Sexta-feira, 00:12
Por alguns segundos eu não entendi por que correr, mas então ouvi fortes batidas na porta da frente, como se houvesse um imenso bumbo dentro do apartamento. Mais cedo ou mais tarde eles arrebentariam a porta. E a voz dela falou:
- Para a porta da cozinha, rápido!
Corri para a cozinha e forcei a porta que dava para a escada de serviço. Mas ela estava trancada! Eu nunca usava aquela porta, e me pus a procurar as chaves nas gavetas do armário, enquanto o bumbo batia cada vez mais forte e mais rápido. Achei um molho de chaves que fui experimentando na fechadura o mais rápido que podia. Quando finalmente consegui achar a chave certa, um último e ensurdecedor baque arrebentou a porta da sala.
Ainda consegui olhar de relance para notar que cinco homens com compridas vestes negras e capuzes que escondiam seus rostos. Pareciam monges nefastos que saíram de filmes de terror. E o pior é que eu conhecia aquelas vestes.
Me atirei escada abaixo com os homens em meus calcanhares. Eu pulava os lances de escadas por cima do corrimão, correndo com todas as minhas forças.
A escada acabava num corredor que se estendia à minha esquerda e à minha direita. Eu nunca estivera ali, portanto não sabia que caminho tomar.
- Esquerda! – disse Lívia.
O corredor dava para uma porta dupla de metal que estava trancada por uma barra de ferro. Com esforço retirei a barra, vendo com um desespero sufocante a distância entre mim e meus perseguidores diminuir.
O modo como se moviam era assustador. Suas vestes tocavam o solo e eles pareciam flutuar quando corriam, pois não oscilavam para cima e para baixo. Mas esta impressão só durou alguns segundos, pois antes de atravessar correndo a porta eles já pareciam perfeitamente normais.
A porta se abria para uma estreita rua espremida entre o meu prédio e o do lado. Lívia disse:
- Para a esquerda!
Mas à esquerda a rua não tinha saída! O que ela queria que eu fizesse?
- Vá!
Acelerei rumo ao muro para então ouvir:
- Há uma escada de ferro à sua direita junto ao muro. Suba!
Fiz o que ela falou e do outro lado do muro pulei sobre uma pilha de papelão e plástico. Saí em uma rua parecida com a anterior que se abria para uma movimentada avenida. Corri para ela e me virei para ver uma cena assustadora: meus perseguidores saltavam por sobre o muro como se este tivesse quinze centímetros de altura para então cair por dois metros lentamente, tocando o solo sem fazer ruído.
- Siga pela avenida à direita.
O trânsito, mesmo na madrugada, era vertiginoso. As luzes dos carros passavam por mim como flashes enlouquecedores. Correndo em pânico eu vi naqueles flashes fragmentos do passado que foram se juntando até fazer sentido: Você não vai escapar!
E naquele instante eu compreendi o quanto eu estava perdido. Eu deveria ter desconfiado que não era mais esperto que eles e que eles não iriam esquecer uma traição. Vi então como tudo começou...