A Botija e o Padre

A botija

- Seu padre, por favor, eu preciso de perdão, eu pequei e agora estou amaldiçoado, preciso da ajuda de Deus, por favor, seu padre..

- Acalme-se, filho, se está arrependido, não importa qual o pecado cometeste, o Pai-Todo-Poderoso irá perdoá-lo se o arrependimento for verdadeiro!

- É sim, Padre, nunca me arrependi tanto de ter errado, por favor, me diz como uma pessoa amaldiçoada pode se livrar dela, me ajuda…

- Filho, a primeira coisa é você se acalmar e me contar do seu pecado, depois eu poderei ajudá-lo, em nome do Senhor!

E assim, Joel, de joelhos no confessionário, começou o relato de como se tornou um homem amaldiçoado, tremia ainda, mesmo estando em solo sagrado, não se sentia seguro, suspirou profundamente, e falou ao santo homem, o qual do outro lado da janelinha de madeira aguardava pacientemente, enquanto em suas mãos segurava um rosário de ouro, que segundo ele contava, havia sido benzido pelo próprio Papa.

- Padre, eu roubei, e passei a perna em um amigo, ja tinha roubado antes, mas nunca tinha traído um amigo, nunca machuquei ninguém, mas, senhor, se eu for perdoado, eu prometo me ajeitar, nunca mais roubar, nunca mais cometer nenhum pecado, vou me tornar um novo homem!

O padre, notando que Joel esperava algum comentário, pois havia feito uma pausa, disse:

“-Sim, filho, não insistir no erro já é uma forma de mostrar ao Senhor que se está trilhando o caminho da retidão!”.

- Sim, Padre, eu prometo, nunca mais fazer nada de errado!

E assim, continuou Joel a relatar ao padre:

- Estávamos eu e um amigo, o Zé Pedro, a gente 'tava num boteco, enchendo a cara de cachaça, como sempre fazíamos nas sextas-feiras, pois a gente não trabalha no sábado, dai o Zé começou a contar de uns sonhos que estava tendo seguido, há muitos dias, ele disse que uma mulher de branco mostrava para ele onde tinha uma botija

cheia de moedas de ouro enterrada, eu como sempre gostei de uns causos, dei trela e fui ouvindo.

Sei que o Zé nunca acreditou nessas coisas, nem eu, mas me criei ouvindo histórias de Botija, mas parece que ele não conhecia nada dessas lendas, e eu fui trovando, assuntando até que ele estava tão bêbado que me contou direitinho de onde estava a botija enterrada.

Foi ai que cresci o olho, Padre, já devia ser umas 22 horas, o Zé já estava babando na mesa, eu estava bem, pois quando comecei a me interessar no sonho dele, eu parei de beber e quis ficar bem atento.

Levei meu amigo até a casa dele, e fui para minha, fui direto no galpão, peguei uma lamparina, uma enxada e uma pá, e me fui para onde ele tinha me dito, pensei para mim, ele não acredita nessas coisas, quem sabe é para mim mesmo, Padre, cheguei a me rir pensando nas moedas de ouro, peguei a bicicleta e fui.

Não demorei muito a chegar, era lá nos descampados da Estrada Velha, onde antigamente tinha uns sítios, mas hoje está tudo em ruínas. Pulei a cerca e segui para onde o Zé tinha descrito, fui até o velho engenho e dali segui à esquerda, em direção do Riacho do Conde, lá encontraria uma figueira centenária, tão grande que fazia sobra nas outas e logo eu a achei, bem como ele tinha dito. Era para cavar bem no centro do caminho entre essa figueira e o riacho, e fui até devagar até o riachinho, contei os passos e voltei e achei o centro, e comecei a cavar.

Padre, não demorou que bati numa coisa, larguei a pá e com as minhas mãos acabei de tirar a terra, era uma tampa de barro, me ri, era verdade então, eu tava rico!!

Cuidadosamente, abri ao redor e consegui tirar a velha botija de barro, ela estava pesada, padre, devia ter um meio quilo ou mais, cheguei com a lamparina perto, tirei a tampa e vi que estava cheia de moedas, pelo pouco que dava para ver, era tudo ouro!

Eu não sabia o que fazer de tão feliz, estava rico! Abracei bem a botija, enrolei um saco que levava sempre comigo amarrado na bicicleta, que juntava latinhas nas lixeiras e ruas e sai correndo até a bicicleta que tinha deixado encostada na figueira.

Quando estava já chegando perto do engenho ouvi um grito forte vindo da figueira, me deu um frio na espinha, cheguei a me encolher, mas olhei para trás mesmo assim, Padre, foi quando começou a minha maldição!

Tinha uma mulher vestida de branco, tava longe já, mas dava para ver que ela não estava encostando no chão, era como se ela pairasse sobre a grama, vinha uma

luz forte, um clarão de luz a cercava, não conseguia ver as feições dela, mas só podia ser um espírito, Padre, um fantasma, ela falou com uma voz horrível: “Isso não é seu, devolva ou eu irei buscar meu ouro e vou te trazer junto!”.

