O SEGREDO DE MARTE
— Passou, já era, quem estava naquela época aproveitou, agora é rezar para que as pesquisas cheguem ao êxito, pois o que temos não durará muito e nossa população vem diminuindo diariamente. Deixaram com que tudo acabasse, destruíram o futuro e quem diria? Disseram que seriam anos melhores, que as crianças seriam a solução, pois os adultos estavam perdidos. Muito engraçado, aqui está escrito que a tecnologia melhoraria os estudos. Quem será que escreveu isso? Não tem nome na capa. Com certeza nessa época havia vários sonhadores, mas contrastando, havia muitos destruidores. Também está escrito aqui de uma tal de internet, acessos, sites, Facebook e mais um monte de nomes estranhos, mas não existe nenhum detalhe sobre água, nada sobre preservação, sobre vida. Inclusive parece ser mais uma forma de comunicação e se não fossem as histórias que meu bisavô contava, eu pensaria que ninguém sabia falar. Nada aqui fala de reuniões com pessoas presentes em um mesmo lugar, na verdade, aqui está escrito sobre a separação dos corpos que uniu regiões distantes, mas separou famílias. Como pode? Quem tem coragem de dizer que a tecnologia mata a sede do conhecimento? Sede é o que sentimos agora pela irresponsabilidade de nossos ancestrais. E o pior de tudo, é que não foi há tanto tempo assim. Se o plano deles era destruir com tudo, não deixar um futuro para nós, eles chegaram ao êxito. É difícil de acreditar, mas está escrito aqui, deixaram provas de tudo o que fizeram, do legado que ficou.
O Professor sentia-se feliz em contar as histórias que estavam nos livros, montara uma sala redonda para fazer o tempo passar mais agradavelmente, Leu tudo que conseguiu mas resolveu começar a mostrar a eles o que de bom e o que de ruim aconteceu, o que deu certo e o que deu errado. Tentara mostrar as falhas dos anos tecnológicos, que todos sabiam muito pouco. Criou-se praticamente uma nova civilização que passava por necessidade básica de todas as épocas na história, mas que agora tornara-se a pior catástrofe natural já estudada.
- Há muito tempo, exatamente em 1928, na extinta ilha de Curaçao no Caribe a população percebendo a falta de água começou o processo de dessalinização, ou seja, tiraram o sal da água, mas como tudo feria o comércio da época, os políticos conseguiram que a pequena usina fechasse. Em meados dos anos 40 do século XX, a dessalinização veio com força, todos percebiam a necessidade desse trabalho. Imaginem agora caros alunos, mais de 300 anos depois, não temos uma gota de água doce e nossas máquinas de extração de sal estão velhas e diariamente algumas param de funcionar, e nossos engenheiros trabalham dia e noite, para melhorar a situação. Infelizmente após a terceira guerra, o que sobrou foram apenas sucatas, a queda energética nos deixou apenas com energia manual, as poucas baterias que sobraram já não funcionam a mais de 100 anos. A tecnologia que foi e seria tão importante infelizmente sucumbiu no uso errado e os poucos que pensavam em seus herdeiros foram tratados como sonhadores, como piada em uma época que todos tinham tudo, ou quase tudo. Não havia consciência, não havia olhar no futuro, havia apenas aparelhos e vidas sendo vividas atrás de pequenas telas e correndo atrás de dinheiro.
— Professor — com a mão levantada, Leandro falou: O que era dinheiro?
— Sim Leandro, eu sabia que seria a primeira pergunta e que o questionador seria tu. Naquela época antes da guerra, não existia nada que fosse dado, na verdade, existiam muitos bons samaritanos, mas na grande maioria tudo havia de ser pago, comida, vestes, transporte. Para isso precisavam de dinheiro, e para conseguir esse dinheiro, era necessário o trabalho. Ou seja, as pessoas trabalhavam, recebiam o dinheiro e logo repassavam a outros para adquirir o produto desejado. Conseguiu entender?
- Acho que sim — Respondeu Leandro. — Mas agora ficou mais fácil, meu pai plantava algumas coisas e trocava por outras e o transporte era feito por nossas camulas. Não gostei desse negócio de dinheiro!
