Relato de um taxista da madrugada – 3
As Mortes
O que vou contar para vocês mexeu com minha família por muito tempo, foi algo assustador, mas real, espero que entendam meu sigilo quanto à cidade e aos nossos nomes, pois envolveu meu filho, na época ele era uma criança, hoje ele já é adulto e evita falar sobre isso, acho que o assusta um pouco, bem vamos aos fatos.
Eu estava no turno da noite, tinha sido uma noite corrida. A cidade estava bem movimentada, durante o dia havia acontecido o velório e o enterro de três pessoas de uma mesma família, uma tragédia, como nunca antes havia acontecido por lá, um casal e uma criança de uns 7 ou 8 anos foram assassinados dentro da própria casa.
Foi um dia pesado e triste para todos na nossa pequena e provinciana cidadezinha.
Tínhamos repórteres e policiais de todos os cantos do Estado, afinal foi o assassinato de uma família de posses, donos de rede de lojas pelo interior, todos queriam saber mais sobre eles, até eu já tinha dado entrevista!
Levei repórteres e policiais para restaurantes, bares, hotéis e pousadas, nunca tivemos movimento como aquele antes, e todos que levei só tinham um assunto: o mistério da morte da família Johnson.
Pelas conversas as investigações tinham diversas linhas, mas estavam sem um rumo certo. Tudo havia acontecido ha pouco tempo, claro, mas segundo o que eles mesmo falavam, quanto mais o tempo fluísse, mais difícil ia ficando de acharem os culpados.
Todas aquelas histórias e comentários já faziam de mim quase que um participante das investigações, me sentia íntimo daquela brutalidade, o que me deixava bem triste, sentia um clima tenso dentro de meu táxi, quase palpável, já havia até rezado alguns Pai Nosso, mas a cada passageiro parecia que o clima ficava mais pesado ainda.
Estava feliz em poder ir para casa, era quase 7 da manhã, quando o telefone tocou, uma última corrida, resolvi fazer, mesmo estressado e cansado, depois de lá, estaria liberado.
Cheguei no endereço informado, era uma bela casa, daquelas com guarita e muro alto, muito protegida. Fizeram sinal para eu esperar, logo veio uma velha senhora, me cumprimentou e me falou o endereço. Eu não estava a fim de conversa e ela muito menos, apesar de ela ter um ar simpático, porém, seu semblante era de alguém que estava arrasada, destruída.
Olhei bem pelo retrovisor e, mesmo através dos grandes óculos escuros, vi que aquela senhora a todo momento, os levantava e enxugava os olhos com um belo lenço. Perguntei se ela estava bem e se precisava de algo, ela apenas disse que não e agradeceu.
Ao chegar no endereço solicitado é que me dei conta que era na casa da família Johnson, mas na rua dos fundos, a casa e o terreno eram tão grandes que ocupavam toda uma quadra, a senhora então falou: “Meu filho, obrigado por enquanto, se o senhor puder esperar por 5 minutos, preciso apenas pegar uma caixa deixada por meu neto e ir de volta à minha casa, poderia fazer isso?”, eu, prontamente, agora sabendo que aquela mulher era parte daquela família recém destruída pela maldade humana, concordei!
Ela não levou nem 5 minutos. O clima dentro de meu táxi estava mais que pesado, ela ficou abraçada na pequena caixa do neto, que havia ido buscar, chorava incessantemente, e em meio às lágrimas me contou, desde pequeno ela acostumou o neto a gostar de quebra-cabeças e que há muito tempo, seu neto e ela tinham começado a montar aquele quebra-cabeças, e ela por ser velha tinha dito a criança que se um dia ela faltasse e fosse morar com o Papai do Céu, ele deveria terminar a montagem e ele, em sua pureza pueril, havia feito com que ela prometesse o mesmo. Naquele instante ela desabou, chorou alto e eu chorei também, após se recompor, suspirou pediu desculpas e finalizou: “Agora vou cumprir a nossa promessa!”.
Meu Filho
Depois que a deixei, fui direto para casa, estava feliz de estar com a minha família, tomei café com minha esposa, meu filho que na época tinha há pouco feito 5 anos ainda dormia.
No caminho para casa, eu decidi passar em um bazar e comprei um pequeno quebra-cabeças para montarmos juntos. Quando ele acordou eu dei a caixa e ele ficou extremamente feliz com o presente fora de época, prometi em brincar com ele logo que me acordasse, pois precisava muito descansar, ele era um ótimo menino, me encheu de beijos e foi brincar no quarto dele e eu fui dormir.
