O MISTÉRIO DE QUEIMADA GRANDE

Acordei 5 horas da manhã, como era verão, já estava tudo claro. O céu estava sem nuvens, aqui no Brasil é comum chover no verão, por Deus, naquele dia o mar estava para peixe. A pescaria é a única forma de alimentar minha família. Cobri minha esposa e meu filho e os beijei na testa, peguei minha rede e fui acordar Chico na casa dele, tínhamos combinado de pescar juntos.

Fui a casa dele, o acordei e fomos juntos para o porto, pegamos o barco e seguimos mar à dentro. O mar estava tranquilo e conseguimos capturar alguns peixes nas primeiras lançadas do dia, mas não estávamos satisfeitos, queríamos mais, nos afastamos mais ainda da costa, até não ver mais a praia, além do horizonte.

Ali estávamos capturando bastante peixes, nossos olhos brilhavam e meus poucos dentes saltavam no meu sorriso semi-banguelo; queríamos mais peixes, mais fartura. O tempo foi passando e nem nos demos conta que tinhamos nos afastado mais ainda da costa, enquanto que o céu já ficava mais escuro; não, ainda não era tarde, eram nuvens densas e escuras, que anunciavam uma forte chuva. Recolhemos a rede e preparávamos para sair dali o quanto antes a chuva chegasse.

- Vamos embora Chico!

Começou a ventar muito forte, como um redemoinho ou um furacão, uma rajada curva bateu em nosso barco e o fez girar diversas vezes; quando o barco parou já não sabíamos para onde seguir, aí então começou a chover. O mar começou então a ficar agitado, com ondas fortes e bastantes altas, que estranhamente não seguiam apenas um rumo. Não tínhamos muito a fazer, a não ser sermos guiados pelas ondas e esperar a tempestade passar.

Uma onda muito forte bate em nosso barco, uma quantidade enorme de água entra no barco, enquanto tentávamos tirar a água, somos surpreendidos por mais uma onda, essa fatal, nos atingiu em cheio fazendo com que o barco virasse e nos arremessando para o mar; Chico gritou desesperado, mas eu não conseguia o ver, naquele momento só o que eu conseguia fazer era tentar vencer as ondas e não me afogar. Não ouvi e nem ouvi mais Chico, coitado, eu sabia que não conseguiria o salvar, muito menos a mim mesmo. Tentei pensar em alguma estratégia, quem sabe seguir o caminho da nuvem me levaria para costa.

Fui nadando e mergulhando alternadamente, seguindo a nuvem, enquanto a chuva parecia amenizar. Fiz isso por horas, mergulhei fundo para vencer uma onda, ao voltar para a superfície da água, me deparo com um rochedo coberto por uma cobertura vegetal. Estava perto, com algumas centenas de braçadas eu conseguiria chegar lá.

Não lembrava que tinha uma ilha para aquelas bandas, mas fiquei feliz e fui chegando perto, não tinha praia, só rochas. Venci a tempestade, cheguei em terra… rocha firme. Avistei um farol, talvez lá eu pudesse me abrigar e pedir ajuda para chegar no continente. Fui seguindo morro acima, lugar totalmente inabitado, só tinha o farol. Eu já estava muito cansado e muito tonto, estava com fome e sede, resolvi sentar um pouco numa pedra e descansar. Fecho os olhos por um instante e ouço um barulho de algo vindo em minha direção. Arrastados e chiados aproximavam de mim e eu nenhuma reação conseguia esboçar. Esses barulhos se repetiam em minha mente por diversas vezes e não mais sabia se eram reais. Senti que fui agarrado e enrolado no chão, mas não sabia pelo que era. De tão cansado, não consigo agir e desmaio no chão.

Só me lembro de ter aberto os olhos com uma luz muito forte.

- Ele acordou, mãe!

Era meu filho? Não, eu estava no topo do farol, a única família que habitava a ilha e morava no farol tinham me acolhido. Depois de terem me encontrado caído no rochedos, rodeados de cobras que não tinham me atacado, talvez por eu já parecer está morto. Me levaram para o farol, me deitaram e cuidaram de mim, sou muito grato por eles por terem me salvado.

[Noticiário da TV]

Dois pescadores morreram depois de pescaria em alto mar durante tempestade, o barco em que estavam afundou e os dois ficaram naufragados em mar aberto. Partes do corpo de Seu Chico de 46 anos foi encontrado boiando no mar, enquanto que o corpo de José Carlos de 38 foi encontrado a beira de um rochedo na Ilha de Queimada Grande, a 35 km da costa. Por pouco não sobreviveu, mas ainda não se sabe o real motivo de sua morte, seu corpo foi encontrado ensanguentado e cheio de ferimentos. A ilha é conhecida por Ilha das Cobras, por abrigar uma grande quantidade de cobras, principalmente a jararaca ilhoa, endêmica do local, cujo veneno mata em menos de duas horas e causa alucinações.

A ilha é cercada por mistérios, em 1980 a única família que habitava a ilha e responsáveis pelo farol, foi encontrada morta sem nenhum vestígio. Eles usavam fogo para matar e espantar as cobras, para assim se protegerem no farol, por isso o nome Queimada Grande, mas sempre sobreviviam cobras e aumentavam mais ainda seu número. Hoje é proibido pisar na ilha e o farol funciona de forma automática.

[Chico]

Fico muito triste por Carlos, era muito apegado a família. Mas por Deus que eu não acordei hoje e fui pescar com ele. Morreria na certa, sou muito fraco, nem conseguiria chegar a ilha.

[José Carlos]

Sinto muito por Chico, ainda bem que aquela família me acolheu no farol. Não saberia o que minha família faria sem mim, amo minha esposa e meu filho. Não pretendo mais pescar, mas com certeza vou buscar uma outra forma de sustentar minha família que tanto amo.

Juan Bercles
Enviado por Juan Bercles em 26/08/2020
Código do texto: T7046415
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