SEMPRE COMIGO
Quando Fernanda engravidou já estava a três anos vivendo na comunidade. Não havia nada melhor do que aquela vida longe da cidade, seus poluentes, sua comida e água envenenadas. Toda comida era cultivada ali mesmo, coletivamente, sem agrotóxicos e sem fertilizantes químicos. A água vinha da nascente, sem o maldito flúor que calcificava a Pineal. A vida era pacífica, as noites, estreladas.
A notícia da gravidez foi anunciada durante a cerimônia do chá sagrado, e todos brindaram à primeira criança nascida no seio da comunidade. Haviam outras, claro, mas já tinham chegado ali com alguns anos de idade. Fernanda recebeu presentes de todas as mulheres da comunidade, e seu parto foi completamente natural, como deve ser. A criança recebeu o nome de Melissa e era amada por todos.
Logo que nasceu, algo chamou atenção de todos: a menina não chorou, mas abriu os olhos com calma e lucidez. Aquilo foi comemorado, isso era o sinal que esperavam: uma Criança Índigo estava entre eles. Entoaram mantras pela chegada da menina, e a ungiram com óleo de lavanda. Passadas as primeiras horas após o parto, colocaram a menina no berço, e ela era muito tranquila... Mas não dormia. A mãe, por outro lado, exausta pelas 20 horas de trabalho de parto, estava em sono profundo.
- Durma Fernanda... logo logo essa mocinha vai começar a dar trabalho e você vai passar noites em claro cuidando dela – Disse Mariana, a mais velha entre as mulheres.
Mas isso nunca aconteceu... Melissa era tão tranquila que não chorava de noite. A mãe a colocava no berço na hora certa e ia dormir, esperando a escuridão do quarto estimular a produção natural de Melatonina ajustar o ritmo circadiano da menina aos ciclos da natureza. A mãe, então, fazia sua meditação noturna e ia dormir.
Certa noite Fernanda acordou de madrugada e foi ver a menina, achou ter ouvido um pequeno choro. Mas, chegando ao berço, a criança não chorava, apenas balançava as mãozinhas no ar, totalmente acordada. A mãe achou aquilo muito estranho: os bebês não deveriam dormir 20 horas por dia naquela idade? Resolveu então trazer um livro para ler no quarto da menina e observa-la mais de perto.
A leitura era pesada e Fernanda adormeceu rapidamente, acordando meia hora depois com dor no pescoço pela posição. E Melissa ainda estava acordada. Não chorava, não reclamava, mas também não pregava o olho. No dia seguinte, Mariana foi chamada, mas tentou tranquilizar a mãe:
- Ainda não sabemos muito sobre as Crianças Índigo, isso pode ser absolutamente normal para elas... Talvez precisem de menos horas de sono para entrar em estado Alfa.
- Não Mariana, a senhora não está entendendo... Ela não dorme. Nenhum momento sequer! Eu achava que ela dormia à noite toda e estava harmonizada com a natureza, mas isso não acontece, nem de dia e nem de noite. Isso não deve fazer nada bem...
- Calma Fernanda... Eu vou consultar meus livros e vou ver o que posso fazer pelo seu bebê. Namastê!
- Namastê!
No dia seguinte Mariana chegou com um presente para a pequena Melissa: Uma fada de feltro feita à mão, com cabelos de lã lilás e olhos de botão. Seu nome: Fada Lavanda. Segundo a aromaterapia, seu corpinho recheado de lavanda ajudaria o sono da menina. Isso, juntamente a um tratamento com Florais, resolveria o problema, ela garantiu.
E funcionou: a menina agarrou a bonequinha, colocou o dedo na boca, e em poucos minutos dormia como um anjo.
- Não há nada nesse mundo que não se resolva com o poder da natureza Fernanda! – concluiu em tom sábio a matriarca.
Os anos se passaram. Melissa era uma educada e gentil menina de quatro anos, que não dava trabalho nem reclamava, exceto quando a mãe saía de perto dela.
- Mamãe fica!!! – Suplicava
- Mamãe não pode, mamãe tem que ir trabalhar na horta! Como as pessoas vão comer se não tiver ninguém trabalhando na horta?
- As pessoas não precisam comer!
- Não seja boba! Agora fique e obedeça a tia Mariana!!! – disse categoricamente, deixando a menina na Sala Comunal das crianças. Ali elas deveriam aprender a ler, escrever, conhecer as plantas e a recitar os mantras, diariamente.