Acordei revigorado, almocei, perguntei para minha esposa do nosso menino e ela disse que ele almoçou cedo e tinha ido pro quarto porque tinha uma surpresa para mim, ela disse que havia perguntado o que era, mas ele disse que não falaria, pois era surpresa!
Terminei o almoço, conversamos um pouco sobre tudo o que estava acontecendo, contei sobre a última corrida, eu e minha esposa choramos juntos, depois agradecemos por estarmos ali unidos e saudáveis.
Fui ao quarto de meu menino, ele pediu para eu fechar os olhos e assim o fiz, e ele gritou: "Abri" e eu abri, foi uma surpresa mesmo, o quebra-cabeças estava todo montado!
Claro, era um para idade dele, peças grandes, mas ele nunca havia visto um tipo aquele, fiquei todo feliz e disse: "Mas bah, gurizinho, como tu está esperto, montou todo sozinho!?!", foi quando ele disse: "Não foi, papai, um amiguinho ajudou!", perguntei alto para minha esposa : "Como assim, tivemos visitas??", ela, de pronto, respondeu: "Claro que não, só pode ser coisa da cabeça desse menino, ele tem muita imaginação!".
Eu achei aquilo muito estranho e insisti perguntando quem tinha estado ali, e ele bem sério disse que um menino entrou ali e pediu para brincar junto, que ele queria montar o quebra-cabeças, e ele ajudou, falou, também, que o menino tinha ido embora pouco antes de eu ter ido ao quarto dele, perguntei o nome e ele, que já estava brincando distraidamente com um carrinho, falou que não sabia, mas achava era Maumau.
Eu tinha achado aquilo muito estranho, mas resolvi ir cuidar de outros afazeres antes de me ajeitar para ir novamente trabalhar.
À tardinha, quando jantávamos os três, eu assistia ao telejornal, quando deu a notícia do assassinato, eu me levantei para aumentar o volume da televisão, meu filho me acompanhou com os olhos curiosos, foi ai que apareceu uma foto da família e me guri gritou: "Ele, foi ele!", minha esposa disse: “Foi ele o que, gurizinho?". Meu guri ainda não tinha respondido e eu, por algum motivo, já sabia a resposta.
Ele feliz por poder nos contar algo, sorrindo disse: "O amiguinho que brincou comigo hoje, que me ensinou a montar o brinquedo novo! O Maumau!", neste instante eu tremi das pernas à cabeça, fiquei tão pálido, que minha esposa levantou para ver se eu estava bem, ela não entendia nada e falou para o nosso filho não brincar com aquilo! Ele ficou sério, como nunca havia ficado e ignorando a mãe, ele complementou: "Papai, ele pediu para eu dizer uma coisa para o senhor falar para vovó dele. Pediu para dizer para ela que agora ele odiava algodão doce!".
Na tv, a repórter contava a fatídica história dizendo o nome das vítimas, sendo a criança Maurício Johnson Neto, que, segundo familiares, era chamado por todos de Maumau!
Não vou mentir, fiquei sem chão, por ser de uma família Kardecista, sabia que meu filho tinha brincado com um espírito desencarnado, já havia lido muito sobre esses acontecimentos, porém, nunca imaginei que aconteceria conosco, será que aquela alma havia ido comigo até nossa casa, será que ela estava ali ainda?
Meu filho sempre teve muitos amigos imaginários, sempre soube que poderiam ser espíritos amigos dele, mas acredita mais que era imaginação do que algo real!
Agora não tinha como duvidar de que ele havia estado com alguém do além. Como chegaria até aquela avó enlutada e falar aquilo, com certeza, ela diria que eu estava louco, e provavelmente, iria me correr de lá!
Todavia eu precisava tomar uma atitude. Fui com a família até nosso orientador espiritual, que era médium de uma Casa Espírita em nossa cidade.
Ele prestou toda atenção no que eu contava, depois de ouvir toda a história, ficou um pouco em silêncio, pediu para conversar a sós com meu menino, o que deixamos, e após falou conosco, explicou sobre a mediunidade das crianças e de que não deveríamos nos assustar quanto a isso, nos instruiu algumas leituras e preces que deveríamos fazer em nosso lar, e pediu para estudarmos sobre o assunto, por último, me chamou e disse: “Teu filho foi o receptor da mensagem, mas ela é missão tua, é tu quem a deve cumprir, pois caso contrário, o espírito da criança morta vai ficar perambulando até que consiga se livrar dessa amarra terrena, pois de alguma forma, isso está prendendo essa alma em nosso plano!”.
