Luar na Serra
Ele era um policial aposentado, havia guardado durante muito tempo todo o dinheiro que sobrasse: horas extras, "bicos", acertos no jogo do bicho, tudo era reservado pra sua poupança, poupança essa que foi motivo de várias brigas com a esposa, que nunca saia ou viajava.
Finalmente a tão esperada aposentadoria chegou, porém, já não tinha mas ninguém pra aproveitar com ele. Seus filhos, os quais por motivo das horas em serviços, não tinham muito apego pelo velho pai, sua esposa cansada de nunca ter seu marido por perto decidiu o abandonar e era nessas horas que ele pensava se tinha valido a pena, mas, esses pensamentos duravam pouco e logo constatava que o importante foi seu afinco e ter conseguido tudo que almejou.
Sentado em sua cadeira preferida, na sua varanda preferida, ele deslumbrava seu objetivo alcançado, um sítio de alguns metros quadrados na Serra da Sina*(nunca entendeu por que tinha esse nome, mas iria descobrir), estado da Bahia. Era seu lugar, seu canto, ali ele era feliz, realizado, comprou por uma "bagatela", chegou a ficar desconfiado, mas agora, olhando todo aquele maravilhoso pôr do sol, pensou o quanto otário foi o antigo dono por vender algo tão maravilhoso por um preço tão barato, ledo engano.
Como todo final de tarde ele sentava na varanda olhava o pôr do sol, pensava na vida e entrava p assistir tv, já estava nessa rotina há 02 anos, desde que se mudou pra lá, pouco visitava a cidade que ficava na subida da serra, se tornou alguém recluso e as vezes até chato, mas, não ligava, era a velhice chegando. O sol finalmente se escondeu, mas, ao invés de entrar, ele continuou ali parado pensando na vida e sentindo um incomodo que era diferente de tudo que sempre sentia nessa parte do dia, de repente veio na cabeça os olhares que recebia sempre que aparecia na cidade pra comprar mantimentos, das vezes que ao subir a serra e encontrava algum morador mas antigo, sempre recebia uma benção, um " vai com Deus", "Deus te proteja", mesmo sem nunca ter solicitado, hoje o frio na espinha ao constatar a lua majestosa e amarela subindo aos céus o fez por um breve momento pensar se não teria sido melhor está no meio da cidade grande, tratou de se recompor, tateou a .40 velha de guerra na cintura e entrou.
Foi mais ou menos 22:00 daquela quarta feira que tudo mudou, barulho na cocheira dos cavalos e sem pestanejar saiu já empunhando sua pistola, não conseguia evitar, mas isso lhe causou um bem estar enorme, relembrar os tempos de briosa, incursões, campanas, tantas lembranças, pois bem, ele estava ali e iria defender seus domínios contra quem quer que fosse. Lembrando os tempos de policia foi avançando passo a passo, diminuindo a silhueta para não ser descoberto, chegou a alguns metro do local do barulho, havia alguém no meio das cavalos, agachado, porém mesmo agachado a silhueta demonstrava que era alguém muito grande e corpulento, continuou a aproximação, não dava pra ver o que o miserável tava fazendo, mas parecia ter um dos cavalos deitado perto dele, a aproximação continuou, cada vez mais perto, a lua estava encoberta, não deixava enxergar mais do que alguns metros a frente, de repente o luar se libertou e a luz que traz a paz quando há a escuridão, trouxe o pavor.
De inicio ele não quis acreditar, aquilo não deveria está ali, no seu lugar preferido, neste planeta ou até mesmo diante da presença de Deus(pensou isso como bom cristão que era), anos de treinamento, mente calejada pelos inúmeros embates, nada disso adiantou, quando ele percebeu que sua presença foi percebida pela criatura. Foi tudo muito rápido, dedo no gatilho, vários disparos, nenhum acerto e a escuridão. Acordou pela manhã, o sol já ia longe no céu e aos poucos fazia seu corpo arder com o contato do solo quente, sua mente dava flash's da noite passada, em seu peito um ferimento grande, porém, quase cicatrizado ainda incomodava, levantou, ficou sem entender como conseguiu acordar naquela manhã, pois o que ele viu na noite anterior, com certeza era a declaração mais certa da sua morte, se achou um cara sortudo, até mais ou menos às 15:00, foi quando percebeu a inquietação, a ferida praticamente curada e o vigor que surgiu, lembrou das estórias contadas por sua mãe e avôs, olhou o celular e viu a mensagem, sua filha viria aquela noite, após quase 02 anos ela escolheu aquela noite para fazer uma visita e traria com ela seu primeiro neto. A tarde passou, com ela veio a noite e a constatação do que ele tinha adquirido, escreveu uma carta, deixou todas as senhas encima da escrivaninha, chave dos carros, do sítio e tudo que alguém deveria encontrar foi deixado na mesa da sala e saiu pelos fundos da casa.
Ao longe o farol de um carro trazia um casal com seu filho de meses, a mulher ansiosa para rever e fazer as pazes com seu velho, mais ao longe ainda, um gatilho era acionado pois até o mais valente dos guerreiros reconhece quando uma luta foi perdida, porém ninguém nem nada iria determinar o seu destino e antes do projetil alcançar seu crânio, ele entendeu o por que do nome daquela Serra e quase que conseguiu esboçar um sorriso, mas ai tudo escureceu.