Fernanda ia para a horta, mas a cada dia ficava mais cansada e voltava mais cedo para buscar a menina. Pegava ela, comiam na cozinha comunal e depois iam para a pequena casa em que moravam. Fernanda dormia de tarde e Melissa ficava ao lado dela brincando com suas bonecas: Lavanda, Violeta, Girassol e Tulipa, todas feitas à mão por Mariana.
Fernanda deitava para descansar umas poucas horas mas acabava dormindo, e a cada dia demorava mais para acordar. Ela fazia esforço, mas ficava presa em estranhos sonhos, e toda vez que parecia acordar na verdade sonhara estar acordando. Uma vez só acordou às nove da noite, assustada. A menina brincava calmamente ao lado dela. Olhou para a mãe e sorriu docemente, e Fernanda logo esqueceu sobre o que estivera sonhando.
Dormir tanto de tarde significava perder o sono à noite, e acordar no dia seguinte mais cansada ainda. Aquilo era terrível, e enormes olheiras não demoraram a surgir. Mariana foi lhe fazer uma visita, preocupada, e sugeriu uma meditação de regressão guiada para saber o motivo daquele incômodo. Fernanda começou a recitar os mantras e logo caiu inconsciente, falando:
- Estou no meu quarto. Está escuro. Tenho frio... Tem uma pessoa aqui comigo, uma pessoa muito alta, uma mulher. Quero levantar da cama, a mulher diz que não. Ela diz que não está na hora, e que eu tenho que descansar para ficar forte. Eu tento levantar, mas ela está brava. Ela pegou uma coisa pesada, bateu na minha cabeça... AAAAAAAAAAH! – Fernanda se sentou subitamente, de olhos abertos. Mariana achou que ela tinha acordado, mas Fernanda caiu novamente deitada e de olhos fechados. Continuou:
- Estou na sala comunal. Hoje está tendo um banquete, tem muita comida. Eu estou farta, eu quero ir embora. Uma pessoa aparece, uma pessoa muito alta. Ela tem olhos escuros. Ela diz que eu não posso sair, que o jantar ainda não acabou e que eu tenho que comer toda a cenoura. Ela diz que eu tenho que ficar. Eu não quero ficar, eu vou embora. Eu tento sair pela porta, mas ela me empurra, e a porta dá num precipício AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH! – O corpo de Fernanda se arqueia e depois despenca novamente no chão. Mariana resolve entoar o mantra de despertar, assustada com aquilo tudo, e então Fernanda, sonolenta, se senta calmamente. Não se lembra de nada.
Mariana resolve lhe dar um chá de gengibre com ginseng para despertar, e recomenda que ela tome todos os dias pela manhã aquele chá e que masque raiz de valeriana assim que o sol se pôr. Fernanda agradece e chama a filha, que estava brincando na varanda. Se despedem e vão pra casa.
Chegando, Fernanda coloca Melissa na cama e arruma as bonecas, como de costume:
- Agora é hora de dizer boa-noite pras suas amiguinhas!!!
- Boa Noite Lavanda! Boa Noite Girassol! Boa Noite Violeta! Boa noite Tulipa! Boa noite Mamãe!
- Boa noite filha! – Diz Fernanda se inclinando para beijar a filha. Então ela percebe que a menina não dera boa noite para ela, e sim para uma nova boneca de feltro: esta tinha cabelos de lã amarelo e sua roupa era de um retalho bastante familiar.
- Quem é essa?!
- Essa é você mamãe!
- Você que fez essa boneca?
- Sim, tia Mariana ensinou a gente a fazer. Ela disse que não era pra eu sentir saudade de você se eu tivesse um pedacinho de você sempre comigo.
Fernanda gelou: os retalhos da roupa da boneca eram parte de um velho vestido seu, e os botões dos olhos também. Assustada, perguntou:
- Filha o que você fica fazendo de tarde quando eu estou dormindo?
- Eu brinco com as bonecas. Eu coloco a mamãe boneca pra dormir também, e as fadas tomam conta dela pra ela não acordar...
- Por que você faz isso minha filha?!
- Porque quando você dorme você não sai de perto de mim Mamãe... – E, pegando a boneca no colo, a menina a ninou levemente, deu-lhe um beijo na testa e sussurrou:
- DURMA BEM MAMÃE!
