APENAS UMA ESTATÍSTICA INEVITÁVEL

Ele ali, no carro revendo os últimos dias que passaram, imagens essas que revelavam fatos em sua mente, ao menos, parecia ser isso. As cenas holográficas que apenas ele via, detalhava os horrores que a vida proporcionou para sua história e apenas questionava por que acontecera apenas com ele.

Parecia não saber que o mundo não girava apenas sobre ele. Tudo acontecia para todos.

O vírus causava o medo com distanciamento, falta de emprego e consequentemente a escassez de dinheiro. Os gafanhotos atacavam as lavouras causando grandes estragos e o aumento do valor dos alimentos. Vendavais que causaram destruições das casas e que sem dinheiro, não podia comprar a lona que em tempos normais são de bom preço, mas que agora custam três a quatro vezes mais.

Enquanto uns choram, os outros vendem lenços superfaturados.

Após rever alguns pontos naquela pequena tela que estava em seu interior, continuava parado no meio do viaduto, as buzinas pareciam não fazer efeito nos tímpanos do homem que naquele momento sentia pena dele mesmo.

De longe escutava o apito do policial que parecia estar multando, não podia estar ali, mas ali continuava. A máscara o sufocava, não podia tirar. O menino oferecia balas de goma, gostava muito, mas não era o momento mais propício.

O telefone tocou. Atenderam no viva-voz.

— Estamos chegando — Alguém falou.

— Obrigado. — o outro respondeu.

Um motoboy caiu a cem metros, parecia ter sido leve. A ambulância chegou, soube pelo barulho da sirene. Ele ainda esperava, aceitava o caso, xingava o mundo. Queria estar no meio de um, ciclone, uma bomba, mas não ali, inútil e sem poder movimentar-se.

Chegaram.

— Primeiro dia no trampo e já conseguiu bater o carro? — Pela entonação, parecia ser o chefe.

Não houve resposta, então, o chefe concluiu.

— Está demitido, não consegue nem levar defunto.

O silêncio tomou conta, ele não podia fazer nada, enrolado em saco preto, algodão no nariz e preso em sua definitiva morada, sorriu pela última vez. De tantas formas de morrer, resolveu fazer sozinho. Vírus, desemprego, gafanhotos, falta de dinheiro, e a máscara que embaçava os óculos. Nada disso o satisfaria. A corda fez melhor efeito.

Ninguém viu, isolado em seu barraco alagado, tossindo muito e com falta de ar, gastou suas últimas migalhas de força para fazer um nó e subir no banquinho. Fácil.

O cheiro o denunciou depois de alguns dias ali, enfeitando a casa de dois cômodos, como fosse um filtro dos sonhos que não acordaria mais.

Agora, enrolado e feliz por pensar que saíra do comum. Ouviu a frase:

Se enforcou, mas o teste foi positivo para Covid.