- Morfina! Eu quero morfina!
 
Os gritos de Leônidas se espalhavam pelas ruas tortas e escuras de Mirassol do Norte. Ninguém estava fora de casa àquela hora. As senhoras que frequentavam a igreja se benziam. Homens que frequentavam os bares, estando todos já fechados, tragavam suas doses escondidos em casa. Todas as residências estavam trancafiadas, algo incomoum para pequenas cidades do interior, mas os tempos eram sinistros. A lua cheia pairava firme no céu sendo parcialmente encoberta por nuvens que vagavam a esmo. Coincidência ou não, quando ficava totalmente descoberta, Leônidas gritava com maior intensidade. Dois casais cuidavam dele. Uma das mulheres, na casa dos cinquenta, cabelos grisalhos, mas ainda mostrando beleza, dizia:

- Acabou. O que faremos?

Júlio, um homem alto, completamente calvo e magérrimo, afirmou:

- Cedo demais.

- Não dá para esperar, disse a mulher. Ele precisa, e muito.

O outro casal era muito jovem, bonito, e se abraçava aos fundos tendo a pálida luz de um lampeão mostrando suas faces claras e temerosas.

- Se não formos buscar ele poderá ficar louco e todos sabemos do desfecho.

- Não vão me entregar. Você sabe bem disso...

- Eles estão sem escolha. Sabem muito bem das consequências. Vá logo!

O homem calvo saiu para as ruas enquanto Leônidas, atado à cama com fortes correntes urrava cada vez mais alto. Saindo com seu sobretudo negro dirigiu-se ao centro da pequena cidade e subiu no coreto reservado aos discursos. Tirou a boina preta, olhou para a lua e disse em voz alta:

- Eu preciso da morfina! Vocês todos sabem disso. Ou entregam um pouco voluntariamente ou todos sabemos o que poderá acontecer. Não pode durar muito. Estamos fazendo o possível, mas se sair do controle todos por aqui correm perigo...

Depois de algum tempo um mulher, entre lágrimas, trouxe um bebê recém nascido envolto em uma manta. Chorando muito e tendo o marido ao lado entregaram o pequeno pacote ao homem. Emocinoado olhou para ambos dizendo:

- Vocês não se arrpenderão! A cidade toda agradece por isso...

Correndo com o bebê nos braços chegou na casa. Leônidas estava ofegante. Sentiu o cheiro da criança e isso o sossegou um pouco. O homem calvo aproximou o pequeno que dormia o sono dos anjos da boca daquele que tanto sofria. Como se fosse mágica o bebê aspirou lentamente e o corpo de Leônidas começou a esfumar entrando pelas pequenas narinas na criança. Após sumir completamente o pequeno abriou os olhos que ficaram, por instantes, vermelhos. Depois, fechou-os e sorriu de modo maroto.

- A dor passou. - Disse o rapaz jovem abraçando a moça.

- Sempre passa. - Respondeu a jovem.

- Leônidas voltará pela criança e, enquanto for assim, não precisaremos renovar pela ingestão de sangue.

O homem calvo ergueu o bebê ao alto dizendo:

- Bendita Morfina! - Os outros se ajoelharam enquanto repetiam:

- Bendita Morfina!...