Fernanda cambaleou para cama, inconsciente. A menina, por sua vez, fez o que fazia todas as noites a quatro anos: fechou os olhos e fingiu dormir.
A notícia da gravidez foi anunciada durante a cerimônia do chá sagrado, e todos brindaram à primeira criança nascida no seio da comunidade. Haviam outras, claro, mas já tinham chegado ali com alguns anos de idade. Fernanda recebeu presentes de todas as mulheres da comunidade, e seu parto foi completamente natural, como deve ser. A criança recebeu o nome de Melissa e era amada por todos.
Logo que nasceu, algo chamou atenção de todos: a menina não chorou, mas abriu os olhos com calma e lucidez. Aquilo foi comemorado, isso era o sinal que esperavam: uma Criança Índigo estava entre eles. Entoaram mantras pela chegada da menina, e a ungiram com óleo de lavanda. Passadas as primeiras horas após o parto, colocaram a menina no berço, e ela era muito tranquila... Mas não dormia. A mãe, por outro lado, exausta pelas 20 horas de trabalho de parto, estava em sono profundo.
- Durma Fernanda... logo logo essa mocinha vai começar a dar trabalho e você vai passar noites em claro cuidando dela – Disse Mariana, a mais velha entre as mulheres.
Mas isso nunca aconteceu... Melissa era tão tranquila que não chorava de noite. A mãe a colocava no berço na hora certa e ia dormir, esperando a escuridão do quarto estimular a produção natural de Melatonina ajustar o ritmo circadiano da menina aos ciclos da natureza. A mãe, então, fazia sua meditação noturna e ia dormir.
Certa noite Fernanda acordou de madrugada e foi ver a menina, achou ter ouvido um pequeno choro. Mas, chegando ao berço, a criança não chorava, apenas balançava as mãozinhas no ar, totalmente acordada. A mãe achou aquilo muito estranho: os bebês não deveriam dormir 20 horas por dia naquela idade? Resolveu então trazer um livro para ler no quarto da menina e observa-la mais de perto.
A leitura era pesada e Fernanda adormeceu rapidamente, acordando meia hora depois com dor no pescoço pela posição. E Melissa ainda estava acordada. Não chorava, não reclamava, mas também não pregava o olho. No dia seguinte, Mariana foi chamada, mas tentou tranquilizar a mãe:
- Ainda não sabemos muito sobre as Crianças Índigo, isso pode ser absolutamente normal para elas... Talvez precisem de menos horas de sono para entrar em estado Alfa.
- Não Mariana, a senhora não está entendendo... Ela não dorme. Nenhum momento sequer! Eu achava que ela dormia à noite toda e estava harmonizada com a natureza, mas isso não acontece, nem de dia e nem de noite. Isso não deve fazer nada bem...
- Calma Fernanda... Eu vou consultar meus livros e vou ver o que posso fazer pelo seu bebê. Namastê!
- Namastê!
No dia seguinte Mariana chegou com um presente para a pequena Melissa: Uma fada de feltro feita à mão, com cabelos de lã lilás e olhos de botão. Seu nome: Fada Lavanda. Segundo a aromaterapia, seu corpinho recheado de lavanda ajudaria o sono da menina. Isso, juntamente a um tratamento com Florais, resolveria o problema, ela garantiu.
E funcionou: a menina agarrou a bonequinha, colocou o dedo na boca, e em poucos minutos dormia como um anjo.
- Não há nada nesse mundo que não se resolva com o poder da natureza Fernanda! – concluiu em tom sábio a matriarca.
Os anos se passaram. Melissa era uma educada e gentil menina de quatro anos, que não dava trabalho nem reclamava, exceto quando a mãe saía de perto dela.
- Mamãe fica!!! – Suplicava
- Mamãe não pode, mamãe tem que ir trabalhar na horta! Como as pessoas vão comer se não tiver ninguém trabalhando na horta?
- As pessoas não precisam comer!
- Não seja boba! Agora fique e obedeça a tia Mariana!!! – disse categoricamente, deixando a menina na Sala Comunal das crianças. Ali elas deveriam aprender a ler, escrever, conhecer as plantas e a recitar os mantras, diariamente.
