A força da inveja
No coração do Ceará, na cidade de Itatira, vivia numa casinha simples o moendeiro Antônio Inácio Torres. Era um homem humilde e tranquilo, tinha enviuvado há um ano, sua esposa, Raimunda Amália, morreu semanas depois do casamento, foi um baque para Antônio. Ele, desolado, decidiu sair de Barbalha, sua cidade natal, e foi rumou para um local mais isolado e sossegado, para ficar sozinho.
Conseguiu um emprego no Engenho Forte Sant'Ana e ganhava o suficiente para se manter. Sua casa era um pouco distante das outras, ele resolveu montar a casa ao pé de uma serra. A comunidade ficava umas duas ou três centenas de metros de distância daquela serra. Inácio, para chegar ao engenho, tinha que atravessar, cedo, uma mata, não muito densa, que ficava lá. Uma trilhazinha de terra havia para ajudar os moradores que iam até aquela floresta para caçar ou buscar madeira, Antônio todo dia tinha que passar por ela.
Seu Inácio era pacato, nunca se metia em confusão, mas naquele dia lhe aconteceu uma injustiça. Aurélio, colega de trabalho, culpou o homem coitado de ter jogado vinagre em sua moenda e ter estragado todo o seu trabalho. Ele acusou o inocente sem prova alguma, seu único argumento era que Antônio tinha sido o último a sair para a pausa do meio-dia.
Foi uma confusão grande, Aurélio perdeu as estribeiras e queria agredir Inácio, que nada tinha feito, se os outros funcionários não tivessem o segurado ele iria espancar o pobre homem. O proprietário do Forte Sant'Ana foi avisado da desordem, o supervisor correu até sua casa e contou o que acontecia, o velho chegou muito bravo e perguntando a razão daquilo.
Um acusava e o outro negava.
Aquela discussão toda não chegava a lugar algum, porém, Joaquim, antigo trabalhador de lá, resolveu contar o que sabia. Ouviu de Aurélio que ele iria jogar vinagre em seu posto para por a culpa em Antônio, isso porque ele nutriu raiva do homem, pois ele era novato na cidade e no emprego, em pouco tempo, por conta da eficiência, conseguiu um salário bem melhor do que o dele, que já estava anos naquele engenho e pouquíssimas vezes recebeu um aumento; era pura inveja.
O dono, ao ouvir tal revelação, não tinha como tomar outra decisão. Demitiu Aurélio. Coisa que ele já queria fazer há algum tempo, por conta de sua incompetência, mas sempre deixava para lá, pois nunca houve um fato negativo o suficiente para que tomasse essa escolha, porém, esse fato acabara de acontecer.
Ele, ao ouvir os dizeres da boca de seu, agora ex, patrão, surtou. Bateu no primeiro que viu, quebrou ferramentas do engenho, um verdadeiro escarcéu. As coisas só foram se acalmar quando chegou a polícia, que o levou preso, mas, antes de ser levado, jurou vingança a Inácio, prometendo que iria matá-lo.
Antônio até se preocupou, mas os dias foram passando e ele esqueceu daquilo, continuou sua vida, mas não Aurélio, este, contava os dias que permaneceria ali, preso, só para renovar, diariamente, o ódio por Inácio.
Passaram-se alguns meses, Antônio já se firmara de vez em Itatira, a dor da perda da esposa parecia, enfim, ter passado. Já tinha feito amigos, conquistado a simpatia das pessoas na cidade e ia muito bem no trabalho, estava feliz da vida.
Porém a felicidade é invejada pela tristeza. O rancor de Aurélio, neste tempo, só aumentou, nele só existia ódio, raiva e, principalmente, inveja. No tempo que ficou preso pensou em várias formas de vingar-se de Antônio, que nunca lhe fez nada. Ele conseguiu a liberdade, ninguém mais sabia que ele tinha sido liberado da cadeia, fez questão de ninguém saber, não queria que a notícia corresse.
Sabia que Antônio vivia ao pé da serra, seu plano era esconder-se na floresta e atacá-lo e faria isso na primeira oportunidade. Escondeu-se na mata já de madrugada, esperaria ele sair pela manhã para que o atacasse. Ficou a noite toda aguardando, mas ficou a ver navios, esperou tanto que o dia chegou e nada dele aparecer, Inácio não passou por ali uma única vez. Resolveu ir até a casa dele, porém teve uma surpresa, lá não estava o homem que odiava, mas um casal.