A turma toda riu da expressão feita pelo colega, ele jogara os braços para cima, abrindo um para cada lado. As aulas começaram em uma pequena aldeia no ano de 2256, e o processo de ensino recomeçara há apenas dois anos, depois de uma biblioteca ser descoberta em escavações feitas na Alemanha, país extinto há um ano e que estava enterrada a 49 metros do chão. Alguém tentou preservar a história, ou um pequeno pedaço dela. As pesquisas e a busca pelo futuro bom, era baseada nas poucas escritas restantes.
— Alguém sabe por que surgiram as camulas? — perguntou o professor.
Daniel, o único aluno albino da escola e filho de um tratador de animais respondeu:
— Após a terceira guerra, as bombas atômicas deixaram à terra contaminada, o que fez com que os equinos ficassem doentes, deixando-os estéreis, então nossos antepassados mantiveram as poucas éguas reprodutoras em locais seguros, e agora apenas um, a cada cem filhotes nasce saudável, os outros são os camulas que não podem procriar. Elas são as unicas fontes de tração que temos, sem elas não teriamos como movimentar as grandes peças de ferro para montar as naves e também para ajudar na dessanilização.
— Muito bom — respondeu o professor e completou: — Nossas aulas de história são baseadas em nosso passado triste, de guerra, de erros, de falta de água e eletricidade. Como vocês querem seus futuros? O que é mais importante?
Juliana, uma menina negra de olhos verdes e de olhar muito delicado respondeu:
— Água! Não quero perder mais ninguém por falta de água.
Todos na sala ficaram pensativos, pois sabiam que o racionamento era muito grande, havia dias onde cada pessoa podia beber apenas um copo de 200 ml de água e todo o estoque era guardado em antigas penitenciárias e protegido por um exército. Os responsáveis temiam o ataque de cidadãos com sede, mas esse era o menor dos problemas. Sem eletricidade para mover as máquinas, o processo era lento e mesmo podendo beber o dobro de água que o resto da população, os funcionários não aguentavam ficar muito tempo nas manivelas das máquinas.
Sluca, filho de um dos engenheiros que acompanhava o processo de manutenção das máquinas, sorrindo falou:
— Meu pai disse que ja estava muito difícil a recuperação, o estrago foi muito grande e várias vezes o via contando para minha mãe que estava perdendo as esperanças e os poucos conhecimentos deixados pelos ancestrais, não estava sendo o suficiente para o conserto das máquinas.
Os engenheiros eram assim denominados, pois adquiriram conhecimento de seus pais, que receberam de seus avós e assim por diante, tudo que sabiam foi ensinado pelos sobreviventes da terceira guerra, mas a cada geração alguns detalhes eram deixados para trás, e agora a tão parabenizada tecnologia do século XXI estava fazendo falta, não para ligar aparelhos inúteis, mas para hidratar a população que diminuía a cada hora.
Os jovens adaptavam-se melhor a essa condição, já nasceram assim, muitos tinham deficiências que eram passados de pai para filho, mas isso era tão comum que o bullyng havia ficado nos séculos passado.
Essa foi a melhor história contada pelo professor Batista. O respeito mútuo havia voltado, as necessidades eram iguais para todos, não havia rico nem pobre, havia muitas pessoas com uma necessidade. Água.
— Professor Batista, posso falar? Perguntou Julia, uma alegre menina que nascera muito pequena, tinha 12 anos, 1,20 de altura, toda sua família era assim, muitos países lançaram bombas atômicas, contaminando o solo e o ar, provocando alterações nos genes.
— Claro Julinha — Respondeu o Professor.
— Minha mãe me contou que há muitos anos, acreditavam que a imagem era mais importante do que temos por dentro e que as próprias crianças agrediam seus amigos e colegas por eles serem diferentes. Isso não acontece mais, nós somos todos diferentes e cada um com sua beleza.
— Infelizmente era assim — disse o professor e continuou.
— Inacreditavelmente, algumas coisas melhoraram, e a igualdade principalmente das crianças foi uma delas. O que li em livros desse assunto é realmente assustador, pessoas eram tratadas diferentemente de acordo com a cor da pele, da religião, do estilo de se vestir, e as que por algum motivo fosse fora dos padrões de beleza eram menosprezadas e muitas vezes humilhadas. Se eu fosse daquela época com essa minha cara, penso que não seria bem aceito.
