Rua assombrada
Julinho é um garoto muito especial. Com apenas oito anos de idade, é um verdadeiro gênio para a idade. Gosta muito de estudar e faz várias perguntas aos professores. Gosta muito quando o assunto está relacionado à aviação. Disse que faria um curso para piloto e talvez o curso de engenharia aérea. Muito curioso, verifica tudo o que possui. Certa vez ganhou um relógio e na mesma hora o desmanchou para ver como ele funcionava. Lê muito e sempre a curiosidade está rondando à mente. Após cumprir a jornada diária dos estudos, escola e leitura, ele senta na janela e fica lendo os livros. A preferência é por José de Alencar. Certo dia, quando estava finalizando a obra “Iracema”, olhou para a frente e viu algo inusitado. Disse assim à mãe:
- Mamãe, qual o motivo para a Dona Margarida passar muito depressa perto do cemitério. Ela faz o sinal da cruz e anda mais rápido ainda.
- Ontem, vi que o Sr. Manoel fazer a mesma coisa. Nem olha para os lados. Tinha um enterro chegando. Ele abaixou a cabeça, fez o sinal da cruz, tirou o chapéu e saiu andando muito rápido. Quase caiu.
Julinho falava assim com a mãe, porque eles moravam bem próximo ao cemitério, em uma rua que finalizava no portão dele.
As respostas da mãe eram:
- Filho, eles têm as razões para tal ato. Têm fé, às vezes faltam coragem. Posso-lhe dizer que muitos sofrem uma doença chamada medo.
Julinho, com as insistências curiosas, disse:
- O que é o medo? Por que as pessoas têm medo? Medo de que? Razão e causa para o medo?
- Meu filho, não sei lhe dizer. Não sou psicóloga, sou apenas uma professora do ensino infantil. Todos possuem o medo. O medo vem de uma região localizada no cérebro. Você estudará no futuro.
Não ficando satisfeito com a resposta e vendo que Dona Margarida se aproximava de onde ele estava, pulou a janela e disse para ela:
- Dona Margarida, a senhora tem medo de passar perto do cemitério?
- O que isso, menino. Eu não tenho medo. Tenho respeito pelas almas dos mortos que estão enterrados ali. Quando passo, faço o sinal da cruz em respeito.
- Eu vejo a senhora fazer o sinal da cruz e andar mais rápido. O Sr. Pedro nem olha para dentro e passa correndo, qual o motivo?
Dona Margarida não deu a resposta. Fechou a cara e saiu andando rapidamente resmungando:
- Que menino bobo. Gosta de saber de tudo. Fica vigiando o meu caminho todos os dias...
Julinho chegou em casa e disse para a mãe que havia conversado com a Dona Margarida e ela não lhe deu nenhum argumento para sua pergunta.
Com um lindo sorriso nos lábios, a mãe lhe disse:
- Filho, fique tranquilo. Nem sempre as pessoas falam o que sentem. Você disse que faria uma linda pipa para soltar hoje? Está ventando muito. É um lindo dia para soltar pipa.
- Vou fazer... disse ele com um sorriso cínico, como se estivesse preparando uma travessura.
O dia foi passando. Já era o momento de servir o almoço e Julinho continuava ali, muito quieto, na casinha preparando algo.
Ele almoçou bem rápido. Nem escovou os dentes e lá estava novamente na casinha. Ele chamava ali, carinhosamente, de laboratório.
Em um determinado momento, Julinho saiu e disse para a mãe que iria soltar pipa. A mãe, com os serviços escolares para fazer, nem mesmo viu quando ele saiu.
Anoiteceu rapidamente. O mês era o início de julho. Ventava muito e fazia muito frio. Rapidamente Julinho veio para dentro. Tomou banho rapidamente e jantou. Entrou para o quarto e não quis assistir televisão. A mãe ficou preocupada e logo foi ao quarto dele. Não tinha febre e nem a garganta estava doendo. Falou que estava cansado e disse que dormiria cedo.
Por volta das oito horas da noite, Seu Eduardo, um velhinho muito bom, passou pela rua. O vento soprava forte e em algum instante, ele gritou:
- Meu Deus, o que é isto?
- Sete credos, alma perdida. O seu lugar é no inferno. Bateu à porta da casa de Julinho e logo a mãe veio correndo perguntando o que foi.
Disse ele:
- A senhora me dá um pouco de água, porque eu vi uma alma perdida próxima ao cemitério. Tenho oitenta anos e nunca vi nada igual. Parecia vir a meu encontro, com os braços abertos, um rosto todo vermelho, uma boca muito grande...
Ouvindo os relados do ancião, lá no quarto, Julinho veio correndo e perguntou o que foi. O ancião relatou tudo. Então o garoto perguntou:
- O senhor tem medo?
- Bem, meu filho. Tenho oitenta anos e vou confessar que moro por estas bandas por muito tempo. Se eu disser que não tenho, vou estar mentindo e eu não gosto de mentiras.
No íntimo, Julinho sorria dentro do coração. Fez cara de riso e despediu do ancião, voltando imediatamente para o quarto.
Não demorou muito e novamente um grito foi ouvido na rua. Era o grito de Dona Margarida. Gritava muito:
- Socorro, por favor, não me julgue.
- Eu lhe traí, quando você estava doente. Foi com o Alceu, mas por favor não vingue de mim. Eu arrependo e vou rezar na igreja todos os dias para você.
A mãe de Julinho, de nome Márcia, ficou preocupada, porque Dona Margarida contou segredos de sua vida. Ela foi logo batendo à porta da casa e pedindo socorro.
Julinho, mais uma vez saiu do quarto e fez as mesmas perguntas e saindo com cara de deboche.
Pelo resto da noite foi assim.
Aconteceu com o Geraldo, o Sebastião, a Dona Elvira e até mesmo com Tião, o coveiro do cemitério.
Márcia, meio desconfiada do filho, foi até à janela do outro quarto. Viu que Julinho estava à janela. Quando aproximava alguém, ele a fechava e uma figura sinistra saia de perto da árvore voando.
O vento soprava forte, pois era estação de inverno. A figura sinistra saia voando das árvores indo em direção de quem ali estava passando. Vários movimentos eram feitos e a pessoa começava a gritar. Julinho sorria e fazia mais movimentos e caia na gargalhada, enquanto as pessoas gritavam apavoradas com medo.
Márcia entrou pelo quarto do garoto e lhe deu uma forte bronca e perguntou o motivo de estar fazendo aquilo. Ele, chorando, disse:
- Mamãe, a senhora pediu para eu soltar pipas, então estou soltando. Só estou soltando à noite, porque o vento é mais forte e queria ver como as pessoas reagiriam ao medo.