Ele foi avistado pela mulher, que o viu na janela, os dois perguntaram o que ele queria, inventou uma desculpa qualquer, pareceu convencer os dois, aproveitou para perguntar sobre Antônio, e, para aumentar ainda mais sua raiva, o morador respondeu que ele, como havia conseguido uma vida boa ali, resolveu comprar uma casa mais próxima do emprego, então, vendeu a sua e passou a morar com o restante da população.
Seu corpo ferveu de ódio, sentiu que tinha sido feito de besta, passou a noite toda naquela floresta, sendo picado por muriçocas, passando frio e tudo para nada. Teve que conter a raiva e saiu, mas já bolando outro plano, ia descobrir a nova casa de Inácio e iria invadi-la, para o matar.
Demorou alguns dias para descobrir, ficava na rua do engenho, lhe causou tantas lembranças tristes. Algumas pessoas já haviam descoberto que ele tinha sido solto, e como a fofoca em cidade pequena é mais rápido, logo ficaram sabendo, até mesmo Antônio. Ele até teve receio de que Aurélio tentasse fazer algo contra ele, mas acreditava no ser humano, pensou que ele tinha se arrependido no tempo que ficou preso, resolveu esquecer de vez aquela história.
Aurélio só pensava na tal vingança, apenas nisso, pensava em vários planos para poder entrar na casa, mas como nunca conseguia, acabou apelando para outros meios. Um dia, após novamente não conseguir se vingar, disse que daria tudo para que matasse Inácio, até mesmo vender a sua alma para isso. Estava em sua casa, já bem abandonada, tanto por conta do tempo em que esteve preso, como pelo fato de que ele só pensava em fazer maldades ao inocente.
Quando disse a tal frase, um homem, idoso, vestido de escarlate e de escuras barbas longas apareceu em sua frente.
- Você me daria a sua alma?
- Eu daria tudo em troca da minha vingança, tudo! - disse Aurélio, tomado pelo desejo de ódio.
O velho então sorriu, sumiu pelo ar, deixando apenas um papel caindo no chão. Aquele papel, amarelado e escrito com sangue, dava os passos para que Aurélio realizasse o seu desejo, o demônio lhe dera o poder de ficar invisível quando dissesse um feitiço e, com isso, conseguiria invadir a casa de Antônio tranquilamente.
Esperou dar três horas da noite, horário exigido no papel, andou pelas ruas, em direção à casa de Inácio, repetindo as palavras:
"Ego indivia, ego indivia, ego invidia..."
Enquanto passava, os guardas noturnos que se espalhavam pela cidade pareciam não notar que ele passava, e, todos já estavam de olho nele desde que tinha saído da cadeia, era essa a razão de nunca ter conseguido entrar na casa, parecia que a magia estava dando certo.
Foi para frente da casa de Antônio, ainda estava invisível, mas não conseguia abrir a porta, estava trancada. O demônio lhe fez atravessá-la, e conseguiu, finalmente, entrar na casa.
E aquela foi a última noite de Inácio, que morreu carbonizado após Aurélio incendiar sua casa, começando pelo quarto, onde dormia. Não teve como escapar, quando acordou já estava tudo pegando fogo, os vizinhos tentaram ajudar, mas sem sucesso, a casa toda já estava tomada, os poucos bombeiros não conseguiram fazer muita coisa, pois tinham que buscar água no açude, que ficava noutra cidade.
Dali só se escutavam os gritos de desespero de Antônio, pobre Antônio...
Mas também há quem diga, até hoje que ouviu as risadas demoníacas de Aurélio, que assistia seu inimigo arder nas chamas. A sua alegria, causada pela tristeza, não durou muito tempo, pois o Diabo aceita qualquer oferta, mas, uma hora ou outra, vai querer a sua parte. O demônio formou-se naquelas labaredas e arrastou Aurélio direto para o Inferno.
Aquela rua, hoje em dia, está abandonada, como uma rua fantasma, porque desde aquele dia em diante os moradores ouviam os gritos de dor de Inácio, vultos e até incêndios ocorriam, do nada.
Isso é mais um caso do poder da inveja, que não suporta a alegria e a prosperidade do outro...