na nossa pequena e tranquila cidade de Cruz das Almas, onde o policiamento era muito calmo, não havia crimes graves há anos, a maioria das ocorrências eram brigas por bebedeira ou furtos de frutas e galinhas, realmente, um ótimo lugar para se ser um policial, risco 0, eu costumava dizer, portava arma, mas nunca a usei, apenas fazia os testes obrigatórios de segurança com ela, pois mesmo com risco 0, eu ainda era o chefe de polícia daquele distrito.

Andava girando rodas por uma estrada de chão batido que ligava dois bairros mais afastados, bem interior mesmo, mas gostava de ir até eles, pois os agricultores que lá moravam eram bem agradáveis conosco e nos recebiam com ótima janta e sacoladas de frutas, verduras e legumes, todos de alta qualidade.

Havia jantado por lá e fiquei um pouco mais tomando café preto e ouvindo causos, por volta das 23 horas resolvi voltar e rumei a nossa base no centro da cidade.

Estava frio, com cerração baixa e densa, sem pressa eu vinha apreciando a noite, foi que vi um vulto no lado da estrada, era difícil de enxergar, mas parecia ser uma pequena pessoa sentada ali, algo insólito, e por isso mesmo devia me certificar do que era.

Parei o carro, dei ré e desci do auto, fui caminhando até onde vi o vulto, e, para meu espanto, era realmente uma pessoa, uma menina toda de branco, sentada numa pequena ribanceira que servia de acostamento, ela olhava para baixo, sua cabeça estava entre seus braços, ela estava com um vestido rodado de renda, sentada parecia uma pequena boneca, daquelas antigas, seus cabelos estavam desgrenhados e cobriam seu ventre, o vestido era branco, mas muito sujo, parecia uma boneca velha que havia sido jogada fora.

Fui mais devagar, pois aquilo era muito estranho e falei: “Menina, menina, o que houve, esta sozinha aqui??”.

Ela levantou a cabeça, estava escuro, e eu pus a lanterna em seu rosto, vi seus olhos negros me fitando, sua pele era tão suja quanto o vestido, mas era apenas uma criança estranha, me aproximei e novamente perguntei sobre o que tinha acontecido. E ela abriu a boca, parecia que iria falar, mas no lugar dos dentes o que vi foram presas, enormes presas ensanguentadas, dei um pulo para trás, não era uma boca humana, ela não era humana, com o susto baixei a lanterna, e ela iluminou o colo da menina, foi que descobri porque ela estava com a cabeça abaixada, ela estava comendo um enorme ratão do banhado, o animal ainda se mexia agonizante, mesmo que suas vísceras já estivesse escorrendo pela boca da pequena garota.

Eu, por medo e espanto, caminhava para trás, escorreguei e cai, soltei a lanterna, e tudo ficou escuro, decidi correr para o carro, aquilo, com certeza, não era humano e muito menos precisava de minha ajuda!

Entrei na viatura, chaveei as portas e fiquei com meu revólver na mão, só pensava que só podia ser alucinação, não havia bebido, mas de alguma forma eu estava drogado, só podia ser isso!

Olhei pelo retrovisor, vi que o pequeno vulto branco agora estava de pé, liguei o carro e acelerei para mês afastar, então, dei um cavalo de pau e parei o carro, os faróis ficaram direcionados para aquele ser, que ainda segurava o rato em uma das mãos, ela olhava lado, parecia não se importar comigo, foi que notei que agora tinham mais dois vultos altos próximos a ela, adultos, provavelmente.

Ela virou a cabeça em direção aos vultos e caminhou calmamente até eles, eu continuei imóvel, vi quando aquela coisa que parecia uma menina deu as mãos aos dois seres maiores, e saíram tranquilamente para dentro da mata, como se eu não existisse.

Eu dei meia volta, todo suado e apavorado fui para a base da polícia e de lá não sai mais naquela noite, pus na minha cabeça que aquilo fora um pesadelo, uma ilusão.

No outro dia, bem mais calmo, muito cedo, logo nos primeiros raios de sol voltei até onde tinha encontrado a menina, com a esperança de confirmar que tudo fora um pesadelo.

Todavia chegando lá encontrei uma pequena poça de sangue dentro de um círculo de terra removida, como se ali alguém tivesse ficado sentado, comecei a suar novamente, caminhei alguns passos para dentro da mata, e lá onde tinha visto os seres se darem as mãos estava uma carcaça destroçada de um ratão, todo mordido, destroçado.

Corri para a viatura, não foi um sonho!

Estou há um mês passando naquela estrada, fiquei por horas naquele local ermo, sob chuva, sob neblina, sob céu estrelado, mas nada, até em dias de folga, eu estava lá, mas as coisas não.

Criei as mais loucas teorias do que poderia ter acontecido, iam da dúvida da minha sanidade a uma simples ilusão de ótica somada ao estresse.

Meus colegas me falam que eu estou obcecado, porém eu preciso descobrir, já pesquisei por todos os meios e ainda não sei o que era aquela coisa, e por essa razão que enviei minha história para canais do Youtube, quem sabe assim, com mais pessoas sabendo o que me aconteceu, eu consiga ajuda.

Eu vi aqueles seres que, por algum motivo que não sei, não se importaram comigo, simplesmente se foram embora, mas eu, eu me importei, e sei que não estou nem sou louco, até hoje não os encontrei novamente, mas ainda estou procurando, e dessa vez estarei pronto para descobrir de onde eles vieram e para onde foram.