254 A Casa Assombrada
Quando perguntavam pormenores sobre a casa que queriam comprar as pessoas da terra fechavam-se num mutismo supersticioso. O que souberam foi através de moradores da região. Havia sido morto, numa briga de heranças, o dono da casa. A mulher viveu o tempo bastante para afirmar que ele vinha todas as noites ficar com ela ao borralho, comer da açorda e saber das colheitas. Levaram-na a sério e o povo passou a alongar caminho para não passar em frente aos portões de ferro que alguém ouvia ranger. Por essa razão a casa era barata. Olharam um para o outro, riram-se e uma semana depois mudaram-se para lá. O cão uivou muito nas primeiras noites, o vento levantou parte do telhado do alpendre, e uma porção de estuque caiu do tecto da sala da lareira. – Matava-nos, disse ela a começar a assustar-se. - talvez não, respondeu o marido. Amanhã mesmo, com ou sem ajuda, começo a reparar tudo. E assim foi. Quando se preparava para picar a parede danificada, vindo não soube de onde, um velho de boina basca e capote alentejano apareceu a dar-lhe ordens. - Aí não toque! Não autorizo que mexa nessa parede. E ele, pousando a marreta, viu-o sair pela porta da cozinha. Sentiu-se tonto e precisou sentar-se. - Ou mexo agora ou, tal como os demais, terei de deixar a casa. Levantou-se, ergueu alto o instrumento de trabalho, fez toda a força que conseguiu e desferiu o golpe naquela parede. Caiu com fragor o estuque e a portinhola do armário que ali se escondia, abriu-se. No meio de inutilidades o envelope amarelado continha uma fórmula de exorcismo caída em desuso que o novo proprietário fez questão de ler para impedir que o velho voltasse. Mas a criatura, teimosa, vinha sempre que se fizesse açorda de coentros.