208 - Proscrito
Recebeu o cheque que o compensava da perda do seu posto de trabalho. Assinou o recibo, recolocou o boné, limpou no lenço a timidez do rosto e foi ao Banco levantar o dinheiro. Poderia ter pago as contas e a renda da casa, poderia ter-lhe dado algum para a comida mas não fez nada disso. Chorava sem lágrimas e bebia, dançava depois com as que ali estavam para o fazer esquecer e dormia. Repetiu tudo até que, por falta de dinheiro, o expulsaram do Bar. Quando voltou a casa já morava lá outra gente que nem conhecia a Maria. Quando se reviram também ela não o queria. Ninguém é de pedra, disse-lhe. Foi por isso que voltou a Lisboa para ver quem poderia precisar dele. Trabalho não havia. Fazia recados, transportava coisas, dormia onde calhava. E foi perdendo o que ainda tinha de suave e de raiva se foi revoltando até ser bruto. O mundo é de poucos. Todos os que via passar às mesmas horas eram escravos a mando do dono, à ordem da mulher e dos filhos, da felicidade que construíram de obrigações e sacrifícios. E o amor? Olhando para trás já não o via tão raro foi o que teve. Tão de cansaços e dores pago, assim, sexo sem pele, apressado como se tivesse de poupar tempo, como se valesse só as respostas ácidas que, em troca, recebia. Deixou que o usassem, deixou que por pouco lhe arrancassem as orelhas na Escola, e quando se viu sem nada reparou que trazia em si um lobo que tinha fome.