A Avó
Sai de la mais tranquilo em relação ao meu filho, mas mais preocupado quanto a mim. Sabia que precisava fazer algo, conversei com minha esposa e chegamos a uma conclusão!
Já era 19 horas, esperava a senhora da mansão na rua dos fundos. Anteriormente tinha ligado para ela, explicado quem eu era e que precisava muito lhe falar. Mesmo achando estranho e eu tendo notado receio na voz dela, ela aceitou conversar. Pediu para eu esperar no mesmo lugar que a tinha pego pela manhã, já que ainda havia muitos repórteres e curiosos na frente da casa dela, claro que concordei!
Antes de ligar, conforme orientação do médium, tinha rezado e pedido que meus amigos espirituais conversassem com os dela, para que desse tudo certo, pelo jeito, eles tinham atendido ao meu pedido!
Ela veio ao portão e pediu que eu entrasse, fechei o carro e fui, ela educadamente me cumprimentou e disse que não podia demorar, pois estava com muitas coisas a resolver, eu consenti, sentamos em um lindo jardim, todo florido e com um agradável odor de jasmim.
Suspirei profundamente e tirei de uma sacola o quebra-cabeças montado de meu filho, ela olhou para ele e começou a chorar e me perguntou que brincadeira era aquela, pois era igual ao primeiro quebra-cabeças que ela havia dado ao neto assassinado. Eu pedi desculpas e que ela se acalmasse, pois não sabia desse detalhe, (mas mais uma coincidência nessa história toda me deixava mais intrigado, pois quando fui comprar o joguinho pro meu guri, parecia que algo soprava na minha cabeça "pega aquele, pega aquele", e eu peguei!).
Então, contei toda a história para ela, no final, nós dois chorávamos abraçados, eu senti toda a dor daquela senhora. Ela me contou que acreditava, pois também frequentou uma Casa Espírita há alguns anos, porém com o tempo havia se afastado, mas nunca deixou de acreditar na doutrina.
Mais calmo, por ver que ela não me julgava um louco, contei do recado que o Maumau pediu ao meu filho dar a ela. Ela ficou séria, muito séria, e me disse, moço, o que o senhor fez foi uma dádiva, eu pedi respostas a Deus, e através de vocês, Ele respondeu!
Seu filho e sua família estão trazendo conforto a essa pobre velha infeliz e despedaçada, mas agora, com tudo o que me contou, eu só posso acreditar que eles não morreram, mas sim foram para outro lugar e, com certeza, agora que me passou o recado, meus bebês vão ficar bem lá!
Moço, eu não sei como agradecer, e me deu um forte abraço, eu agradeci também mesmo sem entender a tudo direito, foi então que perguntei: “O que queria dizer de o Maumau não gostar mais de algodão doce?”, ela, agora bem mais calma, diria até que serena, falou: “Moço, preciso falar com algumas pessoas, mas acho que essa era a pista que faltava para descobrir quem matou meu filho, nora e neto. Eu serei eternamente grato, e por favor, após passar esse vendaval, traga seu filho aqui em casa, quero muito conhecer esse anjo!”
E assim, nos despedimos!
O Vendedor de Algodão Doce
Dois dias depois eu estava lendo o jornal quando vi que haviam prendido os assassinos da família Johnson, pois, através de uma fonte anônima, a polícia soube do envolvimento do vendedor de algodão doce que tinha um carrinho na esquina da casa família há mais de 10 anos. Sendo que a família ia muito até o carrinho de vendas e até considerava o vendedor como amigo, pois, segundo a avó paterna informou, o menino era apaixonado por esse doce!
E com a investigação, conseguiram, em depoimento, que o vendedor entregasse toda a quadrilha, os quais já estavam sendo procurador e presos.
E foi assim que, de forma sobrenatural, meu filho foi contatado por um espírito e podemos ajudar a uma família e a nós mesmos a entender que existe bem mais entre o céu e a terra do que a nossa ainda ignorância cega nos deixa enxergar…
Escrito por Nilvio Alexandre Fernandes Braga, Eldorado do Sul, 03/08/2020