O Ventre Terrível

I

Da noite nasceu o monstro

Que está a rugir nos bosques

Ando pela estrada, tonto

Nem esperava a minha morte!

A lua grita em meus ouvidos

Pois sou surdo de nascença

Procuro pelo rio Nilo

Em busca de uma encomenda!

Me perdi no Bosque Santo

Tão santo que nem eu o conhecia

Muito menos sabia do monstro

Que acabaria com a minha vida!

As pedras cantam-me Salmos

Com o horror da criação

Se do nada sai um canto calmo

Imagine da negação!

Pois escuto um tremer ao longe

Primeiro escuto de minha vida

Pulo como de um bonde

Acabou-se a minha sina!

Que nada, apenas a morte está próxima

O Monstro salta para a estrada

Fito sua veia carótida

Grito por minha amada!

Tu tens a face de todas as mortes

O cheiro de todas as fossas

Seu corpo criou-se de sorte

Seu ser a escuridão desbota!

E qual ventre te produziu?

Oh, santa criatura dos bosques

Odioso como o Lúcifer viril

Tu és a própria morte!

Urro como se fosse seu irmão

E para mim você vem

Ajoelho-me gritando um “não”

E então você parte-me em cem!

Meus olhos ainda veem

O horror criacionista

Pois sua matriarca não é nada mais do que a natureza de outrem

O ventre que te criou negava a própria vida!

II

Assim como monólogo de uma sombra

Escrevo esta noite, em meu quarto

A janela aberta para entrar o barulho das ondas

O odioso mar está logo do outro lado!

A vela ilumina minha face pálida

Minha mão treme como alguém com Parkinson

De meus olhos sai uma lágrima cálida

Da solidão meu corpo é nato!

E alguém bate então

Levemente no batente

Como um mendigo atrás de um pedaço de pão

“Vá embora, para sempre! ”

Mas o ser terrível não escuta minha súplica

E vejo seu corpo voar pelo meu quarto

O morcego voa com a cor da lua

E pensar que um ventre concebeu tal parto!

Grito com o maior horror

E me levanto de minha cadeira

Minha face perde logo a cor

Minha mão lança uma caneta!

E tal ser apenas me fita

Com a pior de todas as sinceridades

Pois se pensei que não tinha mais sina

Agora acabou-me toda a mocidade!

Ajoelho-me para chorar

Enquanto o morcego me fita pela luz da vela

Já não aguento mais gritar!

Meu quarto se tornou minha própria cela!

Então me levanto e me posto a escrever

O maior monólogo que vejo

Uma homenagem irei fazer

Para o ventre criador de todos os sebos!

III

É madrugada alta, estou na cama para morrer

O copo de água já está seco....

Veja, se for para eu morrer...

Cante-me o Cântico do Sebo!

E então alguém entra em meu quarto

Uma leve batida no umbral

Da noite sai a criatura de Fausto

Um trato pela vida não me cairia mal!

E então percebo, com horror

Que aquele ser veio me buscar

Ele suga minha alma sem pudor

Para o limbo irá me levar!

Grito a pleno pulmões e infarto

Para que mate o meu sossego

Que um ventre maldito me conceda, no próximo parto

Sair do útero de um morcego!

Brenno Lima
Enviado por Brenno Lima em 09/08/2020
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