Cade o meu rosto?
Sempre disse à minha psicóloga que não gostava muito de me olhar no espelho, porém, ela me propôs um exercício de me encarar no espelho pelo máximo de tempo que conseguisse e ir cronometrando diariamente. No começo achei fosse besteira, que eu não ia passar dos 10 segundos, mas fui tendo mais e mais curiosidade, a ponto de me pegarem olhando fixamente pro espelho por mais de uma hora. Eu estava quase que obcecada. Eu não ficava ali me admirando ou me sentindo bonita, era mais como se eu estivesse codificando todos os traços do que eu via refletido. Aproveitava o momento em que todos dormiam pra que pudesse me concentrar no espelho, passava noites sem dormir, e, em uma delas, algo diferente aconteceu.
Eu pensei que pudesse ser um delírio meu, depois de tantas horas sem dormir, mas parecia real demais. Aos poucos, o meu rosto começou a sumir, até que aquele espaço ficasse completamente vazio. Tentei tocar a ponta do meu nariz pra verificar se não era um delírio, mas eu não consegui senti-lo. Tentei gritar, mas não consegui emitir som nenhum. Eu só podia enxergar, e o que eu via, era a minha face sem meu rosto. Corri pros outros espelhos da casa e em todos eu estava sem rosto. O desespero tomou conta de mim e eu não sabia o que fazer, até que num impulso sombrio, decidi fazer um buraco com uma faca no lugar da minha boca pra que eu pudesse ao menos gritar. Cortei uma linha reta, de uma bochecha à outra. Ainda não satisfeita, quis fazer o mesmo com o meu nariz. Fiz um corte triangular e tirei a pele pra tentar encontra-lo, mas eu não via nada além dos buracos e do sangue. Decidi fazer os buracos também nos meus olhos e não ia me poupar de tentar tirar toda aquela pele de cima pra conseguir ver o meu rosto. Antes porém, que eu o fizesse, a minha imagem falou comigo. Disse que eu deveria entrar no espelho pra buscar o nosso rosto, que segundo ela estava perdido. Àquele ponto eu já sangrava muito e não entendia nada, mas queria tanto me livrar daquela situação que qualquer ideia era bem vinda. "Você tem que entrar de cabeça, e vir de uma vez, você precisa encontrar o nosso rosto".
Eu fui.
Meus pais acordaram com o barulho do espelho se despedaçando. Tentaram me socorrer, mas eu já estava morta.
O pior foi não ter encontrado o meu rosto.