Todos riram do movimento que o professor fez. Levantou as mãos tentando fazer um círculo e caminhou com as pernas abertas.
O professor Batista era da família olho só. Grande, mais de dois metros de altura, cabeça triangular e muito larga e apenas um olho, centralizado, colado com o nariz. O cabelo era ralo, apenas atrás da cabeça e ele mantinha comprido até os ombros.
— A vantagem de ter a cabeça grande é que o senhor pode guardar muita coisa que lê e trazer para nos ensinar.
Falou orgulhosa a aluna chamada Rosinha. Meiga, risonha e muito esperta, mas não enxergava, guardava tudo o que ouvia para repassar em casa para seu pai e sua avó. Eles não conseguiam se locomover, a cegueira interferia no controle do corpo, apenas a menina havia nascido com controle corporal.
Todos riram.
Sorrisos de alegria e olhar de concordância, a maioria deles havia adquirido geneticamente uma diferença nunca vista nos séculos anteriores, mas o que mais havia modificado era a mentalidade do ser humano. Começava agora depois de muitas catástrofes, a busca por um novo mundo, uma nova ideia de ser humano. A história seria recomeçada a partir das derrotas, das perdas. Os poucos rebeldes que mantinham sua história na ideia do século passado sucumbiam na realidade e pouco a pouco desistiam de serem os meninos maus.
— Professor! — O que o senhor julga que vai acontecer? Teremos uma solução em breve? Gritou Severo, menino inteligente, voz rouca, e que nascera com o menor dos problemas, sua família não tinha pelos, então era careca e vivia com uma espécie de chapéu, pois com a camada de ozônio diminuindo o sol o agredia muito.
O rumo dessas conversas acabava sempre no assunto principal que era a água, nada nesse novo mundo era tão importante quanto a água, todos os moradores de cada aldeia tinham direito a mesma quantidade desse líquido tão precioso. Muitas vezes não era suficiente.
— Caro Severo, é visível que nas maiores dificuldades é que o ser humano torna-se realmente humano, não existem diferenças que abalem quem tem problemas mais graves, não se vive sem água. Nos livros, lia-se que crianças afastaram-se de amigos e familiares por causa da tecnologia, que a água perdia lugar para refrigerantes, e que quem tinha os melhores aparelhos tecnológicos ou melhores conduções é que eram os mais valorizados na sociedade. Tudo passou, já era, quem estava lá aproveitou e para nós, nada deixou, sonharemos alto e com muita vontade que nossa água não acabe e que no novo mundo ela exista com abundância, pous na terra, sem máquinas, com toda essa poluição que se mantém no ar e a chuva ácida que torna impossível o consumo será difícil. Gostaria de ser mais otimista e dizer que vai melhorar e que vai passar. A questão é que o passado foi assombrado por otimistas teóricos, pessoas que não valorizavam o que tinha de ser feito, faziam o que lhes convinha.
— O que faremos então, mestre da arte? Minha vida é tão breve, ouvindo isso sinto-me leve, mas ansioso por chegar em marte. — Perguntou Daniel, o poeta da classe. Apenas isso que sabiam dele, andava sempre com os cabelos bem penteados e roupas alinhadas e principalmente com falas sempre rimadas.
— Sim Daniel, vamos olhar para frente e torcer para que essa nave chegue ao planeta vermelho, as outras não conseguiram, somos a última expedição, essas aeronaves são muitos antigas, tudo tem de dar certo, pois não teremos como voltar.
Todos olharam pelos pequenos vidros que rodeava a aeronave. Assim ficaram alguns minutos, em total silêncio.
Silêncio esse que foi quebrado por Leandro:
— Professor! O senhor já leu esse livro? — Tirou de sua mochila um exemplar de 2020, que para muitos havia sido um dos piores anos de toda história.
Quando o professor leu a capa, fez cara de espanto. Nela dizia “Existe água em Marte… Mas é salgada”.
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História escrita baseada no tema "Tecnologia, futuro/presente, o que deu certo ou errado".
A ideia é fazer interação entre escritores, os desafiando e os homenageando ao usar seus nomes.
Criação de Leandro Severo II e Daniel Batista Andrade e Cristian Canto.
Essa semana temos a escritora Juliana Sluca como convidada.
Obrigado pela leitura.