Fernanda ia para a horta, mas a cada dia ficava mais cansada e voltava mais cedo para buscar a menina. Pegava ela, comiam na cozinha comunal e depois iam para a pequena casa em que moravam. Fernanda dormia de tarde e Melissa ficava ao lado dela brincando com suas bonecas: Lavanda, Violeta, Girassol e Tulipa, todas feitas à mão por Mariana.
Fernanda deitava para descansar umas poucas horas mas acabava dormindo, e a cada dia demorava mais para acordar. Ela fazia esforço, mas ficava presa em estranhos sonhos, e toda vez que parecia acordar na verdade sonhara estar acordando. Uma vez só acordou às nove da noite, assustada. A menina brincava calmamente ao lado dela. Olhou para a mãe e sorriu docemente, e Fernanda logo esqueceu sobre o que estivera sonhando.
Dormir tanto de tarde significava perder o sono à noite, e acordar no dia seguinte mais cansada ainda. Aquilo era terrível, e enormes olheiras não demoraram a surgir. Mariana foi lhe fazer uma visita, preocupada, e sugeriu uma meditação de regressão guiada para saber o motivo daquele incômodo. Fernanda começou a recitar os mantras e logo caiu inconsciente, falando:
- Estou no meu quarto. Está escuro. Tenho frio... Tem uma pessoa aqui comigo, uma pessoa muito alta, uma mulher. Quero levantar da cama, a mulher diz que não. Ela diz que não está na hora, e que eu tenho que descansar para ficar forte. Eu tento levantar, mas ela está brava. Ela pegou uma coisa pesada, bateu na minha cabeça... AAAAAAAAAAH! – Fernanda se sentou subitamente, de olhos abertos. Mariana achou que ela tinha acordado, mas Fernanda caiu novamente deitada e de olhos fechados. Continuou:
- Estou na sala comunal. Hoje está tendo um banquete, tem muita comida. Eu estou farta, eu quero ir embora. Uma pessoa aparece, uma pessoa muito alta. Ela tem olhos escuros. Ela diz que eu não posso sair, que o jantar ainda não acabou e que eu tenho que comer toda a cenoura. Ela diz que eu tenho que ficar. Eu não quero ficar, eu vou embora. Eu tento sair pela porta, mas ela me empurra, e a porta dá num precipício AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH! – O corpo de Fernanda se arqueia e depois despenca novamente no chão. Mariana resolve entoar o mantra de despertar, assustada com aquilo tudo, e então Fernanda, sonolenta, se senta calmamente. Não se lembra de nada.
Mariana resolve lhe dar um chá de gengibre com ginseng para despertar, e recomenda que ela tome todos os dias pela manhã aquele chá e que masque raiz de valeriana assim que o sol se pôr. Fernanda agradece e chama a filha, que estava brincando na varanda. Se despedem e vão pra casa.
Chegando, Fernanda coloca Melissa na cama e arruma as bonecas, como de costume:
- Agora é hora de dizer boa-noite pras suas amiguinhas!!!
- Boa Noite Lavanda! Boa Noite Girassol! Boa Noite Violeta! Boa noite Tulipa! Boa noite Mamãe!
- Boa noite filha! – Diz Fernanda se inclinando para beijar a filha. Então ela percebe que a menina não dera boa noite para ela, e sim para uma nova boneca de feltro: esta tinha cabelos de lã amarelo e sua roupa era de um retalho bastante familiar.
- Quem é essa?!
- Essa é você mamãe!
- Você que fez essa boneca?
- Sim, tia Mariana ensinou a gente a fazer. Ela disse que não era pra eu sentir saudade de você se eu tivesse um pedacinho de você sempre comigo.
Fernanda gelou: os retalhos da roupa da boneca eram parte de um velho vestido seu, e os botões dos olhos também. Assustada, perguntou:
- Filha o que você fica fazendo de tarde quando eu estou dormindo?
- Eu brinco com as bonecas. Eu coloco a mamãe boneca pra dormir também, e as fadas tomam conta dela pra ela não acordar...
- Por que você faz isso minha filha?!
- Porque quando você dorme você não sai de perto de mim Mamãe... – E, pegando a boneca no colo, a menina a ninou levemente, deu-lhe um beijo na testa e sussurrou:
- DURMA BEM MAMÃE!
Fernanda cambaleou para cama, inconsciente. A menina, por sua vez, fez o que fazia todas as noites a quatro anos: fechou os olhos e fingiu dormir.