Eu gelei, e pensei comigo, eu é que não volto, vou é fugir daqui, azar é dessa dona ai, e me larguei a pedalar o mais rápido que consegui, quando sai à estrada, vi que não tinha nada atrás de mim, fiquei mais tranquilo e pensei: “mas bah, deve ser coisa da minha cabeça, fiz muito esforço cavando e tomei umas cachaças, deve ter sido alucinação, só pode!”

Cheguei em casa, tirei as moedas da botija, era tudo ouro, padre, umas moedas de uns 100 anos, mas de ouro, não sei quanto tinha ali, mas acho que quase um quilo, eu estava rico, com certeza! Me ria sozinho e dizia: “Pobre Zé, vai continuar sonhando, mas vai continuar pobre!”.

Guardei o saco de baixo da cama e fui me lavar, não demorou muito estava dormindo, eram quase 4 da madrugada quando senti um frio, achei estranho, levantei para pegar uma coberta e quando deitei na cama notei algo gelado encostar na minha nuca, dei um pulo! Era ela, a mulher de branco agora estava ali na minha cama, nem pensei duas vezes e já estava na porta para sair à rua, quando ela gritou:

“- Seu ladrão, não adianta fugir, eu estarei onde meu outro estiver!” e deu uma enorme gargalhada.

Seu Padre, eu corri para casa do Zé, bati muito para ele me deixar entrar, mas acho que ele estava tão bêbado que não ouviu, foi então que eu corri para cá, e fiquei nas escadas até a igreja abrir, esperando pelo senhor! Ela não apareceu aqui, deve ficar onde está o ouro e ele ficou lá em casa, ou por aqui ser um lugar de Deus..não sei..

Por favor, padre, eu preciso me livrar dessa maldição, eu faço qualquer coisa!

O padre, então, pediu para ele rezar um Pai Nosso e uma Ave-Maria, e, enquanto isso, pensaria na penitência apropriada. Joel rezou com uma fé como nunca havia rezado.

O padre começou então:

- Seu Joel, meu filho, eu vejo em suas palavras o quanto está arrependido, e isso quase basta para que Deus o perdoe, mas cometeste um pecado capital, e para que seja realmente perdoado, deve cumprir exatamente o que lhe direi agora...".

Naquele mesmo dia, antes do meio-dia, Joel estava enterrando a botija exatamente onde havia achado, e depois foi de volta para igreja onde pintaria e consertaria todas as cercas de madeira ao redor dela.

Tudo para pagar aquele pecado da cobiça, e, segundo o padre, sua redenção seria aceitar a pobreza e de que tinha que trabalhar para santidade sem nada cobrar, e assim ele prometeu, em nome de Deus, fazer!

Durante a tarde, Joel, viu o padre saindo com seu fusquinha, depois de algumas horas, o padre voltou com sua batina suja de barro, notou quando ele entrou rapidamente com uma sacola na qual carregava algo pesado, mas pensou: “Isso nada tem a ver comigo, só tenho a agradecer esse santo homem que salvou minha alma pecadora!”.

Quando estava indo guardar as ferramentas, viu que faltava uma pá, achou estranho, olhou na garagem onde estava o carro do padre, que era ao lado do galpão em das ferramentas, e viu a pá ali, toda embarrada, como se tivesse sido usada há pouco, foi que o padre se aproximava rapidamente, dizendo:

- Joel, pode deixar as coias ai, deixe o resto para amanhã, porque a noite chega depressa e tenho liturgias a realizar. Vá, bom homem, vá descansar, pensar em seus pecados e como o Senhor Deus foi bom em ter te perdoado, agradeça a Deus por estar livre das coisas ruins que te cercavam e pela oportunidade de servir à Santa Igreja!

Joel, consentiu e agradeceu ao padre, e resolveu não pensar mais naquilo, afinal o dia passou e ele tinha feito tudo como o padre havia mandado, se sentia um novo homem, queria aproveitar a oportunidade e viver de modo correto, estava se sentindo muito bem, como nunca havia estado!

Já era noite, pegou a bicicleta de trás do galpão da igreja e sentiu um frio estranho, um vento gelado, então resolveu pedalar mais rápido, olhando apenas para frente, mas poderia jurar que atrás dele estava aquele clarão, igual ao da noite passada quando viu a mulher pela primeira vez, pedalou mais rápido e logo estava longe, em pouco tempo estava em casa, pensou: “era só impressão, não tinha nada lá!”. Se ajoelhou e rezou.

Joel dormiu naquela noite o sono dos justos, como desde criança não dormia!

Depois da missa, o padre resolveu contar as moedas, tinha planos de na manhã seguinte ir até um ourives avaliar as peças, porém já sabia que era o padre mais rico do Brasil. Aquele pobre coitado ignorante havia dado um bilhete sorteado da loteria para ele.

Ele ria, seu riso ecoava na abóbada da igreja, quando ele ouviu umas batidas na porta, disse a si mesmo: “Mas que inferno! Aposto que é alguma daquelas malditas beatas que esqueceu o guarda-chuva!”.

Escondeu a botija e foi abrir a porta, estranhou o clarão que vinha pelos vãos da porta, mas abriu de qualquer forma.

Realmente, ele estava certo, era alguém que havia ido buscar algo que estava ali dentro da igreja, mas não era uma de suas beatas.