Meu Demônio Particular - Parte I
Conversas ao redor da mesa com amigos próximos são as melhores possíveis. Cada um tem um caso para contar, seja ele cômico, romântico, fantasioso ou aterrorizante, buscando a aprovação dos ouvintes que o cercam ou a admiração. Poderia eu recitar aqui dezenas, ou centenas de histórias que ouvi sentado àquela mesa; histórias bonitas e feias, tristes e felizes . Mas nenhuma delas me marcou tanto como o "caso do corpo ressecado".
Contou-nos um amigo próximo, e em seus olhos se notava o medo, afirmando sua fidelidade, sobre os terrores que estava passando.
- "Onde moro está assombrado, e isso eu juro por tudo o que é mais sagrado!" Afirmava.
Tudo começou, de acordo com ele, quando aquela mulher se mudou para lá. Eram condôminos felizes, estavam sempre de acordo e não tinham problemas, tudo corria bem. Quando a mulher chegou com sua mudança, todos a receberam de forma gentil e alegre, a fim de realçar a visível amizade que ali havia. Mas ela ( ele a descreveu como uma mulher de meia idade, cabelos longos, bonita, mas com olhos extremamente infelizes ) ficou impassível diante do gesto, apenas agradecendo de forma fria e distante. Os boatos não tardaram a vir, e nas semanas subsequentes, todos tinham sua teoria a respeito daquele assunto, mas como ninguém se prontificava a ir falar com ela, não se sabia até onde era verdade todas aquelas teorias.
Cansada de esperar, Dona Margaret, uma matrona com uns prováveis 80 anos (ela não revelava nem sob tortura), resolveu dar a "cara a tapa" e foi bater na porta da mulher para "prosear". Ela, extremamente infeliz, parecia, de início, nem saber que a idosa estava à sua frente, desvencilhando-se de todas investidas da curiosa dona Margaret. Mas o ditado é correto e diz "água mole em pedra dura, tanto bate até que fura", e assim foi; a mulher foi se abrindo aos poucos, revelando cada vez mais sua vida à incansável anciã. Logo, o porquê de tanta infelicidade apareceu: ela, antes casada e com um filho pequeno, viu sua vida se desmoronar por completo após um fatídico acidente que matou ambos. Largou o emprego, afastou -se da família e se entregou a dor. Vendeu tudo o que tinha e foi embora da cidade onde tudo ocorrera, não suportando conviver com o fato cruel. "Não pude dar o último adeus" repetia à velha, com lágrimas visíveis em seus olhos, "daria qualquer coisa para vê-los numa última vez ".
Dizem que, quando você deseja muito algo, Deus pode ouvir e realizar, se assim lhe aprouver. Mas não dizem que Satã, o pai da maldade, também escuta os homens. Qual foi a nossa surpresa, ao ouvir de seu apartamento, algum tempo depois, risadas de alegria e júbilo.
- Ninguém entendia mais nada, achávamos que ela estava louca - dispara meu amigo.
Foi quando viram pela primeira vez a criança. Não era uma criança comum; possuía, ao invés da amável pureza das crianças, um olhar diabólico e desconcertante, encarando-os com um sorriso maldoso. Seus pés eram tortos e ela andava como um bebê que aprende seus primeiros passos.