Conto de Sangue

"Hoje, às 16:32, escrevo esta para registrar o que está acontecendo. Desde que meu pai foi morto estamos passando por dificuldades, essas causadas por alguém que não conhecemos, mas tenho certeza ser o assassino de papai. Vi ontem uma pessoa passar correndo pelos fundos da casa, era madrugada, um homem encapuzado; quando me viu na janela observando-o fugiu. Acho que ele pretende matar toda a nossa família aos poucos, já matou meu pai, a próxima há de ser mamãe, depois eu e, por fim, meu irmão mais novo. Peço a Deus que nada nos aconteça, mas se algo acontecer, deixo esta carta, não deixem a nossa morte cair na injustiça".

Foi isto que escreveu Catarina, amedrontada com o que vinha se passando. Seu pai, Lucério, homem forte que trabalhava no tribunal, foi esfaqueado e morto há quatro dias atrás. Desde então, um homem encapuzado observava a casa pela madrugada.

Catarina, moça inteligente, de longas madeixas castanhas e olhos de mesma cor, tinha medo do que pudesse ocorrer, percebeu a presença do misterioso homem há dois dias, observava-o escondida pelas frestas, até que ele o viu. Não contara à mãe, Esther, pois ela ainda sofria com a morte do marido, enquanto ao irmão menor, não queria assustá-lo, porém o garoto era muito esperto, acabou percebendo o jeito perturbado da irmã, que dizia-lhe nada acontecer.

Passaram alguns dias, para o medo da filha, Esther teve que sair para ir comprar coisas da casa, mandou que Catarina ficasse em casa com o irmão Felipe. Medo dominava a jovem, temia que o tal homem se aproveitasse da oportunidade para entrar na casa.

O medo foi justo, mas o ocorrido não foi com ela. Chegaram à porta homens da polícia avisando-a que a mãe sofrera um ataque; esfaqueada, porém não morreu, estava ferida gravemente no hospital.

Nem tudo foi tão ruim, pois com ela haviam encontrado o tal homem, que foi levado para a delegacia e lá estava preso até ser julgado.

A mãe, um mês depois conseguiu recuperar-se, com isso o julgamento já poderia ser marcado. Por algum motivo Esther não queria que se realizasse a justiça, disse que poderia até mesmo esquecer do ocorrido, confundindo o delegado, juiz, advogados, os filhos...

Por mais que ela se negasse a corte decidiu que deveria ocorrer o julgamento.

No dia, Catarina e seu irmão compareceram, não iriam dizer nada, apenas uma prevenção para que não ficassem sozinhos. A mãe e seu advogado estavam à frente, o juiz e o restante necessário para o início já estavam lá; faltava apenas o réu.

Ele chegou, sendo levado por um policial e sentou-se em seu lugar. A avaliação do caso foi evoluindo, a acusação já tinha cumprido o seu papel, era vez então da defesa, antes que o advogado pudesse falar, o misterioso homem levantou-se aos gritos, com ódio no rosto.

Apontando para Esther e lhe ofendendo, disse que pagaria pelo que fez. O juiz pediu para que parassem o homem, agarraram-o, mas ele disse a verdade.

Ele, cujo nome era Mauro, foi casado com Esther por alguns anos, era dono de alguns negócios e por isso vivia bem. Lucério, seu grande parceiro dos negócios era próximo do casal, que teria uma filha - essa Catarina - em alguns meses. O que não sabia Mauro era que Esther o traía com Lucério, e ajudou-lhe a dar um golpe que o fez perder tudo para Lucério. Mauro caiu em desgraça, foi internado num manicômio por duas décadas e Esther casou-se com o que lhe foi seu esposo.

Mauro jurava vingança todos os dias, seus gritos de ódio ecoaram de sua cela por todo esse tempo; numa noite chuvosa, por descuido do guarda, Mauro conseguiu fugir.

Conseguiu matar o traidor, queria matar a ex-esposa, não conseguiu.

Mauro foi preso, a sessão foi suspensa. Catarina escutara tudo, estava perplexa, seu pai, então, era aquele homem que foi traído por quem ela chamou de pai e mãe todos esses tempos, sentia-se traída também, com ódio.

E, foi em uma madrugada de tempestade que Catarina terminou a vingança de seu verdadeiro pai. Hoje ela vive em outra cidade, distante, de favor num convento, com o irmão, que nunca soube o real motivo da mudança e a razão do sumiço de sua mãe.

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 16/06/2020
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